sábado, 7 de julho de 2012

Expresso:Entrevista com Ulisses Correia e Silva


“O mandato é para cumprir até ao fim” 


Ulisses Correia e Silva afirma que não faz cálculos sobre o seu futuro político, muito menos futurologia, "não tenho nenhuma bola de cristal", como gosta de dizer. A única certeza que avança é que nos próximos quatro anos só pensa na Câmara Municipal da Praia, cargo para o qual foi reeleito com 61,6 por cento dos votos. 

Nesta primeira entrevista pós-eleições, o autarca fala ainda das prioridades para o município, do tempo para a sua execução e sublinha que o governo deve ler com muita atenção os resultados do passado domingo. 

Expresso das ilhas - Sem falsas modéstias, os eleitores da Praia fizeram a melhor opção?

Ulisses Correia e Silva
 - Fizeram e nós já tínhamos todos os dados de que iam fazer esta opção. Fizeram-na pelo trabalho feito, visível em todos os bairros e em todos os locais onde interviemos, e também pela expectativa em relação ao futuro. Nós estávamos confiantes que iríamos ter uma vitória expressiva e isso acabou por concretizar-se.

Expectativas e garantias são feitas em todas as campanhas. Por isso, qual foi, para si, a chave da vitória?

A confiança em si e essa confiança tem por trás uma série de coisas. Primeiro, o trabalho feito, segundo, uma abordagem e uma forma de fazer política baseadas na responsabilidade e por isso não saímos nunca da linha traçada logo em 2008: governar a cidade com responsabilidade. Isto quer dizer que a cidade tem de ter regras, tem de ter disciplina, tem de ter expectativas positivas. Temos de desenvolver toda a cidade numa lógica de alto nível de qualidade e as pessoas acabaram por apreender isto. Mais, começaram a aperceber-se que fazem parte da cidade e nós quisemos sempre passar essa mensagem, a cidade não é mais do que os seus habitantes e as pessoas têm de contribuir de forma positiva para ela. Isso criou um sentimento de auto-estima, de participação e um reconhecimento que efectivamente tem de haver limites, tem de haver ordem, tem de haver organização, tem de haver disciplina para nós podermos tornar a cidade mais atractiva e competitiva. E quando as pessoas aderem dificilmente se consegue alterar esse quadro e a forma como os nossos adversários o tentaram fazer foi da pior forma, criando mesmo a sensação que seria um regresso ao passado, incentivando quase que à rebelião e à saída para as ruas para venderem onde bem entenderem. Os praienses já não querem isso, querem soluções organizadas e que a cidade cresça e se desenvolva de maneira ordenada e não com construções clandestinas e sem perspectiva de qualidade. 

Em nenhum momento chegou a pensar que a vitória poderia estar em causa?

Não, em nenhum momento. Até porque tínhamos dados, de sondagens que começámos a fazer há alguns meses e que tinham informações consistentes, davam-nos sempre a possibilidade de uma maioria qualificada. A meta que nós traçámos para estas eleições, eu não o disse durante a campanha expressamente, foi sempre conseguir um resultado superior a 60 por cento e acabámos por atingi-lo.

É um presidente que ficou conhecido por recusar fazer campanha permanente, aliás é sabido que chegou a ter problemas com o próprio MpD que considerava que algumas decisões seriam pouco populares. Neste momento, acha que já convenceu tudo e todos que essa é a linha a seguir?
É, sem dúvida, a linha a seguir, não só na Praia como em Cabo Verde. Não é uma propriedade minha, nem propriedade desta câmara, é uma questão de bom senso e de experiências comparadas. Que eu conheça, não há nenhum país nem nenhuma cidade que se tenham desenvolvido numa lógica de desorganização e falta de civilidade. E a falta de civilidade quando é transportada para a política é terrível, com o surgimento de acções de quase delinquência partidária. As pessoas devem ter a liberdade de escolher qual é o projecto que querem e nós sempre lutámos por isso. Primeiro, não se pode e não se deve partidarizar as instituições porque as pessoas estão acima dos partidos. Tem de se entender o partido como um instrumento de serviço público e não como um instrumento para se beneficiar a si próprio. Foi dessa lógica que quisemos partir e penso que o caminho será sempre esse, mais cidadania e a integração dos partidos políticos neste quadro. Por isso é que sempre tivemos o cuidado de dizer que não gerimos esta câmara em função dos votos, porque se governarmos em função dos votos vamos perverter o sentido das coisas. Governar só com o sentido dos votos faz com que não sejam tomadas certas medidas porque se atinge determinados interesses. Assim como não fizemos obras para a agradar a meia dúzia e que depois não deixam resultados estruturantes para a cidade. Preferimos a abordagem contrária porque sabemos que se o resultado for bom dá votos de certeza. Ou seja, o voto não é o objectivo do nosso trabalho mas a consequência desse trabalho. E é nessa lógica que vamos continuar nos próximos quatro anos.

