segunda-feira, 28 de setembro de 2009

EXPRESSO DAS ILHAS ENTREVISTA COM O ECONOMISTA PAULO MONTEIRO JR


EXPRESSODASILHAS-“Cabo Verde passou a viver da ajuda internacional e de empréstimos” - PAULO MONTEIRO JR
Paulo Monteiro Jr tece, nesta primeira grande entrevista ao nosso Jornal, duras críticas à política económica do PAICV que, no seu entender, é errada, mal concebida e inadequada à realidade cabo-verdiana. Tomando como indicador o desemprego, o economista diz que as medidas tomadas pelo executivo para reverter a situação não passaram de mero anúncio: "E um dos grandes anúncios que o governo fez, foi reduzir a taxa do desemprego para um dígito. Estamos longe disso; pelo contrário, aumentou". Um outro factor que, na sua opinião, traduz a desorientação estratégica do governo nesta área é a mudança de 5 ministros da Economia, em menos de 9 anos. "Cada ministro da Economia tem ficado, em média, menos de dois anos no cargo. A média de vida de cada ministro da Economia é um indicador que não é possível tomar medidas que vão ter um efeito duradouro", afirma. Monteiro não fica só pela constatação da crise da economia cabo-verdiana, mas aponta os caminhos para a saída desta situação: "uma profunda reinvenção da economia cabo-verdiana", abrindo novas fronteiras e novas frentes, à semelhança do que aconteceu em 1991. Paulo Monteiro analisa ainda na nossa conversa a crise financeira internacional, o imposto de selo, o sector privado, o turismo e crise de valores na nossa sociedade.

Expresso das Ilhas - Em resposta a um artigo seu, publicado no Expresso das ilhas, em Março de 2009, em que atribuía ao governo grande parte da responsabilidade pela crise da economia cabo-verdiana, alguém comentou que a sua análise passa ao lado da realidade cabo-verdiana, acrescentando que, agora "neste país todos querem escrever sem uma prévia investigação". É o seu caso?
Paulo Monteiro Jr -
Eu penso que não. Sou académico de profissão, e a minha actividade, quer no Banco de Portugal, quer em outras instituições universitárias, é a investigação académica. Portanto, eu penso que ele não estava a se referir a mim, em concreto.
Afirma que é difícil não ver a crise na economia e na sociedade cabo-verdiana como resultado das políticas e actuação do governo nessa área. Em que se baseia?
Basta recorrer às chamadas variáveis socio-económicas, ao desemprego. O desemprego é um indicador da crise económica profunda, em Cabo Verde. É uma variável que chamamos socio-económica e que resume, por exemplo, toda a contra performance duma economia. Ou seja, políticas económicas erradas, mal concebidas e inadequadas a uma realidade concreta, neste caso de Cabo Verde. Há também um outro indicador da crise muito importante para uma economia com as características de Cabo Verde que é a situação a nível da balança de pagamentos. Num país que tem uma restrição externa muito forte, constata-se que há um deficit insustentável da balança corrente de capital. O saldo entre a balança de conta corrente de capital sobre o PIB está acima dos dois dígitos. Ora, todos nós sabemos pelos manuais da teoria económica, que, quando este rácio está acima de 6 por cento, é preocupante. Em Cabo Verde, este deficit está nos dois dígitos. Portanto, este deficit é também um indicador muito relevante para uma economia com as nossas características.
A dívida pública: contacta-se que a dívida está a crescer muito forte; se tomarmos como referência os valores de Maastricht, segundo os quais o rácio entre a dívida pública total e o PIB não deve ultrapassar os 60 por cento, o nosso rácio está claramente acima dos 60 por cento, o que vai retirar margem de manobra para fazer a política económica num país. Em relação à variável stock, tudo leva a crer que o stock da pobreza está a aumentar: aumentando o desemprego, vai aumentar o volume da pobreza no país. Outro indicador que se pode também ter em conta é a repartição do rendimento. Nota-se que, cada dia que passa, há uma repartição mais desigual do rendimento. Isto também vai gerar uma situação de exclusão social: ou seja, a pobreza. Eu acho que esses cinco indicadores são mais que suficientes para mostrar uma situação de crise na economia de Cabo Verde.
Não fica só pela constatação da crise da economia cabo-verdiana, mas aponta os caminhos para a saída desta situação:
"uma profunda reinvenção da economia cabo-verdiana". Como se processará?
Esta reinvenção passa primeiro por pôr em prática medidas estruturais que este governo durante os nove primeiros anos não efectivou. Quando digo reinvenção, significa reabrir novas fronteiras, nova frentes. Nós vimos que, em 1991, com a saída de uma situação de impasse em que o país se encontrava, abriu-se muitas frentes, por exemplo, as privatizações. O sector privado entrou fortemente na economia. Houve esta situação com o escudo português e depois a paridade com o euro. Portanto, viu-se que se inventou, que se criou. Também, para a saída desta crise, vai-se ter que inventar, ou seja, abrir novas fronteiras quer a nível de objectivos, quer a nível da capacidade de instrumentos de política económica. Nós temos o caso concreto das já referidas micro, pequenas e médias empresas: não só criam empregos, como também produzem bens e serviços transaccionáveis, voltadas para o mercado externo. Por exemplo, o país poderia promover protocolos com a COTEC Europa (Portugal, Espanha e Itália) que é um autêntico laboratório para financiar a inovação e a capacidade de aumentar a competitividade das micro, pequenas e médias empresas. Aí há uma frente, uma fronteira para reinventar. Outro exemplo: não se pode reunir os grandes financiadores institucionais como a União Europeia, Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional só quando um país saí de uma situação de guerra, ou de uma catástrofe natural. Cabo Verde precisa reunir estes grandes financiadores internacionais para obter um grande empréstimo por forma a infraestruturar o país com vista à criação de um sector privado com condições de sucesso. Aqui está outra reinvenção que se tem que fazer para a economia cabo-verdiana.
“Último Orçamento não vai reverter a situação do desemprego”

