quarta-feira, 26 de maio de 2010

ENTREVISTA COM JOSÉ MARIA NEVES-Por José Sousa Dias

"Economia cabo-verdiana tem resistido de forma forte à crise internacional"Cauteloso, o primeiro-ministro cabo-verdiano sabe que a volatilidade da economia mundial pode afectar seriamente Cabo Verde. Mas José Maria Neves não vê sinais nem evidências de se estar a caminhar para um colapso. Pelo contrário, os dados económicos mais recentes, divulgados pelo Banco de Cabo Verde (BCV), apontam para uma ligeira retoma. O défice está sob controlo, a inflação é baixa e o país está a caminhar para uma grande transformação, alicerçada na confiança internacional. Os "clusters" Mar e Céu estão em preparação, as energias renováveis também e o "sonho" de tornar o arquipélago um "hub" tecnológico é concretizável. Portugal, bem como as empresas portuguesas, continua e continuará a ser um parceiro estratégico que poderá sair reforçado na visita oficial que José Maria Neves vai efectuar a Portugal entre 8 e 13 de Junho.
Qual é o estado de saúde da economia cabo-verdiana?
A economia cabo-verdiana tem resistido de forma forte à crise internacional. Nós tínhamos os fundamentos da economia sólidos e tomámos medidas preventivas a tempo. Conseguimos fazer face à crise e diria que, globalmente, a economia cabo--verdiana está a comportar-se bem, tendo em atenção a sua grande vulnerabilidade a choques externos e à debilidade financeira do país.
O governador do Banco de Cabo Verde diz que, em 2009, registou uma ligeira melhoria ou uma ligeira retoma. Como é que isto pode ser interpretado?
A economia cabo-verdiana, apesar da crise, está a crescer. A dívida pública global está sob controlo, a inflação é baixa, o défice público também está sob controlo e o turismo tem continuado a crescer, ainda que a um ritmo mais lento. Temos apenas a crise do sector do imobiliário turístico, com reflexos também na construção civil e que emprega uma grande quantidade de pessoas. Mas, globalmente, a economia cabo-verdiana continua a crescer, ainda que a um ritmo mais lento. Os fundamentos da economia continuam ainda sólidos e resistentes à crise.
O défice orçamental, apesar de estar nos 12,9%, traz riscos ao próprio país. Pelo facto de estar dependente da União Europeia, há o risco de, eventualmente, a economia cabo-verdiana entrar em colapso?
Os dados neste momento não nos apontam para qualquer colapso da economia cabo-verdiana. Bem pelo contrário. Mas, tendo em atenção que esta crise global tem um impacto grande na mudança da geografia económica do mundo, temos de fazer um gestão sã e prudente das finanças públicas. Temos de continuar a trabalhar para garantir o equilíbrio dos fundamentos da economia, para que tenhamos uma dívida pública global controlada de modo a que o défice público se mantenha a um nível que possamos controlar. O nosso défice público é financiado fundamentalmente com recursos externos, empréstimos concessionais e, portanto, com condições para o país poder fazer face a todos os seus compromissos internacionais. De modo que não vejo nenhum nem qualquer sinal que seja de colapso da economia cabo-verdiana.
De qualquer forma, quer as receitas quer as remessas dos emigrantes diminuíram em 2009. Há alguma perspectiva para que haja uma retoma em 2010?
Isso é reflexo da crise nos países de acolhimento. Apesar da diminuição, mantém-se ainda um nível muito aceitável.
Está agora na ordem do dia a questão do desemprego, com a apresentação dos novos métodos de cálculo da respectiva taxa. A nova metodologia aponta para 13,1%, mas o INE (Instituto Nacional de Estatística) assume que, segundo a velha fórmula, a taxa era de 20,9%. Em que ficamos?
