terça-feira, 27 de abril de 2010

CRÓNICA:CABO VERDE ESPERANÇA-Por André Lamas Leite


PORTO-Cabo Verde é justamente apontado como um exemplo de Democracia e Modernidade em África e um País jovem que não se conforma com uma certa pobreza de recursos naturais, aspirando a transformar-se em um Estado capaz de ombrear com o que de melhor se vai fazendo por esse mundo fora.
Visto através das lentes de um estrangeiro como eu, após o início da década de 90 do passado século, em que verdadeiramente se instituiu um regime democrático e multipartidário, se aprovou uma nova Constituição e se tem assistido a uma alternância governativa sem crises de maior, esta Nação abraça quem a visita com a noção de que sectores estratégicos como o turismo, a inovação, o conhecimento e a cultura devem conviver, em harmonia, com a miscigenação sociocultural característica da “caboverdianidade”.
É neste contexto que se avizinham as eleições presidenciais. Habitualmente caracterizado como de “semi-presidencialismo fraco”, o regime político de Cabo Verde tem nesse órgão de soberania unipessoal um garante da legalidade democrática e um vigia atento do regular funcionamento institucional. Não se trata de um mero papel de árbitro passivo e relegado a “corta-fitas”. Muito ao invés, os poderes de dissolução da Assembleia Nacional, de nomeação e demissão do Governo, de indicação de membro(s) para o Supremo Tribunal de Justiça, para já nos não referirmos ao inerente cargo de Chefe Supremo das Forças Armadas, reclamam do concreto titular do órgão qualidades únicas.
À cabeça delas, um amor intenso à Nação cabo-verdiana, seja a do arquipélago, seja a da Diáspora (parte do colégio eleitoral, em uma exemplar regulamentação de uma verdadeira Constituição diaspórica). Quem, como eu, escutou algumas vezes Jorge Carlos Fonseca falar da sua Terra, das suas Gentes, das qualidades e dos defeitos de um Povo que tomou o seu destino em mãos próprias, comove-se ao vislumbrar aqueles olhos inquietos a perscrutar o Atlântico. Dir-se-ia que a dimensão do Homem e Estadista aspira ao infinito; não uma concepção utópica e romanceada, mas um conhecimento profundo da realidade e dos escolhos, mas também da capacidade instalada, sobretudo aquela que vive e respira. Afinal, a maior riqueza de um Estado, pois, de que valem as grossas paredes em fracas gentes?
Acresce, em Jorge Fonseca, uma sólida formação jurídica, económica e cultural (quem disse que os Poetas não sabem governar?) e um Amor à Liberdade e à Democracia inexcedíveis, como verificamos em tantas obras que publicou, em declarações públicas proferidas e, sobretudo, nas acções, essas maquinações extremadas da realidade sensível. Assim foi – e tem sido – antes e após 1975. Em um mundo globalizado como o nosso, tantas vezes acossado por ameaças como o terrorismo e a criminalidade perigosa e altamente organizada, um Presidente da República tem de ser – talvez como nunca – bastião das liberdades individuais. Certo que lhe não incumbe o governo stricto sensu da civitas, mas impõe-se-lhe o poder do conselho, da influência democrática e da pedagogia criadora. Tudo qualidades do académico, do político, e do cidadão a que carinhosamente chamam “Zona”.
Qualquer Chefe de Estado tem de resistir à tentação de “dividir para reinar”. O percurso político, as posições de dissidência e de reencontro estão aí para demonstrar que Jorge Carlos Fonseca não se guia por um diktat ou por uma agenda oculta. Seja esse poderio o económico – o mais perigoso e que em todos os Países ameaça os fundamentos do Estado de direito democrático –, seja o político-partidário ou mesmo o “regional-provinciano”.
Em Cabo Verde, em Portugal ou em qualquer País do mundo, são pessoas como esta que ainda nos fazem acreditar que a res publica é, de entre todas as actividades humanas, a mais sublime criação do espírito solidarista do Homem. Daquela solidariedade a que se referia Epicteto quando proclamava: “Eu sou uma parte de tudo, tal como a hora é uma parte do dia”.
André Lamas Leite

Docente Universitário (Porto, Portugal)

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