quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

CV:"Grande vocação de Cabo Verde é para serviços e tecnologia de informação"


Formada em Direito e diplomata de carreira há 30 anos, a embaixadora do Brasil em Cabo Verde, Maria Dulce Barros, fala da política "afirmativa" do Brasil para o continente africano. Acabou a retórica e passou-se à acção. Sobre Cabo Verde, onde se encontra desde Julho de 2007, considera que o arquipélago tem "potencialidades" e que tem tudo para operar uma revolução tecnológica. Aliás, defende que a grande vocação do país é justamente a área dos serviços e da tecnologia da informação, onde, aliás, já começa a dar cartas em África. A diplomata lembra que o "ponto fraco" nas relações brasileiro-cabo-verdianas são as exportações para o Brasil, que são residuais (30 mil dólares). Ao contrário das exportações, que cresceram cinco vezes (de oito para 40 milhões de dólares) desde 2003. Mas há grandes potencialidades.

Como se pode definir a actual política do presidente (brasileiro, Luís Inácio) Lula da Silva para África?
É uma política muito afirmativa. Pela primeira vez temos desenvolvido uma relação coerente em relação a vários países africanos. Todos os países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) têm tido uma participação mais intensa, por todas as aproximações. Mas a CPLP tem um papel diferenciado nas relações com África.
Há um contexto novo na presidência brasileira para a outra África. Há apostas nesse sentido?
Sem dúvida nenhuma. No ano passado, abrimos seis embaixadas em África. No Burkina Faso, Guiné-Conacri, Guiné Equatorial - não me lembro de todas. Mas é uma política afirmativa, com acções concretas que o demonstram. Saímos da fase retórica do discurso e passámos a acções concretas que demonstram, com muita clareza, essa vontade política do presidente Lula e do ministro (das Relações Exteriores) Celso Amorim de dar a devida importância a África.
E no caso de Cabo Verde?
Cabo Verde consta da história brasileira mesmo antes do Brasil existir como país. Temos o caso do Tratado de Tordesilhas, cuja parte portuguesa na América situa-se 243 milhas a Oeste de Cabo Verde. O Brasil nasceu já com uma referência que o ligava a Cabo Verde. Mas a aproximação política e comercial do Brasil a Cabo Verde é muito recente.
Tudo começou com as "rabidantes" (mulheres que vendem um pouco de tudo) do Mercado de Sucupira (mercado paralelo da Cidade da Praia), que fazem boa parte das compras no Estado do Ceará (nordeste brasileiro). Não sei dizer bem o que é o ovo e o que é a galinha. Em função disso, os TACV (Transportes Aéreos de Cabo Verde) criaram uma linha aérea directa para Fortaleza, que demora cerca de três horas e meia, um pouco menos do que a distância até Lisboa. Antes, Cabo Verde parecia- -nos muito longínquo. Antigamente, o Brasil era muito centralizado no sudeste, Rio de Janeiro e São Paulo. Houve uma descentralização e os Estados brasileiros começaram a desenvolver-se e o Ceará começou a ser o destino das "rabidantes". Quando começa o comércio, as coisas alargam-se.
... essa ligação levou também à criação do Centro Cultural Brasileiro...
Sim. Vim com um mandato para criar o centro. Foi começar do zero. Hoje tenho um carinho muito especial e o centro já tem o seu lugar na sociedade cabo-verdiana. Tudo se deveu a Marilene Pereira, casada com um jornalista cabo-verdiano, que tem feito um trabalho extraordinário na divulgação das culturas dos dois países.
Voltando às relações comerciais...
Voltando à questão económica. Esse mercado simples, de "sacoleiras" (nome dado no Brasil às "rabidantes"), foi uma semente muito fértil que gerou um aumento exponencial do comércio.
Em 2003, nós exportávamos cerca de oito milhões de dólares e hoje, em 2009, já chegámos aos 40 milhões de dólares. Multiplicou-se o comércio, diversificou-se. Isso demonstra a criatividade e a capacidade empresarial do cabo-verdiano, o tal empreendedorismo defendido pelo primeiro-ministro (José Maria Neves).
E a nível da cooperação?
Não temos um único ponto de atrito. A cooperação é exemplar, com projectos em muitas áreas. A formação profissional - criámos o Centro de Formação Profissional da Cidade da Praia - é outro dos pontos altos da nossa cooperação.
Já formámos mais de 200 carpinteiros, canalizadores, pedreiros, pessoas que trabalham na construção civil. Foi na altura do «boom» na imobiliária e todos saíram empregados. Na Educação, temos cerca de 1000 cabo-verdianos a estudar em universidades brasileiras. Isso tem retorno a médio e longo prazo para Cabo Verde.
Falou à pouco das exportações brasileiras para Cabo Verde. E o inverso?
A importação de produtos cabo-verdianos é, de facto, um ponto fraco. Não chega a 30 mil dólares. Há um mineral que é exportado para o Brasil, mas em pequenas quantidades - musgos, líquens, coisas para decoração e quartzo. É muito limitada a pauta de importação de produtos cabo-verdianos para o Brasil.
E há potencial?
Há muito potencial, sobretudo através de parcerias. O mercado aberto pelas grandes cadeias de hotéis, das ilhas turísticas, toda essa parte alimentar é muito importante. Fazer criação em cativeiro, através da importação do modelo brasileiro. Até na pesca. Cabo Verde tem bom peixe com tecnologia de baixo custo.
E em relação às novas tecnologias?
Cabo Verde está a abrir às novas tecnologias. A grande vocação de Cabo Verde é para a área de serviços de alta tecnologia da informação. É indispensável uma revolução tecnológica.
Que está em curso?
Exactamente. Cabo Verde é exemplar com a Casa do Cidadão. Muitas empresas brasileiras aproximaram-se de Cabo Verde graças às novas tecnologias. Há muito investimento brasileiro nessa área. Exportou-se a ideia de "incubadora de empresas" e isso tem tido muito sucesso. Cabo Verde tem um povo cosmopolita e conhece bem o estrangeiro. Todos têm um familiar no estrangeiro. Há muita criatividade. Há todo o potencial para que o país se torne um pólo de desenvolvimento de "software", que só exige criatividade, pensamento e, claro, a técnica para manejar. O que há muito em Cabo Verde.
Até que ponto o aumento de transportes aéreos e marítimos pode desenvolver as relações comerciais?
Isso é o grande ponto de estrangulamento grave. O transporte aéreo está a funcionar brilhantemente, mas só se trata de pessoas. Mas não há transporte de mercadorias. É fundamental que se crie uma linha marítima estável.
Como vê o desenvolvimento macroeconómico de Cabo Verde?
Cabo Verde conseguiu passar brilhantemente o momento mais grave da crise. O governo actuou imediatamente, com a redução de impostos, etc. Foram medidas tomadas no momento certo e renderam frutos. O pior já passou.
Acho que Cabo Verde chegou a um ponto desenvolvimento que já não tem retrocesso.
LUSA-Por José Sousa Dias, da Agência Lusa (texto), e Pedro Moita (foto)/OJE
 Casa do Cidadãos e a incubadora de empresas são exemplares dessa revolução tecnológica, diz a embaixadora do Brasil.

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