Veja: os dois indicadores foram apresentados com toda a transparência. Há uma metodologia anterior, que contava os estudantes entre os 15 e os 18 anos que não estavam a procurar emprego e inactivos como desempregados, o que empolava grandemente a taxa de desemprego em Cabo Verde. A nova metodologia é a usada em países como Portugal e França e que não contabiliza os inactivos. A nova metodologia faz uma convergência com os países da União Europeia (UE) e daí que os dados actuais são mais próximos dos dados da UE. De todo o modo, e por uma questão de transparência, estamos a apresentar os dois dados. Para mostrar aos cabo-verdianos que não temos nada a esconder relativamente à taxa de desemprego.
Mas a taxa de desemprego continua elevada e acima dos dois dígitos?
A taxa de desemprego é elevada. Temos de continuar a trabalhar para densificar o sector privado, para convocar novos sectores que são nucleares para a criação de emprego, como a agricultura e pecuária, a indústria agro-alimentar, as energias renováveis, as tecnologias de informação e comunicação e as indústrias culturais como alavancas para gerarmos novas dinâmicas de crescimento e desenvolvimento, para gerarmos novos empregos e melhorarmos a qualidade de vida dos cabo-verdianos.
Em curso estão projectos estruturantes para a economia de Cabo Verde, nomeadamente os "clusters" "Mar" e "Céu", além da reforma administrativa e da modernização económica e administrativa. Que benefícios trarão para Cabo Verde todas estas iniciativas?
O "Cluster Mar", que se integra na nossa agenda de transformação do país, tem a ver com o aproveitamento de todas as potencialidades ligadas ao mar, desde a água, às pescas, às indústrias, ao turismo, aos desportos. Aqui, vejo a possibilidade de aproveitar todas estas potencialidades para criarmos empresas, gerarmos negócios, gerarmos empregos e criarmos novas dinâmicas que possam acelerar o ritmo de crescimento da economia cabo-verdiana. Em relação ao "Cluster Céu", temos os transportes aéreos, a nossa companhia aérea, os novos aeroportos em construção e queremos criar negócios e aproveitar esta dinâmica também para haver mais empresas e haver mais empregos em Cabo Verde. Esses são sectores que poderão contribuir para acelerar o ritmo de crescimento da economia cabo-verdiana nos próximos anos.
Transformar Cabo Verde num "hub" tecnológico é um sonho ou vai ser uma realidade?
Acho que vai ser uma realidade. Estamos a lançar as bases para a criação deste "cluster" tecnológico. Temos o Plano Estratégico para a Sociedade de Informação, temos o Plano de Acção para a Governação Tecnológica, temos o programa "Mundu Novu" e já lançámos as obras do parque tecnológico. Já há novas empresas que estão a surgir no domínio das tecnologias de informação e comunicação. Já estamos a gerir directamente o domínio ".cv" e, à volta disso, poderão surgir empresas e negócios e empregos. Está ao nosso alcance e estamos a trabalhar claramente neste sentido.
Passando agora para a questão das energias renováveis. Cabo Verde acabou de ver concedido, pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), 15 milhões de euros para o projecto das centrais eólicas nas ilhas de Santiago, Sal, São Vicente e Boavista. Quais são as metas das energias renováveis para Cabo Verde?
Até 2011, as metas são ter 25% de penetração de energias renováveis e 50% em 2020. Os quatro parques eólicos que vão ser construídos no Sal, Praia, São Vicente e Boavista integram um programa financiado pelo BEI (Banco Europeu de Investimento) e pelo BAD. É um programa de mais ou menos 65 milhões (de euros). O BAD financia 15 milhões e o BEI os restantes 50 milhões. São programas que já estão lançados, já há todo o financiamento e vamos arrancar imediatamente. E há o programa de energias renováveis, financiado por uma linha de crédito com Portugal no valor de 80 a 100 milhões de euros, que vai desenvolver um conjunto de projectos no domínio das centrais fotovoltaicas. As obras já se iniciaram aqui, na Praia e no Sal. Vai haver algumas experiências de iluminação em avenidas, aqui na Praia e em Santo Antão, e estamos a ver também a possibilidade de desenvolver estudos de geotermia para ver a possibilidade de produção de energia geotérmica também em Cabo Verde. Há a micro geração em prédios públicos, que vamos também desenvolver a nível do país, e, nesse sentido, vamos aprovar uma lei que vai permitir a micro geração de energia por famílias e empresas. Tal generalizará a produção de energias renováveis em Cabo Verde.
