sábado, 20 de fevereiro de 2010

HOLANDA-DIÁSPORA:ENTREVISTA COM ANIBAL RAMOS

Morosidade na Justiça cabo-verdiana alimenta vários “dramas” como o de Aníbal Ramos

ROTTERDAM-Aníbal Ramos é um cabo-verdiano, natural de Alto Mira, Santo Antão e residente na Holanda desde 1976. Sente-se uma vítima do mau funcionamento da Justiça em Cabo Verde. “Há morosidade no tratamento dos processos e falta ainda transparência nos procedimentos judiciários”, diz.
O sonho do nosso entrevistado sempre foi fazer agricultura na sua propriedade, tipo sequeiro, situada na zona de ‘Chã Dragoeiro’. Começou e tudo corria bem, mas, de repente, o seu sonho foi por água abaixo, na verdadeira acepção da palavra. O drama, segundo nos conta Ramos, começou em 2006. E, “desde então, as coisas agravaram-se cada vez mais”, contou-nos o nosso entrevistado.
Rádio Atlântico - Gostaria de saber onde fica a sua propriedade e o que aconteceu?
Aníbal Ramos - “Resolvi juntamente com minha esposa e outros familiares fazer um investimento na produção agrícola na zona de Chã Dragoeiro. Além do terreno situado na zona de Chã de Dragoeiro, sou também proprietário de um outro terreno na zona de Cabo de Ribeira de Tomázia. O terreno situado da zona de Chã Dragoeiro é ligeiramente mais seco; água só lá chega com ajuda de 700 metros de tubos aproximadamente.
RA - Queria dedicar-se ao cultivo para depois exportar os seus produtos?
Aníbal Ramos - O meu sonho é o de fazer produção agrícola de modo a abastecer o mercado local. Na fase inicial contamos com o apoio do Ministério da Agricultura que fez investimentos no local e pediram-me como condição que criasse postos de trabalho. Aceitei prontamente e se tudo corresse bem para além de assegurar postos de trabalhos para cinco famílias, poderiam conseguir muito mais. E mais pessoas na região passariam a beneficiar directamente desse investimento privado. Ribeira de Tomázia tem água para irrigação, tem também tanque e excelentes “levadas” de água. Cada lavrador da zona tem direito a uma certa quantidade de água por cada mês. Eu, pessoalmente, para fazer irrigação do meu terreno disponho, legalmente, de seis dias de água/por mês. Quando chega a minha vez, eu meto a água num tanque privado, onde fica armazenada. Essa água é em seguida transportada através de tubos para a zona de Chã Dragoeiro. Como eu já lhe disse, são cerca de 700 metros de tubos, ligando assim os dois terrenos meus. Os tubos não passam por propriedades dos arguidos. No início o projecto decorreu muito bem e sem quaisquer incidentes.
RA - Quando Começaram então os problemas?
Aníbal Ramos - Foi depois de o projecto começar a funcionar. Passados alguns meses vi-me desagradavelmente confrontado com a atitude agressiva de algumas pessoas da zona que decidiram protestar contra o transporte da água de uma zona para outra. Tentei por todos os meios controlar a situação, procurei estabelecer um diálogo com as pessoas envolvidas mas de nada serviram as minhas diligências. Eu não consegui impedir que eles deitassem abaixo os tubos, tendo deixado minha propriedade num estado deplorável. Eu vi assim todo o meu investimento cair por água abaixo! Este acto de agressão causou-me a mim e minha esposa um grande desgosto. Ficamos muito desanimados e extremamente desgostosos em fazer mais investimentos na nossa Terra.
RA - Chegou a recorrer para os Tribunais?
Aníbal Ramos - Sim, obviamente que recorri ao Tribunal de Justiça de Porto Novo para reivindicar os meus direitos. O Tribunal me deu razão, o que me parecia lógico, pois a água usada por mim legalmente me pertencia.
RA - Depois da decisão do Tribunal retomou o trabalho nas suas propriedades?
Aníbal Ramos – Sim, em seguida resolvi, com muita dificuldade, investir mais algum dinheiro na recuperação dos danos materiais, pois a água deixava muita falta, na plantação que começava a denotar falta desse precioso líquido.
RA – Então o que aconteceu depois?
Aníbal Ramos - O que aconteceu, na verdade, é que com a sentença do Juiz, apesar de reconhecer o meu direito à utilização da água e de deixar bem claro para os arguidos que eu poderia a qualquer momento religar o tubo novamente, não condenou os arguidos nos crimes a que vinham sendo acusados e não entendeu como devido o pagamento pelos arguidos da indemnização pelos danos que me causaram.
Por isso, não concordei com a sentença e apresentei um Recurso para o Supremo Tribunal.
Desde início de 2009 (se não me falha a memória) o Recurso foi encaminhado para o Supremo Tribunal e estou a aguardar a decisão.
RA - Conhece os agressores?
Aníbal Ramos - Sim são pessoas da região que estão identificadas pelas autoridades policiais e judiciais.
RA - Depois do ataque a sua propriedade recorreu de novo aos Tribunais?
Aníbal Ramos - Recorri novamente ao Tribunal do Porto Novo, mas, desta vez, limitaram-se apenas a dar conselhos aos prevaricadores. Isso é ridículo, um verdadeiro escândalo! Os agressores brincam comigo; claro que se sentem com força porque o Tribunal não lhes aplica multas, não têm nada a pagar, não são presos e os estragos são sempre por minha conta. Para além dos danos materiais tenho também sido vítima de ameaças sistemáticas por parte dessas pessoas que atacaram a minha propriedade.
