terça-feira, 24 de novembro de 2009

CV:CRÓNICA DO PROFESSOR JORGE CARLOS FONSECA


Organizações partidárias da juventude: partidos dos pequeninos ou instâncias privilegiadas para uma cultura de liberdade e democracia? Regimes de bodonas e o filme americano, a propósito de idílico obamismo. Paradigmas de cooperação: a propósito do ensino superior cabo-verdiano público e privado.

1. Ninguém pode duvidar do importante papel que cabe aos partidos políticos na construção e no aprofundamento das democracias modernas. Eles constituem um seu pilar irrenunciável, ao menos no estádio actual do pensamento político liberal. O discurso e os apelos legítimos a uma afirmação crescente das instâncias da sociedade civil - a verdade é que a democracia nasce da sociedade e na sociedade e esta tem que conter a abertura necessária para que o Estado (ou os partidos) não se converta em «a thing made up of misteries», no dizer de Paine – não podem traduzir-se no enfraquecimento da função dos partidos políticos.
2. Deve dizer-se, aliás, que o «programa constitucional» cabo-verdiano de procura de delimitação da intervenção dos partidos é razoável. Mas a verdade é que a realidade política e a prática constitucional também não são coincidentes em alguma (e boa) medida com aquele «programa», sendo certo que, como já o afirmamos noutras ocasiões, a competição entre o sistema partidário e outros sistemas ou subsistemas da sociedade civil poderá exprimir-se e resolver-se numa constante partilha e recomposição de espaços e territórios, definidas não só normativamente, mas através de mecanismos naturais de compressão e descompressão. Mecanismos e medida de compressão/descompressão que estarão condicionados, por um lado, pelo grau de desenvolvimento e afirmação da sociedade civil e seus agentes, organismos ou aparelhos, e, por outro lado, pela maior ou menor «vizinhança» entre os partidos e os cidadãos , e, sobremaneira, pela forma e extensão com que a componente cultural e humana se envolver e puder influenciar o processo global de desenvolvimento.
3. Ora bem, queremos hoje falar das organizações partidárias da juventude em Cabo Verde. Não se põe em causa o mérito do seu trabalho de envolvimento nas lides políticas e eleitorais, digamos, na extensão e na dimensão compreensiva dos valores democráticos ou, ainda, nas batalhas reivindicativas habituais (emprego, habitação, acesso ao ensino e ao crédito, desporto, tempos livres, cultura) que ajudam a potenciar as condições de realização do estado social.
Cremos, no entanto, que ainda elas são, entre nós, preferencialmente vistas como «viveiros» dos partidos, à moda antiga, parecendo as organizações dos jotas como meros instrumentos de formação, amadurecimento e progressão dos candidatos a militantes e dirigentes partidários. De outro modo: elas são os partidos dos pequeninos e os seus responsáveis adoptam a postura, o discurso, os tiques, as virtudes e os defeitos dos grandes, deixando de ter e realizar uma agenda política e cultural autónoma e específica. Autonomia e especificidade que deveriam marcar a sua acção política, cívica e cultural – a par de um estilo próprio de jovens, mais ousado, mais livre, mais descontraído, menos seguidista relativamente à agenda partidária – propiciadora, enquanto prioridade matricial – do aprofundamento da democracia e do estado de direito e seus valores e princípios, vale dizer da «cidadania democrática». As organizações partidárias da juventude devem, pois, constituir uma das principais instâncias e referências naquela «aproximação» entre os partidos e a sociedade, numa espécie de regresso dos partidos à origem de onde vieram, afinal, … da sociedade. Autonomia e especificidade que se estenderiam a metodologias de acção, a estilo de intervenção,
4. O meu amigo Ludgero Correia insiste na proposta de inclusão, nas negociações sobre a revisão constitucional, ou, pelo menos, no debate sobre a reforma constitucional, do tema do sistema de governo. Mais concretamente: da opção pelo sistema presidencial. O que se mostra de todo em todo legítimo, enquanto sugestão cívica e de procedimento democrático, desde que se arranque de uma premissa inarredável: a fundamentação da proposta de alteração, a formulação de outras necessárias alterações que o novo modelo implicaria, e a aceitação, sem preconceitos ou fantasmas, da defesa de posições diferentes sobre a questão. Não se pode é avançar com uma tão radical alteração – não será por acaso que nenhum dos grupos parlamentares tenha incluído a questão na agenda de negociações ou que os poucos (para além de Correia, naturalmente) advogados do presidencialismo parecerem ter desistido dos seus propósitos reformadores (o próprio PAICV mudou clara e radicalmente a sua posição oficial sobre a temática, sufragando hoje a ideia de que o actual sistema funciona de modo adequado e satisfatório) se coloque como barreira condicionadora (em termos políticos ou outros) a ideia, melhor, a espada ameaçadora de que quem sufrague o actual semipresidencialismo fraco será um interessado directo na disputa de algum cargo político.
Outrossim, e sabendo-se que o sistema presidencial praticamente não conseguiu provar fora do espaço político e cultural norte-americano, não é razoável fazer-se uma avaliação global de um modelo de sistema de governo partindo-se de uma única experiência, por sinal… inexportável se pensarmos em eficácia… democrática e da rule of law. Dito de outra forma: não basta ver o filme americano mas também outros filmes, o nigerino, o mauritaniano, o venezuelano, o zambiano ou até os dos (quase) presidencialismos como o moçambicano. Não nos parece convincente argumentar com a circunstância de haver candidatos bodónas nas chefias dos principais partidos políticos indígenas para, de seguida, propormos a supressão do cargo de Presidente da República enquanto titular de órgão de soberania distinto de um Chefe de Governo ou sonharmos com um qualquer idílico obamismo ilhéu. Muito menos esgrimir com argumentos de regimes mais ou menos baratos, que, aliás, resistem pouco à observação do funcionamento de alguns sistemas (mais ou menos) presidenciais próximos de nós.
Hoje já não são raras as vozes, mesmo em países africanos, a rejeitar as posturas extremadas de tipo culturalista ou historicista que justificariam modelos de organização do poder do Estado que, afinal, se têm traduzido em experiências de concentração ou mesmo pessoalização do poder com resultados amiúde desastrosos.
Trata-se, porém, de um debate que será legítimo introduzir, apesar de , visivelmente, não estar na ordem do dia entre nós. O que, repetimos, pode ser significativo do ponto de vista da avaliação que se faz do funcionamento do sistema vigente, ainda – diga-se – não suficientemente testado.
5. Ouvimos notícia sobre uma visita do Ministro dos Negócios Estrangeiros à Índia. Entre as questões que estariam em discussão nos contactos oficiais figuraria… a ajuda à «Universidade de Cabo Verde». Não ignoramos nem mitigamos a importância, no plano do desenvolvimento educacional e cultural do país, do projecto da universidade pública. Mas também cremos não dever ser o critério da natureza pública ou privada do ensino superior (da investigação científica e técnica, igualmente) o decisivo, nos tempos de hoje e em sociedades democráticas e abertas como a nossa, para a formatação das agendas de cooperação do Estado. O paradigma não pode ser o mesmo dos anos setenta e oitenta; o decisivo deve ser o critério da qualidade do trabalho produzido, enfim, da dimensão do contributo que os estabelecimentos de ensino superior dão ao progresso, educativo, cultural científico e técnico, da comunidade.
jcafa@yahoo.com/jcfonseca@cvtelecom.cv

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