quarta-feira, 22 de abril de 2009

MANEL DI CANDINHO

Entrevista com Manuel de Candinho, um dos grandes guitarristas cabo-verdianos
PODEMOS CONSIDERAR O “ZOUK-LOVE” COMO MÚSICA DE CABO VERDE… ENTRETANTO…

Manuel de Candinho, um dos grandes guitarristas cabo-verdianos é o nosso entrevistado de hoje. Fala de temas de muito interesse e denota uma grande sabedoria em matéria musical. Vale apena ler a entrevista. Nasceu em São Domingos, na localidade de “Chaminé”, ilha de Santiago. Como tantos outros, escolheu a emigração, fixando-se primeiro em Portugal (1982-1985) e depois na Holanda, desde 1985 até hoje
Manuel Candinho começou a sua carreira musical ainda em Cabo Verde, em 1977, no “conjunto “Os Camponeses”. Em Portugal tocou em vários agrupamentos musicais e trabalhou, como músico, numa das grandes discotecas de Lisboa durante dois anos. Gravou o seu primeiro trabalho instrumental intitulado "Tradição" em 1983, com composições próprias e do conhecido compositor Ano Novo. Participou na gravação de vários artistas ainda no tempo dos LP's.
Desde 1985 fixou a sua residência na cidade mais cabo-verdiana da Holanda, Roterdão, e começou a interessar-se por outros estilos como jazz latino, afro-brasil gipsy-jazz rock suave, etc. Na Holanda teve contacto com outros estilos como Casseku, Soca, Regae participando também em agrupamentos de origem suriname. Mas a sua verdadeira especialidade e paixão continua a ser música tradicional de Cabo Verde, com destaque para as mornas e coladeiras.
Desde 1990 que Candinho começou a produzir artistas cabo-verdianos, trabalhando nos arranjos e ajudando-os nos estúdios de gravação assim como produções de artistas consagrados da nossa música. Hoje, indicutivelmente, este nosso músico trabalha com artistas de renome, tanto cabo-verdianos como de outras nacionalidades que requisitam o seu serviço.
Em 1992 participou, pela primeira vez, no festival da "Baia Das Gatas". Foi o marco da a sua reaparição em palco cabo-verdiano depois de escolher a diáspora como residência. Em 2000 Manuel de Candinho, já muito conhecido no País das túlipas, é convidado a actuar num grande concerto realizado numa das melhores salas de espectáculo, "RotterdamSchouwburg", da cidade portuária de Roterdão, a capital europeia de cultura.
Já mestre, Candinho resolve aumentar os seus conhecimentos científicos e, em 2001, começou os seus estudos de piano na área de jazz latino. Em 2002 grava o seu trabalho instrumental intitulado “Alma&Som", muito elogiado pela crítica e considerado um dos melhores trabalhos do género.
Manuel de Candinho tem participado em vários eventos internacionais, podemos destacar-se, por exemplo, a sua participação no festival de cinema lusófono (Cine-Port) no Brasil em 2005, Expo 2000 na Alemanha, no famoso “Festival do Avante" que o Partido Comunista Português organiza em Portugal. Liderou um dos maiores concertos do Bana com a maior orquestra filarmónica da Holanda (Metroplis Orchest) em 2007 na sala “De Doelen", em Roterdão. A sua última participação em disco foi no CD do conhecido compositor cabo-verdiano Antero Simas, lançado agora em Abril de 2009, mas pode-se ouvir e apreciar as suas composições em artistas como Djosinha, Gardénia Benros, Jorge Neto, Belinda, Nataniel Simas, Jaqueline Fortes, etc., ou em grupos como o cabo-verdiano Rabassa ou no angolano Tropical Band.
Candinho é solicitado por muitos e por isso esteve, recentemente, em digressão pela Escandinávia dando a sua prestimosa colaboração e força ao jovem e talentoso artista cabo-verdiano Ary Morais que reside em Noruega e esteve também nos Estados Unidos da América.
Tal é o seu talento que o seu trabalho acabou por ser reconhecido pelo governo de Cabo Verde que o homenageou em Junho de 2005 através do ministério da cultura. Agora, diz que prefere descansar um pouco e preparar, com calma, o seu próximo trabalho e ainda a nova agenda de concertos.
Segue a interessante conversa que Norberto Silva, da Rádio Atlântico e nosso colaborador teve com este exímio artista:
Rádio Atlântico - Dentro da comunidade cabo-verdiana na Holanda, és um dos músicos mais talentosos. Como descobriste o gosto pela música?
Manuel de Candinho - Sinceramente não me recordo de como nasceu o meu interesse pela música, mas lembro-me que o som das cordas do violão me fascinava muito e não tenho dúvidas que a minha entrada no Seminário Diocesano de São José, na cidade da Praia, alimentou o meu gosto e vocação pela música.