E para quando esta nova lei?
Este ano estaremos a lançar todos esses programas e projectos e a lançar um grande apelo aos cidadãos, às empresas e à sociedade cabo-verdiana para aproveitarmos toda esta potencialidade que temos no domínio das energias renováveis, sobretudo o sol e vento, para produzirmos energias limpas.
Portugal é e sempre foi um parceiro importante na cooperação com Cabo Verde. Vai continuar a ser assim? É um destino?
Portugal é um parceiro estratégico de Cabo Verde. Nos últimos anos houve um aumento extraordinário nas relações económicas e empresariais com Portugal. Portugal tem tido um papel fundamental no financiamento de projectos estruturantes para o desenvolvimento de Cabo Verde e penso que, em breve, vamos dar um salto muito grande, pois irei efectuar uma visita oficial a Portugal. Temos parcerias que têm funcionado muito bem. A CV Telecom, todo o grupo da Caixa Geral de Depósitos em Cabo Verde, por exemplo. De modo que as coisas estão a funcionar muito bem. São relações de um nível de excelência e temos condições de continuar nesta linha.
Quais são as datas da visita a Portugal?
Estarei em Portugal de 8 a 13, sendo que a visita oficial será 8 e 9, mas participarei nas festas do Dia de Portugal e outras comemorações.
Há a informação de que há cerca de sete mil empresas portuguesas que estão em Cabo Verde, maioritariamente em parceria com empresas cabo-verdianas. O que é que representa este número?
É uma presença muito forte. Mesmo o volume de negócios com Portugal tem aumentado muito e ultrapassa até a dimensão do país, se compararmos o peso relativo das trocas comerciais, das parcerias e dos negócios que são realizados entre os dois países. Penso que devemos continuar a trabalhar para reforçar estas parcerias que existem. A presença de empresas portuguesas em Cabo Verde tem feito um trabalho a todos os títulos muito bom e devemos encorajá-las e acompanhá-las, para que estas empresas sejam cada vez mais fortes e competitivas.
Mudando radicalmente. O que é que falta, no seu entender, fazer até ao final desta legislatura (termina em Janeiro de 2011)? O que é que ainda está por fazer até lá?
Estamos fundamentalmente a cumprir. Até ao final da legislatura, vamos ter o país 95% electrificado, vamos arrancar com o programa "Casa Para Todos", teremos o programa "Mundu Novu" em plena implementação, teremos o essencial das energias renováveis já a funcionar, teremos grandes barragens novas em construção, teremos muitos milhões de metros cúbicos de água que poderão por esta via ser mobilizados; teremos as bases essenciais para a industrialização da cultura e uma maior participação da cultura no PIB (Produto Interno Bruto) nacional e Cabo Verde estará com os alicerces para o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação. O essencial dos nossos objectivos para esta legislatura estará cumprido se descontarmos todos os impactos da crise internacional na economia cabo-verdiana.
OJE Cabo Verde - 1º Aniversário
OJE CABO VERDE TROUXE "GRANDE ENRIQUECIMENTO" À ECONOMIA CABO-VERDIANA
José Maria Neves defende que o OJE Cabo Verde, nas bancas no arquipélago há precisamente um ano, trouxe "um grande enriquecimento" à economia e aos empresários cabo-verdianos. "Acho que é um enriquecimento grande pelos temas que o OJE Cabo Verde aborda e pela interdisciplinaridade das questões. Mais, permite a troca de informações entre o espaço lusófono, o que é extremamente importante para o desenvolvimento de negócios, para a criação de empresas e para a construção de factores de competitividade". O chefe do executivo cabo-verdiano acredita que o OJE Cabo Verde tem sido "mais um contributo" para a criação de condições para "mais dinâmica económica, mais empresas, mais negócios e mais competitividade em Cabo Verde".
OJE.PT-Por José Sousa Dias (texto) e Omar Camilo (fotos), da Agência Lusa

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