quinta-feira, 26 de abril de 2012

CV(ASemana):Lavagem de capital na operação Lancha Voadora: Dinheiro vivo e transferências para paraíso fiscal




PRAIA-Informações recolhidas por A Semana desvendam como três empresas envolvidas no caso Lancha Voadora faziam para “lavar” dinheiro alegadamente do tráfico de droga.
Três das cinco empresas acusadas pelo Ministério Publico no processo Lancha Voadora terão montado um complexo esquema de lavagem de capital, que tinha como um dos principais pivots a Aurora International Enterprises & Ventures, uma sociedade gerida pelo empresário cabo-verdiano José Teixeira, dono da imobiliária Editur. A empresa está registada no Estado norte-americano de Delaware, mas é apontada como o canal secreto que permitia a entrada em Cabo Verde do dinheiro resultante da venda de carregamentos de droga enviados para a Europa, a partir do nosso país, pela rede de narcotráfico supostamente liderada pelo arguido Paulo Ivone Pereira. Os milhões de euros eram depois aplicados em negócios chorudos que envolviam transacções principalmente entre a ImoPraia e a Editur, mas também com a Auto Center. Aliás, A Semana apurou que o verdadeiro dono da empresa que comprou a “lancha voadora”, usada no transbordo dos 1501,3 quilos de cocaína pura apreendida pela Judiciária na cidade da Praia, é Paulo Ivone Pereira e não Veríssimo Pinto, como o próprio ex-Presidente da Bolsa de Valores levou muita gente a acreditar. Pereira, apurou este jornal, detinha 59% das acções e foi ele quem financiou a compra da embarcação, em quinze mil contos.

O esquema usado nesta suposta lavagem de capitais é complexo, mas resume-se assim: duas empresas offshore caribenhas, a Viscount Holdings Limited e a Roscomon Ltd, criaram a sociedade Aurora International Enterprises & Ventures, LLC e registaram-na em Delaware, aproveitando certas facilidades legais concedidas a empresas estrangeiras por esse Estado norte-americano. Mas, apesar de pertencer a duas empresas das Caraíbas e estar registada na América, a Aurora International tinha Cabo Verde como o seu mercado preferencial.

Delaware e banco offshore Crédito Agrícola Mútuo

Logo no dia em que criaram a Aurora International em Delaware, os administradores da Viscount e da Roscomon passaram uma procuração ao empresário cabo-verdiano José Teixeira, dando-lhe plenos poderes para administrar a novel sociedade. Com a empresa nas mãos, Teixeira abriu, na cidade da Praia, uma conta no banco offshore Crédito Agrícola Mútuo – Sucursal Financeira Exterior de Cabo Verde, onde passou a receber depósitos de milhares de contos, enviados a partir da Síria por um cidadão desse país chamado Kaís Saab. Os montantes ora eram repassados para uma conta pessoal de Teixeira, ora depositados no nome da imobiliária Editur.

Até aqui, tudo parece normal, se não forem levados em conta os cifrões exorbitantes dos depósitos. Acontece, no entanto, que o dinheiro transferido pelo sírio Saab era, nem mais nem menos, para pagar à Editur as compras de apartamentos feitas pela ImoPraia. Esta pertencerá a Paulo Pereira, apesar de inscrita no nome da sua irmã Ernestina Pereira e da sua mãe Ivone Semedo. Parte dos quase cem apartamentos que a ImoPraia comprou à Editur foi paga com os milhões de euros enviados pelo sírio Kaís Saab para a Aurora International, como quem diz, para José Teixeira.

No apogeu dessa relação, a ImoPraia chegou a realizar em 2007 duas grandes operações com a Editur. Em 2009 adquiriu ainda um extenso lote de terreno ao empresário José Teixeira. Paralelamente, a empresa de Paulo Pereira comprou um outro grande tracto de terreno à empresa pública IFH, por duzentos mil contos, pagos em prestações.

Em Abril de 2007, a ImoPraia, com um capital social de apenas cinco mil contos, comprou à Editur um complexo habitacional e comercial, ainda em construção na Achada de Santo António, por qualquer coisa como trezentos mil contos. Cinco meses depois, as duas imobiliárias voltaram a fechar negócio, quando a ImoPraia adquiriu o condomínio Atlântico, na Cidadela, pela “módica” quantia de quinhentos mil contos. De novo, adquiriu todo o complexo ainda em fase de construção. Dois anos depois, a ImoPraia tornou-se proprietária de um lote de terreno antes pertencente a José Teixeira, após desembolsar cerca de trinta mil contos. O negócio foi feito através de Ernestina Pereira, irmã e procuradora de Paulo Pereira.

