domingo, 28 de novembro de 2010

ENTREVISTA COM CARLOS VEIGA-Por Expresso das Ilhas

Carlos Veiga: “Estamos num plano descendente para o abismo”

MINDELO-No rescaldo de uma semana de visita a São Vicente, o presidente do MpD fez em exclusivo ao Expresso das Ilhas o balanço do seu périplo pela ilha. Carlos Veiga defende que o Estado deve estabelecer prioridades no investimento público, privilegiando a criação de emprego.
Nesta pré-campanha tem visitado o arquipélago. Encontrou traços comuns entre as diferentes ilhas?
Existem três problemas fundamentais. O desemprego massivo e generalizado, a habitação degradada de famílias sem recursos e a questão da juventude, designadamente a extrema dificuldade de aceder a apoios escolares para as famílias sem recursos. Esses três aspectos acabam por conduzir à situação que temos hoje.
As pessoas não têm rendimentos e estão completamente dependentes de outros ou do Estado e, perante isto, o governo, em vez de resolver estes problemas, prefere imputar responsabilidades às câmaras municipais. Se não há emprego, a culpa é das câmaras. Não há bolsas de estudo ou apoios escolares, a culpa é das câmaras. As casas estão a cair, as câmaras é que têm de as arranjar.
O Primeiro-Ministro tem defendido que as pessoas não podem esperar que o Estado lhes resolva todos os seus problemas. Não concorda com esta visão?
Isso é uma forma de desresponsabilização. Agora, você tem é de criar políticas que criem emprego. E políticas criadoras de emprego são políticas que incentivam o surgimento de empresas, o crescimento das empresas, o desenvolvimento da actividade económica.
Isso não existe. O Estado sufoca a actividade económica com taxas e impostos excessivos, com uma burocracia inultrapassável e com todo um discurso a dizer que os empresários são uns aldrabões. Ora, se você não abre um espaço à iniciativa privada e às empresas, é claro que não há emprego e não há desenvolvimento.
Por outro lado, tem de haver também uma política activa de emprego. Uma política que, através de uma parceria com as câmaras municipais, contribua para o desenvolvimento social. Falo de obras de grande intensidade de mão-de-obra, capazes de promover realizações que são importantes para as sociedades, em termos de desenvolvimento social, como arruamentos, estruturas colectivas de equipamento social. Equipamentos que fazem falta um pouco por todo o Cabo Verde.
No seu entender, isso permitirá diminuir a tal dependência?
É evidente que se as pessoas têm um emprego, têm um rendimento, um salário no bolso, elas arranjam as suas casas, elas apoiam os seus filhos, fazem muitíssimo com o pouco que conseguem com a sua actividade.
O senhor Primeiro-Ministro não tem razão. Não há políticas que favoreçam o emprego e a iniciativa privada. Os investimentos públicos que o Governo decidiu fazer não geram emprego, nem o crescimento da economia e, portanto, não resolvem o problema.
Este ano, a economia deve crescer na casa dos 4 a 5 por cento. Este número deixa-o satisfeito?
Só as remessas de imigrantes são suficientes para atingir esse valor. Nós pensamos que a economia, para gerar emprego, tem de crescer na casa dos 8 por cento e se possível mais.
A economia está demasiado dependente das ajudas externas?
Já não são só ajudas. Todo o esquema que é organizado coloca-nos numa dependência muito maior. Os investimentos são feitos com empréstimos externos que não contribuem para o desenvolvimento empresarial cabo-verdiano, não criam emprego e não impulsionam a actividade económica no curto prazo. Portanto, acabam por não ter reflexos na vida das pessoas.
Mas não é legítimo que quem empresta dinheiro imponha as suas condições?
Toda a gente quer internacionalizar as suas empresas e isso é legítimo, mas o governo de Cabo Verde tem de saber negociar. Temos de ser capazes de criar um ambiente que faça crescer a actividade económica e torne a actividade atractiva para as empresas, porque são elas que vão criar emprego.
Mas objectivamente, existe alternativa à fórmula de financiamento usada?
Claro que existe. Temos de fazer opções. Se o desemprego é uma prioridade, temos de combater o desemprego. Se calhar há estradas que eu não asfaltaria, neste momento, e ia por uma outra via que criasse mais emprego.
Se calhar, eu poderia fazer um empréstimo, não para fazer uma das pernas da circular da praia, onde andam 10 carros por dia, se tanto, mas para a requalificação urbana da capital. Se calhar, não fazia a estrada Baia - Calhau e usava o dinheiro para fazer outras coisas aqui em São Vicente. Por exemplo, para fazer aquilo que a câmara está a fazer com o empréstimo a que teve de recorrer.
O que eu digo é que temos de ser mais selectivos. Precisamos de coisas que produzam riqueza a curto prazo.
Como é que interpreta os últimos dados da situação macroeconómica do país?
