sábado, 14 de janeiro de 2012

CV(Expresso)Opinião: Um olhar sobre o comportamento míope da autoridade orçamental/fiscal cabo-verdiana

A situação económica em Cabo Verde sugere claramente que nos últimos anos, num contexto de sobreposição de uma crise financeira internacional e de um ciclo eleitoral caboverdiano, a autoridade orçamental/fiscal actua com um "twin deficits biais". Notemos que 2011 foi ano de eleições legislativas e presidenciais e que no primeiro semestre do corrente ano há eleições autárquicas e, portanto, os orçamentos do Estado não podiam deixar de ser orçamentos eleitoralistas. 

Devese também sublinhar que o comportamento da Autoridade orçamental/fiscal negligencia normas importantes como as estipuladas no Acordo de cooperação cambial (ACC) firmado a 13 de Março de 1998 entre Cabo Verde e Portugal (e reconhecido pelas Autoridades da União Europeia). O ACC impõe restrições em termos, por exemplo, de valores de referência para o défice orçamental e a dívida pública e a credibilidade do regime cambial (peg fixo unilateral ao euro) exige um valor mínimo de reservas cambiais (cerca de cinco meses de importação de bens e serviços).

No início de 2012, ano de muita incerteza e riscos, o Banco de Cabo Verde (BCV), num Nash game com a Autoridade orçamental/fiscal, começa a aplicação de impulsos na política monetária a fim de defender um dos seus dois objectivos principais: um valor desejável para as reservas cambiais para reforçar a credibilidade do regime cambial vigente em Cabo Verde. Estes impulsos na política monetária através de aumentos nos instrumentos coeficiente de reservas obrigatórias (passando de 16% para 18%) e das taxas directoras (taxas de juro de curto prazo dos instrumentos de intervenção) tornaram óbvia e imperiosa a necessidade de travar e idealmente inverter a redução das reservas externas líquidas do BCV (próximo de dois meses de importação de bens e serviços) e iniciar um novo ciclo na economia caboverdiana.

Todavia, o paradigma teórico dominante ensinanos que a eficácia destes impulsos de política monetária depende de uma sólida envolvente macroeconómica e de uma estrutura microeconómica eficiente. No que diz respeito à envolvente macroeconómica interna, o défice público em percentagem do PIB instalouse nestes três últimos anos acima de dois dígitos. Em 2010, o défice público situouse em 11,1 % do PIB e a estimativa de execução orçamental de 2011 aponta para um défice público acima dos 10%. Para 2012, com fortes riscos de execução orçamental, quer do lado das receitas quer do lado das despesas do sector público administrativo alargado (SPAL), o défice público em percentagem do PIB continua acima dos dois dígitos. Este desequilíbrio orçamental excessivo reflectese nos valores elevados do défice da balança de pagamentos (twin deficits). Não vi ainda os valores do défice da balança de pagamentos (soma das contas corrente e de capital) para o ano de 2011 como um todo, mas estimativas do BCV para os nove meses do ano (JanSet.) indicam uma forte deterioração (37%) quando comparado com o período homólogo de 2010. De realçar que o Fundo monetário internacional projecta para o ano todo um défice da balança de pagamentos de 14,9 por cento do PIB, claramente acima do valor verificado um ano antes: 10,2% do PIB.A instalação do défice da balança de pagamentos (soma das contas corrente e de capital) acima dos dois dígitos persiste desde o ano 2008 e é obviamente insustentável seja qual for o standard, ainda mais para um país com uma divida pública consolidada muito elevada. Parte deste défice da balança de pagamentos será coberto pelo investimento directo estrangeiro (IDE). Mas com a forte redução do IDE, a maior parte dele será financiado por empréstimos externos. A dívida pública do SPAL, somando à oficial os passivos das empresas públicas, excede a riqueza criada pelo país em cada um destes anos.

A envolvente macroeconómica externa, em particular dos países da Eurozona, apresentase para 2012 muito desfavorável. Todas as previsões (EU, OECD, IMF) apresentam uma situação sombria. As economias dos PIGS (Portugal, Itália, Grécia, Espanha) contraem fortemente em 2012 enquanto a Alemanha e a França terão um crescimento anémico, de 0.6% e abaixo de 0.5%, respectivamente. O Reino Unido estará na mesma situação dos dois maiores membros da Eurozona. Ademais, a saída da crise da dívida soberana e o aprofundamento da União monetária na Eurozona através da criação da união orçamental/fiscal, reforço dos sistemas bancários, papel mais activo e completo do Banco Central Europeu (BCE) e políticas de correcção das divergências de competitividade introduzem uma incerteza penetrante no enquadramento externo.

Além disso, a política monetária, no caso caboverdiano, apresenta características peculiares resultantes não só de um conhecimento limitado da estrutura precisa da economia (modelo e seus parâmetros) mas também dos canais de transmissão da política monetária, dos "lags" da transmissão dos impulsos da política monetária à economia e, the last but not the least, da estrutura do sistema bancário caboverdiano (quasimonopolística, tendo em conta a parte do mercado do Grupo BCA+Interatlântico). Daí, muito incerteza quanto ao impacto (i.e., efeitos preço e quantidade) da utilização do coeficiente de reservas obrigatórias como uma ferramenta maior do controlo monetário num Nash game com a Autoridade orçamental/fiscal.

Em suma, a política orçamental/fiscal seguida nestes anos de crise conduziunos a um caminho inviável, compreendido pelo BCV e sentido há muito pelo sector privado (crowding out).

Entrámos na crise internacional com a nossa crise. Vamos sair com a parte nacional da crise agravada, em particular o nosso sistema financeiro com o recente spill over da BVC e mais endividados. É tempo de começar a implementar as medidas de saneamento das finanças públicas e institucional e de lançar a âncora na Eurozona através do aprofundamento do ACC.
Paulo MONTEIRO Jr. 
Prof. de Economia no ISCJS
http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/go/opiniao--um-olhar-sobre-o-comportamento-miope-da-autoridade-orcamental-fiscal-cabo-verdiana

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