"850 mil contos em transacções"

Tirando o valor pago ao IFH, os acordos comerciais efectuados entre a ImoPraia e a Editur atingiram um valor estimado de 850 mil contos, mas apenas uma pequena parcela foi paga por Kaís Saab através de transferências bancárias. O grosso, quase 600 mil contos, foi entregue a José Teixeira em dinheiro vivo, mais propriamente em euros. Com tanto dinheiro na mão, e para não dar nas vistas, Teixeira começou a trocar os euros por escudos cabo-verdianos em quantias de mil, cinco mil e dez mil euros, em vários bancos comerciais. Num só e mesmo dia, fez uma série de operações do tipo usando várias pessoas, entre elas o funcionário da Editur Nilton Jorge, constituido arguído no processo. Conforme apurou este jornal, desses 600 mil contos, apenas 130 mil contos foram trocados ou depositados nas contas da Editur e de José Teixeira. Os restantes, cerca de 470 mil contos, foram levados em malas para um banco no estrangeiro. Todo o papel desempenhado pela Aurora International nesse alegado esquema de lavagem de capitais tem muito a ver com o facto de essa empresa offshore ter sido registada no Estado de Delaware, que concede facilidades únicas a determinadas categorias de empresas de capital estrangeiro. Numa pesquisa efectuada por este jornal na internet, deparamos com um artigo promocional intitulado “Delaware: a capital mundial das empresas” e que estimula os empresários a escolherem esse destino para sediarem as suas sociedades de negócios.

De uma forma muito elucidativa, o texto informa que o Estado de Delaware permite ao interessado estabelecer Empresas de Responsabilidade Limitada, “com discrição nas suas actividades comerciais...” A seguir, o artigo elenca uma série de vantagens concedidas a empresas domiciliadas nesse território norte-americano, entre elas a isenção de impostos sobre acções pertencentes a pessoas não residentes, a possibilidade de a empresa manter seus livros e registos fora desse Estado e de poder ter endereço comercial e instalações também fora da América. Mas os “pontos positivos” não ficam por aqui: não é preciso ter cidadania norte-americana para se registar uma sociedade comercial em Delaware, e ela pode ser vendida facilmente, sem burocracia e sem quaisquer consequências não há multas nem impostos.

Este último ponto é que explica o facto de a Aurora International ter sido constituída e trespassada a José Teixeira em pouco tempo. Bastou para isso uma procuração dos responsáveis da “Viscount” e da “Roscomon”. Com o controlo nas mãos, Teixeira abriu uma conta no banco offshore Crédito Agrícola, na cidade da Praia, e passou a receber depósitos de valores avultados, que, em princípio, não eram do conhecimento do Banco de Cabo Verde.

Kaís Saab, o sírio da rede


O sírio Kaís Saab, soube este jornal, era um elemento influente na rede internacional de narcotráfico e de lavagem de capital integrada por Paulo Pereira e outros cabo-verdianos. Saab era uma espécie de tesoureiro, que seguia instruções supostamente emanadas da cidade da Praia. Assim como depositou valores exorbitantes para dar cobertura às transacções efectuadas entre a ImoPraia e a Editur, chegou a reembolsar Paulo Ivone Pereira por um empréstimo de 15 mil contos que a ImoPraia fez à empresa Auto Center para a compra da lancha usada no transporte da cocaína desembarcada em Cabo Verde.

Uma espécie de “negócio em família”, pois este jornal conseguiu descobrir que o verdadeiro dono da Auto Center é Paulo Ivone Pereira, e não Veríssimo Pinto, como muita gente chegou a pensar. Aliás, Pinto nem sócio era da sociedade. Pereira é accionista maioritário com 59% das acções, foi ele quem efectuou o primeiro depósito bancário na conta da Auto Center, no valor de quatro mil contos, que serviram como garantia para a importação das primeiras viaturas da empresa. Tudo indica, portanto, que Paulo Pereira era o verdadeiro “boss” das empresas e da própria organização criminosa desmantelada na operação Lancha Voadora.
Essa intervenção desencadeada pela Polícia Judiciária, recorde-se, culminou na maior apreensão de droga em Cabo Verde, quando os inspectores descobriram uma tonelada e meia de cocaína pura guardada num prédio na Achada de Santo António, no passado mês de Outubro. No seguimento das investigações, quinze pessoas e cinco empresas acabaram por ser acusadas pelo Ministério Público, grosso modo, dos crimes de associação criminosa para o tráfico, lavagem de capitais, tráfico internacional de drogas e posse de arma de guerra. O grupo dos arguidos é composto por Veríssimo Pinto, Paulo Ivone Pereira, Quirino dos Santos, Carlos Gomes Silva, António “Totony” Semedo, Ernestina “Nichinha” Pereira, Ivone de Pina Semedo, Luís Ortet – os únicos sob prisão preventiva –, José Teixeira, José “Djoy” Gonçalves, Jacinto Mariano, José Alexandre Oliveira, Nilton Jorge, Sandro Spencer e Nerina Rocha. As empresas envolvidas são a Editur, ImoPraia, Auto Center, Aurora International e Tecno-Lage, todas sediadas na Capital.

Sandro Spencer, Nilton Jorge e Nerina Rocha são funcionários da Editur e foram constituídos arguidos por o MP considerar que tentaram encobrir os actos do patrão, o empresário José Teixeira. Consta que Nilton Jorge foi o funcionário da Editur que trocou os euros por escudos em diversos bancos e que Sandro Spencer e Nerina Rocha eram os responsáveis pelos aspectos financeiros e contabilísticos.
http://asemana.sapo.cv/spip.php?article75358&ak=1

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