Estamos a chamar a atenção para isso há muito tempo. Se fizer a revisão do que o MpD disse, na altura da apresentação e discussão projecto de Orçamento de Estado para 2010, verá que nos pronunciámos sobre o endividamento e sobre o défice.
Ao longo de todo este tempo, o Governo andou a esconder a verdade aos cabo-verdianos. Nós sabemos que vamos ganhar as eleições e encontrar uma situação muito difícil, com uma margem de manobra muito pequena, mas sabemos que vamos conseguir ultrapassá-la. Já o fizemos antes e vamos fazer outra vez.
Vamos ter muita coragem e tomar medidas de contenção de despesa. Não podemos ter um défice de 15 por cento. Repare que nós temos um acordo de cooperação cambial que nos diz que o nosso défice não deve ultrapassar os 3 por cento e a nossa dívida não deve ultrapassar os 60 por cento. Hoje vai nos 100 por cento. Isso significa que, inclusivamente, podemos estar a pôr em risco esse mesmo acordo.
Considero positivo que o Banco de Cabo Verde comece a chamar a atenção para este tipo de problemas. Estamos num plano descendente para o abismo e esse é que é perigo.
No seu último comício prometeu a instalação do Ministério do Mar em São Vicente. Que papel pode ter o sector das pescas na economia nacional?
Tivemos oportunidade de falar com os armadores de pesca daqui de São Vicente e eles fizeram-nos um retrato muito negativo do sector. Falta tudo. As infra-estruturas de frio que existiam e que, apesar de antiquadas e obsoletas, funcionavam, acabaram por desaparecer. Foi prometido que em dois meses o problema seria resolvido, já vamos em mais de dois anos e não se vê a perspectiva de uma resolução.
Não há barcos. Os barcos que existem são obsoletos e não são capazes de pescar muito distantes de terra. Não há crédito, não há novas tecnologias de pesca. Portanto, há todo um conjunto de problemas que acabam por fazer com que o sector esteja no seu ponto mais baixo.
Qual é que deve ser a prioridade? A modernização da frota?
É evidente que temos de trabalhar na modernização da frota e o Estado terá de entrar nesse esforço. Ao mesmo tempo, teremos que ser capazes de formar pescadores. É por tudo isto que nós propomos que o Ministério do Mar se situe em São Vicente. O mar tem de ser tratado de forma integrada e São Vicente é a ilha onde estão reunidas as condições para que isso seja possível. Não é possível termos uma fábrica com capacidade para processar 30 toneladas de peixe por dia e nós não sejamos capazes de fornecer nem 20 por cento do que ela precisa.
Muitos operadores económicos queixam-se também da falta de uma rede de transporte marítimo. O Estado poderá desempenhar um papel mais activo para a resolução deste constrangimento?
Um dos grandes constrangimentos que nós temos é a unificação do nosso mercado interno pela via marítima. O transporte marítimo é o transporte mais adequado para podermos unir as ilhas. Por vezes, temos uma situação em que temos produção numa ilha e não conseguimos coloca-la noutra ilha que tem falta.
O nosso programa eleitoral já identificou esse ponto como um dos maiores constrangimentos do país e vamos trabalhar nessa matéria. Há necessidade de modernização da frota e o Estado tem que intervir nessa matéria, em parceira com os privados. A questão de unificação do arquipélago é uma questão de serviço público e o Estado deve participar como operador directo, em parceria ou concessão.
Como é que encara a relação entre o Estado e as autarquias locais?
O Governo ideologicamente e politicamente não é favorável à descentralização. Nós somos. Nenhum governo poderá governar Cabo Verde apenas a partir da Praia. Existe uma relação de proximidade entre as câmaras e as pessoas que é preciso saber explorar, de forma construtiva, através de parcerias. Quando as pessoas têm dificuldades, a primeira porta onde batem é a da sua câmara municipal.
Que mudanças propõe?
Teremos um governo que aposta na regionalização. Queremos que as ilhas tenham poder de opção e de decisão e que tenham recursos e poderes jurídicos para fazerem as coisas andar. Em segundo lugar, vamos dar muitos mais recursos às estruturas descentralizantes, seja às ilhas ou aos municípios, porque temos a consciência de que só assim vamos chegar às pessoas.
A segunda diferença é que nós não iremos partidarizar essas relações, nem iremos partidarizar a administração pública.
Como tenho dito, vamos limitar ao mínimo os cargos de confiança política. Vamos fazer uma distinção clara entre função política e de direcção administrativa e só chegarão a funções de direcção administrativa aqueles que, para além da formação superior, sejam capazes de passar pela formação no chamado Conselho da Republica, que nós queremos que seja uma escola de excelência.
Nuno Andrade Ferreira, Redacção Mindelo
http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/go/carlos-veiga---estamos-num-plano-descendente-para-o-abismo

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