"Vamos pressionar mais o governo"

Neste momento também conhece melhor os constrangimentos na relação com o poder central. Vai mudar a sua acção ou vai continuar a seguir a linha que tem seguido?
Vamos continuar a linha de actuação, naturalmente ressalvando algumas situações que acho importantes, até porque recentemente o Primeiro-Ministro teve uma intervenção a dizer que é preciso pressionar mais o governo. Então nós vamos pressionar mais o governo na resolução de questões estruturantes que a Cidade da Praia precisa resolver: a energia, as redes primárias de esgotos e água, o governo tem também de assumir as suas responsabilidades em relação ao crescimento do emprego, assim como deve dar mais possibilidade de formação aos nossos jovens porque as câmaras municipais não têm capacidade de suprir esse défice de disponibilização de bolsas de estudos ou de apoios ao pagamento de propinas, porque são responsabilidades do governo. Nessas matérias os munícipes podem contar connosco porque vamos pressionar o governo para que haja uma intervenção nestas áreas fundamentais.

E esses mais de 60 por cento de votos também lhe vêm dar mais força nas suas reivindicações?

Nós entendemos o seguinte, dá-nos mais força porque é uma vontade transmitida pelos cidadãos. Nós temos um mandato também para exigir mais do governo, exigir que o estatuto especial da Cidade da Praia seja uma realidade, é isso que os praienses querem e disseram-no, exigir que o quadro de relações financeiras entre o governo e os municípios, particularmente o da Praia, seja um quadro que permita mais recursos e a execução e a responsabilização do governo perante a cidade capital. Somos uma cidade que representa 27 por cento da população de Cabo Verde, contribuímos com cerca de 50 por cento do PIB nacional e temos uma comparticipação nos impostos nacionais de apenas 1 por cento. Há um quadro que precisa de ser alterado, não para canalizar todos os recursos para a Praia, porque não podemos desertificar os outros concelhos, mas para haver a devida compensação em relação à comparticipação que todos os cidadãos deste país fazem. Tem de haver uma justa distribuição dos recursos, até porque está provado que não conseguimos fazer crescer a economia nem diminuir o desemprego se continuarmos com esta política centralizadora por parte do governo. 
Só há condições de desenvolvimento se houver uma assumpção plena da descentralização, com todas as suas valências.

Nesta campanha o próprio Primeiro-Ministro, enquanto presidente do PAICV, empenhou-se muito na campanha, estando no terreno ao lado de Fernando Moeda. Esta é também uma vitória pessoal de Ulisses Correia e Silva frente a José Maria Neves?
Não torno as coisas pessoais, é uma vitória da Praia. Acho que conseguimos uma simbiose muito grande com os praienses e não quero defraudar essa relação, as pessoas confiaram em mim enquanto candidato a presidente da câmara, confiaram na equipa, no projecto e é essa a interpretação que eu faço.

Os desafios imediatos

Em relação ao mandato que se avizinha, quais vão ser os dossiers imediatos em cima da sua mesa?


Há coisas que estão pendentes, porque entrámos em período eleitoral, como finalizar todo o dossier sobre a concessão da linha de transportes rodoviários. Esse é um elemento muito importante porque vai permitir a reorganização do sector dos transportes públicos rodoviários em benefício das populações. Temos projectos que estão em curso, abrimos um recentemente que tem a ver com a drenagem da zona da Várzea que é uma prioridade absoluta e vamos assinar o contrato nos próximos dias. Temos uma série de outras actividades em curso que têm a ver com a ligação de água domiciliária e esgotos financiados pela União Europeia e que vai continuar. Depois, em termos de grandes prioridades, a Cidade da Praia vai apresentar-se com uma roupagem ainda melhor nos próximos quatro anos. Em relação à requalificação da frente marítima já temos um plano detalhado, pronto, para a zona de Quebra Canela, assim que for homologado pelo governo os investimentos irão avançar; toda a requalificação da praia da Gambôa está também já planeada e vai criar novas centralidades e nova qualidade quer turística, quer de entretenimento. Estamos com alguns projectos de construção de hotéis já com algum avanço, evidentemente investimentos privados, mas nós criámos condições para que acontecessem. Terminámos já o plano da expansão da cidade nas zonas do aeroporto até à fronteira com São Domingos e São Francisco que vai permitir a construção de novas zonas residenciais, um parque empresarial, um parque industrial, zonas de escritório e vamos continuar a reabilitar os bairros.

