quarta-feira, 28 de outubro de 2009

DIÁSPORA:Entrevista com o Padre Bernardo Den Boer


Entrevista com o Padre Bernardo Den Boer à Rádio Atlântico
PARÓQUIA MIGRANTE “NOSSA SENHORA DA PAZ” NA HOLANDA TEM NOVO PÁROCO
A Rádio Atlântico teve um primeiro contacto com o novo Padre que pretende continuar o trabalho do seu antecessor e revela vontade em conhecer Cabo Verde...
ROTTERDAM- A Paróquia Migrante “Nossa Senhora da Paz” tem há mais de um ano um novo Pároco. Trata-se de Bernardo den Boer que veio substituir o carismático Padre Pedro Stevens, também ele holandês e que esteve durante 20 anos á frente da paróquia, frequentada na sua grande maioria por cabo-verdianos residentes na cidade de Roterdão, mas que tem vindo a acolher cada vez mais cidadões oriundos dos países que tem o português como língua oficial.
A Rádio Atlântico teve um primeiro contacto com o novo Padre que pretende continuar o trabalho do seu antecessor e revela vontade em conhecer Cabo Verde.
Veja a entrevista na íntegra, gentilmente enviada ao Liberal, pela Rádio Atlântico:
Rádio Atlântico: Quando é que o Senhor Foi ordenado Padre?
Padre Bernardo Den Boer: Fui ordenado padre em 1994. Portanto, há 15 anos aqui na Holanda, na ilha onde nasci, no sul de Roterdão.
RA: Com que idade sentiu de facto que queria seguir a carreira eclesiástica e por influência de quem?
P.B: Aos 19 anos tive a certeza de que era isso mesmo que eu queria e aos 20, ingressei no seminário. Fui criado numa família muito católica, desde criança que freqüentava as missas. A minha irmã mais velha é freira num convento, o meu irmão mais velho esteve para ser padre, mas, infelizmente, faleceu antes num mosteiro. Antes dos 19 anos não pensava ser padre porque era o único filho em casa e o meu pai é empresário. Até essa altura pensei seguir a carreira do meu Pai.
RA: Depois dos 20 decidiu-se por causa de algum desgostoso amoroso?
PB: (risos) Não, nada disso. Desde dos 12 anos até aos 16 anos estive muito doente com reumatismo e dores na coluna. Para dar sentido à minha vida decidi fazer alguma coisa para os outros e, sobretudo, para as pessoas necessitadas nos países do chamado Terceiro Mundo. Ao ler em casa um dia um folheto/propaganda para uma Congregação, e como tinha o número, decidi ligar e marcar um encontro. Fui conhecer e como fiquei com boa impressão e decidi que era isso mesmo que eu queria e fiquei…
RA: Durante 5 Anos…
PB: Estudei dois anos aqui na Holanda e depois três anos em Londres, porque a minha Congregação tem a sua sede em Inglaterra.
RA: Podia dizer-nos o nome...
PB: Na tradução portuguesa “Missionários de São José. Depois de 5 anos de teologia decidi fazer uma pausa e por isso não fui ordenado padre jovem com 25/26 como era normal. Regressei para a Holanda e entrei num Mosteiro; bem é uma história muito longa…
RA: Um dilema talvêz para escolher o caminho certo dentro da tua igreja…
PB: Sim é isso.
RA: Mas depois escolheu o Brasil para trabalhar. O porque dessa escolha?
PB: Na altura, eu tinha amigos a trabalhar lá e eles me convidaram como o nosso superior aceitou então eu decidi ir para o Brasil, em 1990. Fui primeiro como seminarista antes ainda de ser ordenado Padre. Fiquei 2 anos. Em seguida, voltei e fui ordenado Padre na Holanda, em 1994. Depois, tive de esperar durante algum tempo do visto de trabalho para poder exercer no Brasil. Enquanto esperava, trabalhei em Londres durante três meses com os sem abrigos, foi uma experiência muito enriquecedora. As pessoas necessitadas nem sabiam que eu era Padre e só souberam disso quando chegou a altura de regressar ao Brasil de novo.
RA: Porque não revelou no início?
PB: O meu objectivo era ajudar essas pessoas que estavam em dificuldades e se revelasse talvez não aceitasse tão bem como aconteceu. Podiam pensar que era mais um a querer salvar a nossa alma e, por isso, seria mais difícil ajudá-los.
