quarta-feira, 22 de abril de 2009

Holanda-Agostinho Santos não revê pensamento de Cabral na Política actual


Holanda: Agostinho Santos não revê pensamento de Cabral na política actual

À semelhança do que aconteceu pelo 13 de Janeiro, o Expresso das Ilhas volta a abordar mais uma importante data nacional, a partir da nossa emigração. Novamente em Holanda, outra vez com a colaboração de Norberto Silva, da Rádio Atlântico, o 20 de Janeiro dá o mote para a conversa, nas linhas que se seguem. Quando passam precisamente 38 anos após a morte daquele que é considerado o pai da nacionalidade, Amilcar Cabral, o cidadão nacional, emigrante na Holanda, homem da cultura e figura muito conhecida na nossa comunidade radicada naquele país europeu, Agostinho Santos, analisa esta data, que para muitos viria a abrir caminho para o 5 de Julho, momento no qual Cabo Verde torna-se independente. O nosso entrevistado é para a história política em Holanda, o primeiro cabo-verdiano, eleito deputado municipal na cidade de Roterdão. Não descarta por enquanto nova candidatura, daqui a dois anos, mas considera que ainda não fez todo o seu trabalho, na Câmara de Roterdão. Enquanto artista, Agostinho Santos catalisou a simpatia dos nossos conterrâneos, sobretudo na terra das "tulipas". Actor e homem da comunicação, Agostinho Santos prepara por esta altura um documentário sobre os pioneiros da emigração crioula para Holanda. Confira, nesta conversa as influências de Amílcar Cabral na sua vida política, as questões que deixa, as interrogações que levanta em relação à morte de Cabral e também de Renato Cardoso. Também o "fenómeno", Barack Obama que na terça-feira foi empossado.
Expresso das Ilhas - Que importância Amílcar Cabral teve para o despertar da tua consciência politica? Agostinho Santos - Ele é um exemplo para todos os homens que passaram pela experiência de viver sob o jugo colonial. Pessoalmente, interessei-me por coisas de Amílcar Cabral ainda criança na escola primária em Cabo Verde onde senti na pele um pouco de discriminação por ser filho de pobre e por isso tinha que ocupar os últimos lugares na sala de aulas. Isso era algo que eu repudiava muito. Mais tarde, já na Holanda, deparei-me também com problemas de outra ordem e vi que o pensamento de Cabral é um legado muito rico e muito actual, mesmo para quem vive fora do torrão natal.
Ao enveredar para a política, comecei a conhecer melhor a obra desta grande figura, e compreendi o quão importante ele foi para o despertar da minha consciência social e política. O pensamento e legado de Amílcar Cabral contínua a ter impacto por todo o mundo.
Às vezes, em Cabo Verde, penso que apesar da independência a situação social continua igual ou pior. Os pobres tornaram-se cada vez mais pobres e os ricos estão cada vez mais ricos. Não revejo o pensamento de Amílcar Cabral nessa política actual.
É sabido que muitos cabo-verdianos emigrantes participaram na luta desencadeada na Guiné-Bissau. Tem conhecimento disso? Que importância atribui a esse facto? Eu conheço casos de muitos emigrantes que participaram na luta. Foram pessoas que viviam, sobretudo na Europa e tinham mais acesso às informações e uma consciência mais real, em relação ao colonialismo. Reconheço a entrega dessas pessoas, pois foram corajosas na medida em que participaram numa luta sem saber por vezes quem era o inimigo.
Amílcar Cabral deu a sua vida para libertar o seu povo quando podia perfeitamente viver bem, fazendo apenas o seu trabalho de engenheiro.
Cabo Verde tornou-se num país independente após a morte de Cabral e é instalado no país um regime de ditadura que durou 15 anos. Se fosse vivo Cabral seguiria o caminho dos seus companheiros de luta? Pessoalmente, acho que Amílcar Cabral seguiria outro caminho: uma via mais justa e com mais liberdade política, económica e social para os povos da Guiné e Cabo Verde. Acredito que com Amílcar Cabral a unidade entre os dois povos seria diferente a bem de Cabo Verde e Guiné-Bissau. Certamente, não teria o fim que todos nós conhecemos.
Cabo Verde, por exemplo, depois da independência nacional viveu 15 anos de ditadura e Guiné-Bissau é aquilo que conhecemos: uma instabilidade.
Tenho a profunda convicção que com Cabral seria diferente. Cabral era um líder nato, um carismático.
A ditadura nasce quando os líderes não têm capacidade de diálogo e de argumentação, por isso recorrem ao uso da força para impor-se perante outros. "Kem ki ka kre uvi, tem d`senti", era mais ou menos esse o lema.