Como já religuei os tubos por duas vezes e ter feito, vários gastos e com tantos prejuízos, não tenho condições para religar os o tubos de novo e aguardo por uma decisão definitiva do Supremo Tribunal de Justiça. Apelo por isso por uma decisão rápida.
RA - Noto uma certa frustração nas suas palavras…
Aníbal Ramos – Sinto-me um pouco frustrado pela demora do Supremo porque isso me tem causado um grande prejuízo. Há muita falta de respeito, não se faz averiguações, os processos terminam sem resultados, os criminosos são absolvidos em vez de serem condenados. Por essas andanças os investimentos privados jamais sairão das gavetas. Minha esposa e eu temos intenções de regressar a nossa Ilha (e viver da agricultura) mas desta maneira não dá para a gente fazer planos. Infelizmente, é essa a situação de milhares de cabo-verdianos residentes no estrangeiro.
O governo tem os seus momentos para falar da Justiça, nomeadamente na altura das eleições. Muitas pessoas testemunharam a meu favor. Não obstante as diligências da minha advogada, nada está sendo feito! Um verdadeiro escândalo para toda a sociedade cabo-verdiana; uma autêntica crueldade para com pessoas que honestamente procuram contribuir com a sua quota-parte para o desenvolvimento do nosso País.
Por vezes fico desesperado com essa situação, mas em outros momentos quando falo com amigos e familiares fico novamente cheio de esperanças. Um dia se Deus quiser o sonho da minha família vai realizar-se, assim esperamos pois adoramos até demais a vida no campo; trabalhar as nossas propriedades e investimentos feitos com o suor do nosso trabalho duro no estrangeiro.
RA – Sei que defende que os cabo-verdianos a viverem no estrangeiro deveriam organizar-se em Associações para melhor defenderem os seus interesses lesados no País. Como isso funcionaria?
Aníbal Ramos - Eu gostaria de facto que todos os lesados no nosso País deveríamos associar-nos para falarmos sobre os nossos problemas e tentar pressionar a quem de direito a resolver os nossos problemas. Não estou a pedir grandes sacrifícios das outras vitimas. Estou a pedir para a gente compartilhar os nossos desgostos, dialogar, avançar com sugestões, na esperança de que daí possa surgir uma maneira de reivindicarmos juntos os nossos direitos. Mas também é uma maneira de confrontar a sociedade cabo-verdiana de um modo geral com o mau estado da justiça no País; É uma maneira de alertar especialistas na área do Direito para se inteirarem da situação e finalmente espero que estudantes e professores na área de direito nos acudam e ajudem-nos a resolver os nossos problemas com a Justiça cabo-verdiana.
RA - Na sua ilha sempre teve excelentes advogados. Tem recorrido a eles para se aconselhar?
Aníbal Ramos - Sempre ouvi dizer que em Santo Antão a justiça sempre esteve consagrada na mentalidade das pessoas. O povo da minha ilha era um povo justiceiro. Mas os tempos mudaram. As pessoas quando adquirem formação deixam a Ilha e vão trabalhar nas outras Ilhas e por isso ficamos com grandes dificuldades. Se necessitarmos de assistência jurídica profissional temos muitas vezes que recorrer a S. Vicente.
No meu caso em concreto, apesar de não ser uma advogada natural de Santo Antão tenho que reconhecer que ela tem sido incansável em ajudar-me a resolver este problema.
RA – Parece que o senhor é bastante critico do funcionamento da Justiça em Cabo Verde”
Aníbal Ramos - Fico com a ideia de que a justiça não funciona em Cabo Verde. Não se faz pesquisa, não se faz averiguações. O direito é desrespeitado; os processos terminam sem resultados; os arguidos são absolvidos em vez de serem condenados. Um dos grandes insucessos dos governos e mau funcionamento da justiça com todos os seus constrangimentos para toda a sociedade. Procedimentos inadequados e com falta de transparência. Os governos têm as suas alturas escolhidas para falar de Justiça; época das eleições.
Os juízes são lentos e acomodados nas suas poltronas, muitas vezes faltam-lhes tempo por causa de conveniência político-partidária. Nós que trabalhamos duramente fora de Cabo Verde, devemos exigir agilidade no tratamento dos processos, transparência nos procedimentos.
RA - Tem criticado, ao longo da entrevista, o mau funcionamento da Justiça em Cabo Verde. Queria perguntar-lhe o que deve ser feito para mudar esse estado de coisas?
Aníbal Ramos - Nao sou jurista, não tenho poderes! O meu apelo é apenas no sentido de nós naturais de Sto Antão e sobretudo os que vivem no estrangeiro termos que nos organizar, pois caso contrário estaremos impedidos de contribuir para o desenvolvimento da nossa Ilha, o que seria uma grande pena! Aliás, eu tenho, lá na minha propriedade, o meu investimento e portanto recuso-me a ficar parado e deixar andar as coisas. Eu quero contribuir com minha quota parte e espero que o Supremo Tribunal de Justiça me ajude a fazê-lo. Entretanto conto com reacções dos muitos cabo-verdianos espalhados pelos quatro cantos do mundo e apartir dai podermos, efectivamente, pensar seriamente numa estrategia de trabalho visando pressionar a quem de direito por uma mudança no sistema judiciário em Cabo Verde que é uma necessidade urgente. Reafirmo que eu apenas quero que a justiça seja feita.
NORBERTO SILVA

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