sábado, 29 de agosto de 2009

HOLANDA:O papel do dinheiro nas adopções internacionais

Ela diz estar exausta e, ainda pior, desencantada com todos os abusos que viu nos últimos anos. Ina Hut, diretora da instituição Wereldkinderen (Crianças do Mundo), o maior escritório de adoção da Holanda, coloca um ponto final em sua carreira esta semana. Ela pediu demissão em protesto contra a situação da adopção de crianças em outros países.
Na Holanda vivem mais de 30 mil crianças que foram adoptadas no exterior. Isto é legalmente possível desde meados dos anos 1970. Nos primeiros anos, vieram principalmente crianças da Coreia do Sul, Indonésia e Índia. Em muitos casos, os pais adoptivos estavam lutando por um ideal. ‘Mesmo que você só salve uma criança’ era na época um discurso muito ouvido, em referência às crianças que estavam fadadas a uma vida miserável, condenadas à prostituição ou a um orfanato sem condições de criá-las.
Da China
Hoje em dia, a maioria das crianças vem da China. O comportamento dos futuros pais adoptivos holandeses também mudou muito nos últimos 30 anos, diz Ina Hut:
“Os casais que querem adotar têm grandes expectativas, e isso eu entendo. Todos têm o direito de querer ter filhos, mas você não tem direito a crianças. Crianças têm direito a ter pais. Direito a ter crianças não existe neste planeta”, ela diz. “A gota d’água para mim foi uma importante deliberação política que aconteceu no mês de junho. Nela ficou mais uma vez evidente que não são os interesses das crianças que preponderam no debate sobre adopção entre países, mas o interesse dos casais, hetero ou homossexuais, que querem adoptar, além de interesse comerciais da Holanda e de políticos que têm medo de perder votos. Todos os interesses, menos os da criança”, desabafa.
Filho roubado
Ina Hut trocou, há cerca de sete anos, seu emprego como diretora de uma universidade pelo mundo da adopção. Ela logo ficou surpresa com o enorme papel do dinheiro na questão. Em especial os norte-americanos, segundo ela, estão prontos para pagar muito pelas despesas de adopção de uma criança. Por isso também ‘recebem’, relativamente, muitas crianças.
Grandes somas favorecem o comércio de crianças. A China é famosa por isso. Uma mãe chinesa que teve seu filho roubado conta como é ter que ir todos os dias à sua loja, onde seu filho desapareceu: ”Temos que vir. Não podemos deixar este lugar. Imagine se ele um dia tentar voltar e nós não estivermos mais aqui. Isso nunca...”
Silêncio
E há muito mais, segundo Ina Hut. Um orfanato que coloca uma criança para adopção pode, frequentemente, dizer muito mais sobre a identidade da criança do que diz. E isso vale para a China, mas também para outros países. E o governo holandês age de maneira muito fraca contra este silêncio.
O Ministério da Justiça da Holanda reconhece que, principalmente a China, tem um sistema frágil de adopção, mas que no fim é suficiente, pois a intenção da China é boa. E uma análise mais aprofundada poderia danificar relações comerciais e diplomáticas, diz o ministério.Ina Hut fica furiosa com isso. É uma atitude criminosa modificar ou omitir a identidade de uma criança, diz ela. Quando se suspeita que uma criança tenha sido roubada dos pais, ela tem direito de saber disso.Como solução para um sistema mais honesto e transparente, ela faz a seguinte sugestão:
”Se você olhar quanto dinheiro é colocado em adopções entre países... Invista isso no país e veja se as crianças não podem ser acolhidas no próprio local, em um bom orfanato ou com familiares ou amigos. As somas enormes de dinheiro têm que sair do sistema. Se depois de algum tempo não se conseguir uma boa situação para uma criança órfã ou sem pais que tenham condições de educá-la, aí sim a adopção no exterior pode ser uma excelente solução. Mas deve ser a última opção.”
’Teimosos’
Ina recebeu muitas reações de pais adoptivos holandeses sobre sua saída da instituição Wereldkinderen. Um grande grupo diz que é bom que ela defenda mais transparência, pois ninguém gostaria de adoptar uma criança que tenha sido roubada, por exemplo. Um outro grupo diz que não se reconhece na imagem de ‘teimosos’ e ‘tão preocupados em ter um filho que não se importam de quebrar as regras’. O procedimento de adopção dura, em geral, vários anos e é controlado por muitas regras. Regras suficientes para que o procedimento seja honesto e transparente, eles dizem. E ouve-se de novo, como 30 anos atrás: ‘mesmo que você ajude uma única criança...’
RNW- Por Maurice Laparlière

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