Durante a campanha deixou algumas garantias - praças digitais, calcetamento dos bairros, mais zonas pedonais - quando é que isso vai começar?
Muitos projectos já estão em curso. Estamos a requalificar a praça de Terra Branca, temos em curso todo um processo de requalificação de um outro conjunto de praças, vai ser uma prioridade porque precisamos de fazer zonas de lazer e de encontro. Os projectos das zonas pedonais na Achada de Santo António, quer do Largo do Eusébio, quer da rua da Bolsa de Valores, já estão prontos e vamos entrar agora na fase de mobilização de financiamentos. Quando fomos para as eleições, fomos já com o sentido na continuidade.
Mas falamos de que espaço temporal, um ano? Dois?

Diria um, dois anos, sim. Alguns projectos já estão mais avançados, mas diria que esse será o tempo. Por exemplo, a requalificação de Quebra Canela, dentro de dois anos, deverá estar terminada.
A pintura dos bairros também vai continuar?

Vai continuar. Por exemplo, o projecto do Bairro da Achadinha já está pronto, vamos entrar na fase da mobilização do financiamento e fazer um trabalho idêntico ao que fizemos em Lém Ferreira. Para além disso, nas próximas sessões da Assembleia Municipal vamos aprovar o Código de Postura, que também já está elaborado, e uma das regras que estabelecemos é a obrigatoriedade da pintura da fachada das casas. Porque não é um problema só de falta de rendimento é uma questão que se tornou quase cultural. As pessoas criaram apenas o conceito de interior da casa, mas agora vamos partilhar a parte exterior com a cidade e vamos exigir os acabamentos e a pintura. Com isso vamos melhorar a imagem cinzenta da cidade. Para além disso, está em curso todo o programa de legalização de casas, que lançámos a 1 de Novembro e que já teve milhares de adesões, que obriga também ao acabamento e à pintura das habitações. E quem não tiver recursos para fazer esses trabalhos, terá o apoio da autarquia.

Já decidiram a distribuição dos pelouros?

Vamos trabalhar nisso assim que tomarmos posse.

Numa análise às eleições de 1 de Julho, a nível nacional, considera que é uma grande vitória do MpD?

É, sem dúvida, uma grande vitória. Preservou as câmaras que tinha, com excepção de Porto Novo, portanto, penso que é mesmo uma grande vitória.

Mais do que o governo, foram os cabo-verdianos a fazer a leitura das políticas do PAICV

O governo tem de fazer uma leitura atenta deste resultado, uma vez que pode indiciar um grande descontentamento com as políticas do PAICV?

Acho que o governo já está a fazer e, mais do que o governo, acho que foram os cabo-verdianos quem já fez uma leitura, avaliando de forma positiva o trabalho que os autarcas do MpD fizeram e dando-lhes mais oportunidades para resolver os problemas.

Pode ser um caminho que poderá dar frutos dentro de quatro anos?

Nós vamos fazendo o caminho. Acho que o MpD não se deve apressar. As autárquicas são leituras que fazem das próprias autárquicas, assim como as presidenciais se devem fazer em relação às presidenciais. Depois têm de se construir as legislativas, ou seja, não há transferências automáticas de umas eleições para outras. Tem de haver a devida frieza na análise e construir soluções para chegarmos às legislaturas e ganharmos.

E Ulisses Correia e Silva, cumpre mais um mandato e depois avança para outros voos?

Não tenho nenhuma bola de cristal. Estou concentrado no mandato que os praienses me deram. Vou levar este mandato até ao fim, teremos as legislativas e as próximas autárquicas quase a coincidir, temos tempo suficiente para ver o que os praienses e os cabo-verdianos pensam relativamente ao futuro.

Mas, admite um terceiro mandato à frente da autarquia?

Este é para cumprir. O resto, como disse, não tenho bola de cristal, não sei o que se passará dentro de quatro anos. O meu compromisso é com este mandato.
7-7-2012
Jorge Montezinho, Redacção Praia

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