RA: E no Brasil esteve em que cidades? E como sentiu vivendo num País em que poucas pessoas tem muita riqueza e uma maioria vive com tão pouco?
PB: Estive mais de 10 anos no Rio de Janeiro e em seguida em Salvador da Bahia, durante 4 anos num Mosteiro. Sobre o fosso entre ricos e pobres é algo muito complicado. Eu escolhi trabalhar num país do Terceiro Mundo para ajudar e para quem vai de um País como a Holanda é complicado isso. Antes do Brasil tive alguns meses na África do Sul em 1983 e o Brasil em muitos aspectos parecia muito com a África do Sul, no tocante às diferenças sociais.
Quando cheguei ao Brasil tinha muita pobreza mesmo. Mas é preciso também reconhecer que felizmente as coisas melhoraram muito. Claro que ainda você encontra lugares com muito miséria mas em geral o país desenvolveu muito.
RA: A área social sempre o atraiu?
PB: Na Holanda fazia essencialmente trabalho religioso, mas no Brasil, principalmente no início, quando o Governo fazia muito pouco, as ONG`s fizeram um trabalho muito bom. Nessa altura, a Igreja também fazia um trabalho social muito intenso. Tenho Instituições que cuidavam das crianças abandonadas, o orfanato… mas, felizmente, nos ‘’últimos anos, o Governo conta com mais recursos colocados à disposição dos mais necessitados e graças a Deus que isso acontece. Estão a fazer de facto o seu papel.
As Nações Unidas tem pressionado muito também os Países a respeitarem os direitos das crianças, dos idosos, das pessoas em geral e isso tem também ajudado para que os Governos tenham mais consciência social.

RA: Vejo que estava a fazer um trabalho interessante no Brasil. Porque o regresso a casa? Saudades?
PB: (risos) A saudade sempre existe mas por mim ficaria mais tempo. Eu vim a pedido da Comunidade cabo-verdiana radicada em Roterdão. O Padre Pedro estava prestes a reformar-se e o substituto estava difícil de encontrar. Tentaram em Portugal, em Cabo Verde mesmo e o Bispo de Roterdão pediu um holandês para continuar a ajudar na integração dos lusófonos, principalmente cabo-verdianos na Holanda e fazer também um trabalho com a segunda e terceira geração.
RA: Quando teve o primeiro contacto com a Comunidade cabo-verdiana?
PB: Foi há quando eu cheguei há um ano e três meses. Antes houve um membro do Conselho que esteve no Brasil e descreveu-me como era a comunidade cabo-verdiana o que faziam, etc,. E como os responsáveis da minha congregação pediram então eu tive que aceitar. Mas por mim ficaria mas 20 anos no Brasil porque estava muito contente com o trabalho que fazia lá.
Decidiram que como era relativamente jovem podia fazer um trabalho aqui por um bom tempo nessa paróquia.
RA: Quais as diferenças que notou entre os cabo-verdianos e os brasileiros?
PB: O povo cabo-verdiano é muito religioso em geral, mas tal como no Brasil a religiosidade é o mesmo. Mas o brasileiro é mais extrovertido. Os cabo-verdianos são trabalhadores e educados.
RA: Foi fácil a sua aceitação pelos paroquianos?
PB: Olhe, a maior dificuldade foi ser successor de um homem como o Padre Pedro que ficou 20 anos aqui e fez um trabalho extraordinário. Ele não foi o primeiro padre aqui, mas foi ele que dinamizou e fez crescer a paróquia. Fez um bom trabalho conseguindo grangear alta reputação junto de toda a Comunidade Cabo-verdiana em Roterdão. Quando eu cheguei aqui estava tudo organizado e, por isso, não tive a necessidade em mudar muita coisa. Vou continuar o excelente trabalho dele. Por isso, a comunidade, se calhar, é que precisava mais em adaptar-se a mim. Coisa que acho ter conseguido.
Sou muito brincalhão e nas missas, no início, os fiéis não tinham coragem para rir mas agora estão rindo
RA: É um bom sinal então...
PB: (risos) É um bom sinal não é? Assim, tem mais à vontade. Mas quero dizer que o Padre Pedro continua a fazer um bom trabalho junto da Comunidade. Continua, por exemplo, a visitar os doentes, sobretudo as pessoas idosas e isso ajuda muito também.
RA: A gravidez precoce é um dos problemas existente na nossa comunidade. A igreja que dirige faz algo no sentido de ajudar essas jovens?
