quinta-feira, 24 de junho de 2010

CABO VERDE: ENSAIANDO A TRAGÉDIA GREGA-POR PAULO MONTEIRO JR(LIBERAL)

 PRAIA-Qualquer observador da situação das finanças públicas cabo-verdianas está a ver bem o filme no qual o actor principal é o Governo José Maria Neves.
O forte apoio financeiro externo que a situação das finanças públicas da Grécia tornou necessário e o “risk premia” soberano a atingir níveis historicamente elevados noutros países vêm colocar ênfase, mais uma vez, na importância de políticas orçamentais prudentes. Os decisores políticos deviam preocupar-se com esses sinais. Mas a sua coincidência com as eleições conduz, por vezes, a arbitragens erradas respeitantes às finanças públicas na perspectiva do País.
A natureza laxista do Orçamento do Estado para 2010, os indicadores da sua execução já conhecidos e severas turbulências na envolvente externa mostram que caminhamos para uma tragédia grega depois das eleições. O Governo repete sem parar as mesmas promessas e lança as primeiras pedras para as obras públicas sabendo que no “day after” terá de suspender ou adiar investimentos públicos que potenciam o aumento das importações e o agravamento do endividamento externo avulso.
As semelhanças entre a nossa situação e a da Grécia localizam-se nos seguintes indicadores: (i) grande parte do nosso financiamento é externo; (ii) a relação entre o défice público e o produto interno bruto (PIB) está nos dois dígitos (ou seja, pelo menos 10% do PIB); (iii) a relação entre a dívida do país e o PIB está nos três dígitos (de pelo menos 100% do PIB). Não obstante esta realidade crua o Governo entretém-se em longas viagens ao estrangeiro com grandes comitivas e em plena… campanha eleitoral.
Depois de anunciar que estávamos “blindados”, entrámos, em 2010, na crise internacional, com um nível de despesas públicas perigosamente elevado: 41 % do PIB (OE-2010). A previsão do défice público é de 12,2 por cento do PIB para 2010. Este valor do défice é mais do que o quádruplo do prescrito no Acordo de Cooperação Cambial (ACC: o artigo 104ºC do Tratado de Maastricht estabelece um valor de referência para o défice global de 3% do PIB que não deve ser ultrapassado). O crescimento demasiado rápido da dívida pública externa, a assumida mais a disfarçada, pode fazer com que a dívida pública total ultrapasse, no final do corrente ano, 90 por cento do PIB. É um valor claramente acima da referência estabelecida para a dívida pública total em percentagem do PIB: 60% do PIB. E não são necessários grandes conhecimentos de economia para saber que estes valores não caíram do céu, sendo outrossim o resultado de muita investigação empírica. Aplicam-se, com ligeiros ajustes, a qualquer economia, seja qual for a sua estrutura e o comportamento dos agentes económicos. Assim, nos países africanos da UEMOA, para além do critério-chave que estabelece que a balança fiscal de base deve estar pelo menos em equilíbrio, impõe-se, nomeadamente, que o défice da conta corrente (excluindo donativos) não ultrapasse 5 % do PIB e o rácio entre a dívida total e o PIB não ultrapasse 70 por cento (cf. Tratado da UEMOA).
Como outros países que sofreram uma forte deterioração nas suas finanças públicas e experimentaram desequilíbrios externos crescentes, Cabo Verde enfrenta, em 2010, um forte agravamento do défice da conta corrente da balança de pagamentos. O FMI prevê que o défice externo atingirá, em 2010, um valor equivalente a 25% do PIB (cf. FMI, WEO,Abril 2010). É um valor insustentável, seja qual for o padrão. Ademais, a forte redução do investimento directo estrangeiro (IDE) faz com que este défice tenha de ser financiado, em grande parte, por empréstimos externos.
Com o endividamento elevado e crescente aumentam os seus efeitos negativos sobre o crescimento (e a criação de emprego). A teoria económica apresenta três canais principais através dos quais o endividamento público pode afectar o crescimento (e a criação de emprego): (i) efeito dito de “crowding out” do investimento privado, porque as poupanças nacionais são reduzidas e a taxa de juro aumenta; (ii) aumento no “risk premia” pago pelo Estado o qual aumenta os encargos com a dívida; (iii) aumento nos impostos distorcionários que são necessários para o serviço da dívida.
Chegaremos ao final dos dez anos de governação de José Maria Neves mais endividados e com graves desequilíbrios macroeconómicos. O País precisa de um novo governo para desenvolver e implementar uma estratégia para a redução do défice e da dívida do Estado a fim de aumentar o potencial de crescimento sustentável e de criação de emprego.
Paulo Santos Monteiro Jr.
Prof. do ISCJS
http://liberal.sapo.cv/noticia.asp?idEdicao=64&id=29468&idSeccao=543&Action=noticia

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