José Maria Neves vai apresentar o último Orçamento do seu governo. Pensa que ele poderá reverter ainda a situação?
É praticamente impossível reverter esta tendência com o seu último Orçamento. Com o seu Orçamento vai haver uma sobreposição dum ciclo político e dum ciclo económico. Não há 36 atitudes, só há duas. Ou a pessoa põe em prática, tendo em conta o ciclo económico, ou seja, orçamento com rigor económico, sabendo que o horizonte temporal de uma nação é o infinito, não chutar dívidas e problemas para as gerações vindouras, ou se o ciclo político eleitoral for dominante, poderá fazer um orçamento expansionista para animar o último ano do ciclo político eleitoral. O governo e a geração seguintes irão pagar o preço.
Caso o MpD for governo em 2011 estaria disponível a titular o ministério da Economia, para pôr em prática tudo o que tem criticado ao actual governo?
Não é criticar. Eu faço análises como académico. Sou militante do MpD, eu estou aberto a colaborar com o meu partido. Admito que tenho a minha expertise e a minha experiência. Portanto é apenas esta atitude de abertura e de disponibilidade.
Foi presidente da Cabo Verde Investimentos. Passou ali um ano. O que é que não bateu certo?
Menos de um ano. Talvez 6 a 7 meses. Havia uma lógica de actuação que chocava fortemente com os meus princípios, com os meus valores. Eu defendo o interesse geral, numa perspectiva a longo prazo. E vi que se estava a pôr em prática um fenómeno que está a acontecer hoje, chamado economia pirata. Ou seja, uma lógica de grupos que colide fortemente com uma lógica de interesse geral e de longo prazo. Quando isto acontece, o resultado só podia ser o que aconteceu. Repito: defendo interesses gerais, interesses de longo prazo de Cabo Verde e a transparência.
O muito criticado imposto de selo foi aprovado com votos de parlamentares do MpD. Não se terão dado conta do seu impacto na economia e nos bolsos dos cabo-verdianos?
Eu não estava lá, não sei como votaram, mas, efectivamente, para aprovar qualquer imposto, a nossa Constituição diz que são precisos dois terços dos deputados. Apenas os votos do PAICV não chegariam e portanto deverão ter votado com os do MpD. O imposto de selo aumenta os custos dos consumidores. Isso pode aumentar alguma receita para o Estado. O que é que o Estado quer fazer com esta receita? É a grande questão que se põe. Porquê é que esta receita não ficaria nas mãos dos consumidores e o seu efeito multiplicador poderia ser maior? Eu acredito que seria maior, dentro da lógica keynesiana.
Diz que qualquer que seja o padrão de comparação (pequenas economias insulares, União Europeia, Estados Unidos) a taxa de desemprego, em Cabo Verde, é muito elevada e dramática. Acredita que José Maria Neves poderá cumprir a sua promessa de, até o final deste mandato, reduzir a taxa de desemprego para um dígito?
Quando você ouve o governo, no seu programa, a anunciar que vai reduzir a taxa do desemprego a um dígito, significa ignorar qual é a natureza do desemprego em Cabo Verde. Isto é gravíssimo. Como é que você vai a um médico e ele engana-se no diagnóstico: a probabilidade de matar é forte. Se você diz que vai reduzir até o final da legislatura a taxa do desemprego para um dígito, o diagnóstico está mal feito, monstra que JMN não conhece a natureza da pobreza em Cabo Verde. Com a crise internacional, nós constatamos, sobretudo nas ilhas onde há imobiliária turística, como no Sal, que o desemprego aumentou fortemente e o Sal hoje está acima da taxa média, que são 22 por cento...