PB: Em primeiro lugar é preciso não condenar esses jovens. No tocante à Igreja fazemos um trabalho com os jovens.Temos alguém dentro da Igreja paga pelo governo que ajuda e orientar esses jovens no sentido de não desperdiçar a sua juventude, incentivá-los a fazer um curso e a ter uma vida melhor.
Tentamos também ver essas mulheres jovens que com pouca idade o físico ainda não está totalmente preparado para ter filhos e que isso pode deixar sequelas graves. Para além disso, uma jovem não está preparada também psicologicamente para ter filhos. Muitas vezes quando essas jovens tem filhos, são os avós a cuidar e isso não é muito bom para o desenvolvimento emocional e saudável de uma criança.
Quando cheguei ao Brasil os Jovens casavam jovens com 18/19/20 anos. Hoje em dia, menos Para dizer que sempre os dizia que jogavam fora a sua juventude que seria preferível estudar, viajar, aproveitar a vida antes de assumir essa enorme responsabilidade. Eu via por vezes em Festas no Brasil jovens com crianças pequenas depois da meia noite.
RA: Sobre a Organização da Paróquia, o Padre Bernardo podia dizer-nos como está organizada? Quantas missas são ditas na semana por exemplo?
PB: Temos a Missa diária que começa às 09h 30m. No fim de semana temos duas 2 missas: uma às 10 horas totalmente em português para as pessoas que não dominam o Holandês e uma outra missa às 12 horas para os jovens nascidos na Holanda que é dita em holandês e português.
Temos na Igreja também estudos bíblicos para as crianças e jovens numa forma simplificada, de acordo com o nível deles, e isso é totalmente em holandês pelas razões óbvias.
RA: Sabemos que há ilegais oriundos de Cabo Verde, Brasil, Angola… eles procuram apoios junto da Igreja?
PB: Segundo as informações que tenho, ultimamente tem sido menos pessoas que vêm procurar apoios ou informações aqui na Paróquia, antes procuravam mais…
RA: E a Igreja ajuda…
PB: Eu acho que podemos fazer mais, por exemplo, no tocante ao acesso ao sistema de saúde que como você sabe é complicado para um ilegal.
Como também sabe o Goveno aje de uma forma rígida nessa materia se algum ilegal faz algo ou é parado na rua ou em qualquer lugar, por exemplo, é imediatamente transportado para a prisão que fica no aeroporto de Roterdão e depois são expulsos do País. Conheço casos dramáticos em que, por exemplo, uma criança chega à Holanda ilegal estuda e muitas vezes quando quer se legalizar tem dificuldades e é expulso. Imagina uma criança que viveu aqui até aos 18 e os pais têm a nacionalidade holandesa mas mesmo assim tem de regressar a Cabo Verde, por exemplo, muitas vezes sem falar bem o cabo-verdiano e sem ter os parentes em Cabo Verde…
RA : E a Igreja tenta fazer algo…
PB: Tentamos mas quase sempre sem sucesso porque como você sabe é o governo de Haia que decide e a tendência é serem cada vez mais rigorosos.
RA: Tem conhecimento do número de cabo-verdianos nas prisões holandesas?
PB: Eu estive há dias a falar com uma guarda prisional que me disse que antigamente raramente havia cabo-verdianos nas prisões holandeses mas que agora está aumentado, sobretudo os jovens.
RA: Já conhece Cabo Verde? Pensa visitar brevemente?
PB: Ainda não tive oportunidade de visitar o País apenas uma vez o avião que me levava ao Brasil fez escala de uma hora e meia na ilha do Sal para reabastecer. No próximo ano, penso visitar Cabo Verde. Muitas vezes, os Padres cabo-verdianos que têm família na Holanda vêm para cá passar férias e aproveitam para visitar a nossa paróquia e trazem muita alegria para os fieis e para mim.
RA: Para terminar essa nossa primeira conversa uma mensagem para os católicos lusófonos em especial os de Cabo Verde.
PB: Nós católicos somos unidos na nossa fé e espero que por isso olhemos uns para os outros especialmente para os mais necessitados. Para Cabo Verde queremos enviar uma mensagem especial para as pessoas da ilha de São Nicolau que tem passado por maus momentos, por causa dos estragos provocados pelas chuvas, e dizer-lhes que estamos solidários com o sofrimento porque passam e tentaremos ajudá-los na medida do possível.
LIBERAL-Por Norberto SIlva

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