quinta-feira, 27 de agosto de 2009

USA:A América liberal perde o seu leão

BOSTON-Na sombra dos irmãos John e Robert, o Kennedy mais novo foi empurrado para o topo da política americana com os assassínios destes. Mas um escândalo na pequena ilha de Chappaquiddick minou para sempre as suas ambições presidenciais. O que não impediu este homem, que viveu no limite entre virtude e pecado, de se tornar um dos mais sólidos legisladores dos EUA. Representante do Massachusetts desde 1962, o leão do Senado morreu sem ver aprovada a que definiu como "a causa" da sua vida: a reforma do sistema de saúde. Tinha 77 anos e não resistiu a um tumor no cérebro.
Os irmãos John e Robert podem ter sido estrelas que "brilharam muito e se apagaram depressa", como escreveu ontem Norman Ornstein no New York Times. Mas Ted Kennedy foi "um sobrevivente" com um brilho "constante", acrescentou o cientista político. Com a morte, aos 77 anos, do mais novo dos irmãos Kennedy - cuja vida congregou todas as virtudes e vícios da família -, chegou ao fim uma época dominada por uma das mais influentes dinastias políticas da América.
Após 47 anos no Senado, o leão da esquerda democrata, que marcou a política americana com a sua voz forte e cabeleira branca não conseguiu vencer a última batalha: contra o tumor no cérebro que lhe foi diagnosticado em 2008. A sua morte deixa não só órfã a América liberal como ameaça o domínio democrata no Senado, num momento em que decorre um debate feroz sobre a reforma do sistema de saúde americana - que Kennedy descrevia como "a causa da minha vida".
Ainda de luto pela morte de Eunice Shriver no dia 11, a família Kennedy emitiu um comunicado a anunciar a perda do seu patriarca. "Perdemos o centro insubstituível da nossa família e uma luz nas nossas vidas, mas a sua fé, o seu optimismo e a sua perseverança ficarão para sempre nos nossos corações", podia ler-se no texto. De férias em Martha's Vineyard, a ilha onde Kennedy passou os últimos momentos na sua casa, Barack Obama apressou-se a afirmar que "chegou ao fim um capítulo da nossa história. O Presidente americano - que numa difícil corrida à nomeação democrata para as presidenciais de 2008 recebeu o apoio de Kennedy - elogiou o "maior senador dos nossos tempos" que soube como "suceder aos irmãos caídos".
Gravemente doente, Ted Kennedy passou os últimos meses ausente do Senado num período em que o Presidente se encontrava sob fogo por causa da sua reforma da segurança social. Um dos últimos actos do representante do Massachusetts foi o envio de uma carta ao governador do estado a pedir para alterar a lei da sucessão. Consciente de que a doença lhe deixava poucos dias, Kennedy pretendia que o governador designasse um senador interino até às eleições. A lei do Massachusetts prevê que o lugar fique vago até novo escrutínio, dentro de 145 a 160 dias. Mas a carta chegou tarde demais. E os democratas terão de enfrentar a difícil votação sem o 60.º senador (em cem) que lhes permitiria evitar a minoria de bloqueio dos republicanos.
Nascido em Boston a 22 de Fevereiro de 1932, o mais novo dos nove filhos de Rose e Joseph Kennedy cresceu a ouvir falar em política. Descendente de católicos irlandeses, o seu pai foi embaixador dos EUA no Reino Unido e nunca escondeu que o seu sonho era ter um filho na Casa Branca. Depois de uma infância passada a mudar de casa, o Edward a quem todos chamavam Ted teve de lidar com as mortes dramáticas dos três irmãos mais velhos e, aos 37 anos, tornou-se no patriarca da família.
Quando Joe Jr. perdeu a vida na II Guerra Mundial aos comandos do seu avião, John passou a encarnar as esperanças políticas da família. Com sucesso. Eleito presidente em 1960, três anos depois era assassinado, fazendo nascer o mito Kennedy. Este seria reforçado em 1968, quando Robert foi morto em plena campanha presidencial. Ted, que em 1962 ocupara o lugar de senador deixado vago por John, via-se tornava-se na última esperança dos Kennedy.
E se a morte da jovem que o acompanhava quando teve um acidente em Chappaquiddick em 1969 - Kennedy confessou ter deixado o local e só ter pedido ajuda no dia seguinte - ameaçou estragar tudo. Apesar da luta contra os seus demónios - o excesso de peso, o álcool e as mulheres, a verdade é que durante mais de quatro décadas, o senador ganhou a alcunha de leão do Senado graças à sua influência sobretudo em causas sociais. Campeão da América liberal, conseguia, no entanto, mobilizar os republicano. Só a Casa Branca lhe escapou, apesar de uma tentativa frustrada de desafiar o presidente Jimmy Carter nas primárias democratas de 1980. Mas, feitas as contas, as opiniões ontem eram unânimes: dos irmãos Kennedy, Ted foi o que fez a diferença no legado Kennedy. A longo prazo.
DN.PT-Por HELENA TECEDEIRO

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