Quer dizer, José Maria Neves promete baixar a taxa de desemprego para um dígito, digamos, para 9 por cento, mas constata-se que a taxa do desemprego está a subir. É uma contradição.
Há muitos anos atrás, com uma aritmética, podia-se ver que tecnicamente era impossível reduzir a taxa de desemprego para um dígito, quer dizer, o máximo 9 por cento. Estando hoje a taxa do desemprego acima dos 22 por cento, vemos que é tecnicamente impossível baixá-la para um dígito, porque há uma famosa lei de Okun que nós diz que cada 3 por cento do crescimento económico traduz-se num aumento, num curto prazo, de 1,4 por cento da criação de emprego. Depois há o médio e longo prazo que é ligeiramente superior. Vê-se tecnicamente, aritmeticamente que o anunciado do Primeiro-Ministro é uma impossibilidade. Até porque a taxa do desemprego aumentou, porque o crescimento reduziu.
A redução da taxa de desemprego para um dígito, em pelo menos uma ilha, foi um dos grandes anúncios de José Maria Neves. Sendo já tecnicamente impossível alcançá-lo neste mandato, significa que a sua política económica falhou?
É evidente. Hoje estamos no momento de fazer balanço. E uma variável sócio-económica chave para se medir o bem-estar de uma sociedade e para fazer o balanço do governo é o emprego. E um dos grandes anúncios que o governo fez foi reduzir a taxa do desemprego a um dígito. Estamos longe disso; pelo contrário, aumentou. É um indicador que falhou completamente. Outro grande falhanço é o governo não ter sido capaz de criar nenhum sector económico de bens ou serviços transaccionáveis internacionalmente. Não foi capaz de saber o que vamos produzir para vender internacionalmente. Uma pequena economia aberta como a de Cabo Verde tem de saber atrair investimentos, aumentar a competitividade, etc., para poder produzir e vender bens e serviços nos mercados internacionais. Senão a economia não é viável. Só podemos ganhar divisas, exportando: nada tão simples como isso. Aí o governo falhou.
Escreveu num dos seus artigos de opinião que a nossa sociedade, além da preocupante crise económica, atravessa uma crise de valores. Quais são os seus principais indicadores?
A única maneira de ter sucesso na vida é pelo trabalho. Mas constatamos que hoje as pessoas querem ter riqueza, querem ter bens materiais por outros meios que não pelo trabalho. E este fenómeno da economia pirata que existe é uma perversão da criação de riqueza que é o trabalho, a energia e o talento. Igualmente existe hoje um desequilíbrio entre o ter e o ser. A pessoa passou a ver no ter uma extensão do seu ser: é ter um bom carro, é ter uma boa casa, ou seja, os valores espirituais desvalorizaram-se. Segundo, sente-se que há um deficit de solidariedade e mais desigualdade entre gerações e grupos sociais. Portanto temos uma crise de valores a três níveis: primeiro, deve-se ganhar bens materiais pelo trabalho; segundo, temos um desequilíbrio entre o ser e o ter; terceiro, há um deficit de solidariedade na nossa sociedade.
EXPRESSODASILHAS.SAPO.CV

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