RA - Quais são, para ti, as mais importantes referências em termos de música e quais os músicos cabo-verdianos que te influenciaram positivamente?
MC - Eu cresci a ouvir música tradicional de Cabo Verde, tocadas por violinistas como Humbertona, Tazinho, Luis Rendall e outros. Posso afirmar que esses homens fizeram o meu mundo, influenciando-me com sons muito bem aperfeiçoados que apresentaram nos anos 70. Os trabalhos instrumentais que vou fazendo são também homenagens que vou prestando a esses senhores do violão cabo-verdiano, a quem considero meus mentores e a quem tenho muito respeito. Apelo aos outros “violinistas” da minha geração que façam o mesmo. O estilo do Humbertona ajudou-me na forma de acompanhar o piano. Quem me escuta a tocar piano pode sentir que o tocar do Humbertona está na minha mão esquerda. Tazinho despertou em mim o interesse pelo violão com cordas de "aço" e, com o meu mentor directo “Ano Nobo” aprendi a dobrar as cordas. Nas minhas viagens a Cabo Verde, às vezes, me encontro com o Humbertona e fazemos algumas tocatinas, não dá para imaginar a honra que sinto em estar em tão ilustre companhia!
RA - Para o Manuel de Candinho qual a verdadeira música de Cabo Verde, a tradicional ou o estilo chamado zouk love?
MC - Eu acho que a resposta está em certa medida na tua afirmação mas posso acrescentar o seguinte: até que podemos considerar o zouk-love como música de Cabo Verde, uma vez que as mãos, o coração e a alma de um cabo-verdiano estão patentes nelas. Aliás, os cabo-verdianos que compõem ou tocam zouk, o que lhes vem à cabeça nao é “Guadalupe” nem nenhum dos países donde veio o zouk, mas sim Cabo Verde. No entanto não podemos também dizer que o Zouk é música tradicional de Cabo Verde porque quando se fala na tradição outros valores se levantam.
RA - Os repetidos sucessos além-fronteira de Cesária Évora, Lura, Tcheka, Mayra, Tito Paris, Gil, Suzana e muitos outros, tem permitido que os diversos estilos musicais de Cabo Verde sejam estudados e apreciados. Algum comentário a fazer sobre esta minha afirmação?
MC - Estou de acordo que esses nomes deram o seu contributo, mas é preciso pensar que não são apenas os nomes citados. Eu acho que a projecção da música cabo-verdiana é mais vasta. Se a nossa música hoje é famosa, não é apenas por causa dos intérpretes ou executantes, mas também por causa da beleza ritmica e melódica que Cabo Verde tem na sua música. O mundo tem ainda muito que conhecer de Cabo Verde, mas com o espirito monopolista que existe actualmente será dificil mostrar outros talentos caboverdianos. Eu acredito que neste momento há pessoas que controlam o lançamento de talentos no panorama mundial e, por conhecerem e dominarem o circuito, não estão interessados num lançamento mais alargado e diferenciado de artistas cabo-verdianos no panorama mundial. Mas é preciso também não deixar de reconhecer o mérito desses individuos que tiveram a visão de como projectar a nossa música no mundo e ter sucesso com os artistas lançados.