Em documentos oficiais tornados público, os EUA concluem que Portugal não esteve envolvido na morte de Amílcar Cabral. Se não foram os portugueses quem terá sido, na sua opinião? Bem, nunca se soube de facto quem era o verdadeiro inimigo. Se não foram os portugueses que assassinaram Amílcar Cabral, como dizem os americanos, quem foi então? Guineenses? Cabo-verdianos...? Acho que dificilmente vamos saber a verdade sobre esse crime. Já Agora aproveito para interrogar: quem matou Renato Cardoso? Que se saiba, ele não morreu nas matas da Guiné. E o crime permanece como um segredo.
Olhamos agora o nosso continente: a nossa África é mais conhecida hoje no mundo ocidental pelas desgraças naturais como a fome, epidemias, pobreza generalizada e corrupção. Nelson Mandela é uma das excepções quando se fala bem da África... Nelson Mandela, tal como Amílcar Cabral, é um tipo de orgulho negro. Nunca negam ser negros e africanos. Estados Unidos. Obama toma posse dia 20 como presidente: que efeitos pode ter a sua eleição para os restantes negros da Europa? Será que a velha Europa, onde tradicionalmente apenas pessoas de pele branca chegam a cargos de primeiros-ministros ou presidentes poderá sob o efeito Obama nomear mais governantes negros por exemplo? Estou a pensar em países como Holanda, França, Portugal, Espanha...
Barack Obama está mostrar à Europa que não precisamos saber se a zebra é um cavalo branco com riscas negras, mas sim o que a zebra significa, como animal que é no seu interagir com a natureza. A Europa precisa também ter a consciência de que a cor da pele não deve ser levada em conta, mas sim a capacidade intelectual, e a dimensão humana do indivíduo.
É uma pena que a América tenha deixado passar muito tempo para reconhecer a capacidade de grandes líderes negros, no comando do país, como por exemplo o pastor Martin Luther King que foi "pesadelo dos brancos", só com o poder da palavra, e por isso assassinado por incomodar demais o sistema.
Felizmente, Obama venceu as eleições e isso também pode ter efeitos positivos para os negros, mestiços e outros estrangeiros que vivem na Europa: e como dizia Amílcar Cabral "hora dja tchiga".
Foi deputado municipal, o primeiro cabo-verdiano a chegar a esse cargo, na Holanda: tendo em conta a sua experiência política: quais os grandes desafios que esperam o novo presidente da Camâra de Roterdão? Ele terá uma tarefa muito complicada e como sabe, Aboutaleb é do partido trabalhista (governo de coligação). Mas apesar de ser um partido de centro esquerda, muitas vezes usa a linguagem dos partidos populistas, como Leefbaar Rotterdam (Roterdão harmonioso - partido regional e populista e o segundo da cidade de Roterdão). Eu acredito que se as eleições para burgometre fossem por sufrágio universal e directo que ele não seria escolhido.
No teu caso pessoal, foi deputado municipal e daqui a 2 anos teremos de novo eleições. É candidato? E em caso positivo por qual partido? Eu não afasto a possibilidade de concorrer, pois tenho a consciência que não terminei o meu trabalho, na Câmara Municipal de Roterdão...
Está a par da instalação da Casa de Cultura de Cabo Verde na Holanda? Foi convidado para fazer parte do grupo que neste momento está atrás da instalação da casa? Sim, fui convidado para dar o meu contributo, mas por várias razões não quero participar neste tipo de iniciativas por enquanto. Levando em linha de conta as pessoas que estão nela, acho que o resultado não vai ser positivo é como bater na mesma tecla e sem resultados palpáveis. Por isso não quero gastar energias com isso, por enquanto.
O que é que deve ser feito para que a casa seja útil aos cabo-verdianos, residentes na Holanda? Para dizer-lhe a verdade, não sei. Como sabes consegui há algum tempo arranjar um espaço muito bom para os cabo-verdianos, desenvolvendo várias actividades, investindo meu dinheiro, mas fui boicotado por certos sectores dentro da comunidade e tive também um grande prejuizo financeiro por falta de apoios. Por isso, não estou optimista no tocante à criação dessa casa pois não sei o que é que o nosso pessoal quer como Casa de Cultura, aqui na Holanda.
Acha que é melhor ser uma associação ou fundação a dirigir a Casa de Cultura? Em Roterdão, sabemos como funcionam as fundações. Conhecemos o caso de um apoiado pelo Municipio de Roterdão em que as pessoas fazem da organização, suas casas e onde os cargos de direcção parecem ser vitalícios. É o mesmo "grupinho de amigos", a mesma "família" que disfruta de um bem que devia ser de toda a comunidade.
Imagina um cargo bem pago, para director da referida fundação. São sempre as mesmas pessoas, não há concurso público, não há transparência. Os cargos são ocupados apenas por "amigos". Isso é um escândalo. Pessoalmente, acho que uma associação é a mais democrática, no sentido de evitar que as referidas pessoas/grupos que citei, instalem de uma forma definitiva na direcção da referida Casa.
Entrevista conduzida por Norberto Silva
Publicado no dia 23-1-2009 no Expresso das Ilhas

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