domingo, 27 de setembro de 2009

CV:JORNAL DN ENTREVISTA JOSÉ MARIA NEVES

Parcerias, em termos empresariais, com os Estados Unidos e outros países - numa relação de igual para igual e com ganhos mútuos - é um dos objectivos do primeiro-ministro cabo-verdiano
Em trânsito para Cabo Verde, o chefe do Governo da Praia, em entrevista ao DN em Lisboa, revela como foi positivo o seu recente encontro com Barack Obama, acentuando a aposta da Praia em parcerias internacionais.

Ao partir para os EUA, disse ir tentar que Cabo Verde fosse, pelo menos, a sobremesa do almoço com o Presidente Obama. Conseguiu?
Acho que Cabo Verde foi parte da entrada, prato principal e sobremesa...
Correu assim tão bem?
Correu bem. Foi um brainstorm entre líderes africanos e o Presidente Obama sobre a criação de emprego, empreendedorismo, sobretudo para jovens, a problemática do comércio e investimentos em África, do desenvolvimento agrícola e a segurança alimentar. Fizemos uma intervenção sobre a criação de emprego, falando das perspectivas do desenvolvimento do continente africano. Somos optimistas em relação a África e Cabo Verde representa esta nova África confiante, optimista, que tem uma agenda de desenvolvimento; por isso participou activamente e com um conteúdo muito positivo.
No Gana, o Presidente Obama afirmou que África tem de exigir mais dos seus responsáveis. Isso acontece em Cabo Verde...
Concordo plenamente com o discurso feito pelo Presidente Obama em Acra. Ele disse uma coisa simples mas essencial: o desenvolvimento de África é da responsabilidade dos africanos. Definitivamente os líderes africanos devem assumir plenamente as suas responsabilidades, até porque é imoral que um continente com tantos recursos esteja ainda com um nível elevado de pobreza, de doenças endémicas, de conflitos. Mas acho que há uma tomada de consciência das lideranças africanas, até porque a sociedade civil está a crescer...
E é activa? Consequente?
Os cidadãos estão a exigir mais, logo, o continente está a dar sinais positivos. E há países que são exemplos, referências, com sinais encorajadores em termos da construção da democracia e da afirmação do estado de direito democrático...
Cabo Verde é um deles?
Acho que sim, faz parte do grupo..
A visita, em Agosto, da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, a Cabo Verde foi um prémio pela boa governação...
É verdade. Foi isso o que ela disse.
E Cabo Verde continua a ser para os EUA esse bom aluno?
Continua a ser um país que faz o seu trabalho de casa. Amílcar Cabral já dizia que, por mais quente que seja a água da fonte, ela não cozerá o teu arroz. Queremos cozer o nosso arroz através de um trabalho duro mas bem feito. Precisaremos sempre da água da fonte mas temos de ter a capacidade para construir a nossa visão de desenvolvimento do país, que coloque as pessoas no centro das políticas públicas, e buscar as parcerias necessárias. Já ultrapassámos a fase de mendigar apoios no plano internacional, fazemos o trabalho de casa e estabelecemos parcerias com outros países, com ganhos mútuos...
Numa relação paritária?
Exactamente, numa relação que queremos que seja de igualdade; queremos relacionar-nos com os EUA, e outros países,e construir parcerias no plano económico e empresarial numa perspectiva de ganhos comuns.
Cabo Verde tem uma situação geoestratégica que o torna importante para a América, Europa e África. Mas essa situação também o torna frágil. Durante a sua visita, Hillary Clinton prometeu apoio na luta contra o tráfico de drogas, de armas e de pessoas. Ficou apenas pela promessa?
Já estamos a trabalhar há algum tempo. Já há um dos pilares fundamentais da parceria especial com a UE, a questão da estabilidade da segurança, toda a problemática do narcotráfico, de todos os tráficos. Estamos a trabalhar com vários países da UE e com os EUA para a vigilância e protecção das águas territoriais de Cabo Verde, das nossas fronteiras, de toda a documentação civil existente no país, designadamente os passaportes; estamos a introduzir os passaportes biométricos, e estamos a reforçar a polícia nacional e a polícia de investigação criminal
Há uma relação especial com as polícias de Portugal?
Muito especial. Na formação, há troca de informações, há apoio até do Ministério da Administração Interna na concepção estratégica da segurança, no planeamento e desenvolvimento do trabalho policial no país.
Cabo Verde vai ter a sua I Feira Internacional de Turismo. A crise económica não o afectou?
Sim, o sector do imobiliário turístico, em particular na ilha do Sal, mas há outras ilhas cujo crescimento compensa a depressão que houve no Sal. Globalmente continua a haver um crescimento e esta feira irá mostrar as potencialidades de todas as ilhas.
Ainda aposta em transformar Cabo Verde num país digital?
Estamos a fazê-lo. Em termos de governação electrónica é considerado já uma referência no continente africano. Acabamos de lançar um grande programa, Mundo Novo, que vai disponibilizar cerca de 150 mil computadores para os diferentes níveis de ensino; temos um grande empreendimento, a Casa do Cidadão, com balcões em vários países, onde os cabo-verdianos podem ter acesso imediato a documentos. Cabo Verde é uma nação global. Estamos a dar passos para o transformar num ciberarquipélago já em 2011.
Isso a par com a literacia...
Claro. Também nesse campo estamos a fazer um enorme esforço e a dar passos significativos. Quase 100% das crianças em idade escolar estão no sistema de ensino; a taxa de analfabetismo entre elas é de cerca de 4% ou 5%; a global ronda os 20%. Já atingimos os nossos objectivos na educação, na paridade do ensino, no sector da saúde materno-infantil; a nossa taxa de vacinação cobre 100% das crianças em idade de vacinação. Criámos a Universidade de Cabo Verde, com uma vertente profissional muito forte, e estamos a estender a formação profissional a todas as ilhas. Vamos transformar gradualmente em liceus técnicos os quase 50 liceus que temos...
Essa aposta no ensino é feita, portanto, tendo em conta a realidade/necessidades do país?
Não só, mas também tendo em conta a agenda de transformação de Cabo Verde, cujo desenvolvimento passa por uma dinâmica forte de crescimento da competitividade. Para o conseguirmos temos de apostar no capital humano, modernizar as infraestruturas e apostar na densificação do sector empresarial. Com esses eixos de actuação podemos garantir um ritmo acelerado de cres- cimento e a melhoria da qualidade de vida do povo.
A instabilidade na Guiné-Bissau reflecte-se em Cabo Verde?
Temos relações muito fortes, históricas, fizemos uma luta comum pela independência; temos uma comunidade importante de cabo-verdianos na Guiné-Bissau e uma comunidade muito grande de guineenses. Estamos, portanto, profundamente interessados na estabilização da Guiné-Bissau e qualquer sobressalto preocupa o Governo de Cabo Verde.
DN.PT-Por LUMENA RAPOSO

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