RA - Neste momento trabalhas em algum projecto musical?
MC - Neste momento estou envolvido em alguns projectos discográficos por incumbência, e também estou planeando o meu próximo trabalho discografico, um DVD ao vivo.
RA - Quais o(s) sonho(s) que gostarias de realizar como músico?
MC - Eu só quero estar a altura de poder transmitir correctamente os meus sentimentos num instrumento que tocar. E como já é sabido, felizmente sou uma pessoa dotado de algum dom para tocar violão, piano e mais alguns outros instrumentos, mas é no violão que gostaria de fazer algo grandioso e que gostaria que fosse assim imortalizado.
RA – Dedicas-te a outra actividade para além da música?
MC - Realmente gostaria de associar-me a mais actividades mas o meu tempo não me permite e não esqueças que sou um profissional de música que é também o meu ganha pão.
RA - A Casa de Cabo Verde foi inaugurada na Holanda. Falando na vertente musical qual o contributo que vocês músicos podem dar à referida casa?
MC - Eu sei que a casa de cultura foi inaugurada em novembro de 2008 e fui convidado pelo actual cônsul a dar o meu contributo na cerimónia inaugural, mas infelizmente a data coincidiu com um concerto que há muito tempo tinha agendado e no qual eu era dirigente. Sei também que tem havido vários encontros nesse espaço para se discutir sobre questões relacionados com a cultura, mas nao fui convidado a participar. Isso certamente tem a ver com as minhas viagens frequentes e acredito que por isso não fui convidado a dar o meu contributo.
Até agora não sei o que é que se pretende fazer com o referido espaço, mas estou de acordo que nós os músicos podemos dar uma contribuição que pode ser útil no seu funcionamento.
RA - O que sentes quando grandes nomes da música cabo-verdiana contratam os teus serviços para acompanhá-los quando actuam por exemplo aqui na Holanda?
MC – Sinto-me muito honrado em merecer a confiança desses cantores que vêm para holanda actuar simplesmente com o reportório debaixo do braço e acreditam que eu possa liderar a parte musical e seja capaz de garantir-lhes um espectaculo de grande nível. Estou a falar sobretudo de nomes consagrados como Bana, Djosinha, Titina, Jaqueline Fortes, Celina Pereira, Jorge Sousa, Jorge Humberto, Ildo Lobo, Nancy Vieira, Cesaria Evora nos anos 80, Leonel Almeida mas também tenho acompanhado jovens com talentos reconhecidos como Beto Dias, Grace Evora, Dina Medina, Gil e muitos outros...
RA - Para terminar achas que os músicos cabo-verdianos na Holanda são solidários e unidos?
MC - Quem conhece os artistas ou músicos da Holanda e que aconpanhou o desenrolar dos acontecimentos sabe que há um forte sentimento de solidariedade e receptividade quando se solicita apoio ou contribuição, mas reconheço por outro lado que tem havido muitos “oportunistas” que tentam aproveitar o que fez com que a solidariedade entre nós se esfriasse um pouco.
RA - Se ficou algo por dizer podes aqui acrescentar
MC - Li algumas reações de leitores à entrevista que fizestes ao Silva (Colombiano) que não gostei porque por vezes podem magoar a quem não merece. Houve um leitor que desprezou a música que se faz na Holanda e disse que felizmente o governo não apoia esses músicos ou essas músicas! Eu acho que essa pessoa nao meditou muito e falou sem pensar. É sabido que os artistas e músicos da Holanda têm feito a felicidade de muitos jovens cabo-verdianos e mesmo em outros países dos PALOPs.
Mesmo a nivel da chamada música tradicional, os cabo-verdianos que vivem ou viveram na Holanda deram um contributo importante para o enriquecimento da nossa cultura musical, basta que se investigue ou entreviste nomes como Djunga di Biluka, Bana, Manel de Novas, Humbertona, etc.
Talvez seja tempo para que a comunicação social faça um trabalho de fundo sobre essa matéria para melhor informar o público cabo-verdiano sobre essa matéria.
Entrevista conduzida por Norberto B.C. Silva
Rádio Atlântico

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