quarta-feira, 17 de agosto de 2011
CV(Espresso):Entrevista Jorge Carlos Fonseca: "Não quero ser amigo nem inimigo do governo, nem líder da oposição"
Jorge Carlos Fonseca é o vencedor da primeira volta das presidenciais. O candidato quer agora capitalizar o entusiasmo à sua volta para vencer no próximo dia 21. Como explica, agora o cenário está mais claro para os eleitores. De um lado, está um candidato, ele próprio, que se assume como um verdadeiro árbitro. Do outro, diz, está alguém que será um prolongamento do governo.
Expresso das Ilhas - Que análise faz do resultado que obteve?
Jorge Carlos Fonseca - Avalio este resultado como muito positivo. Ter 38 por cento, numa eleição presidencial com quatro candidatos, é um resultado muito forte. Claro que falei muito em ganhar à primeira volta e fiquei a doze pontos percentuais. Provavelmente, teria de haver outro tipo de condições. Menos abstenção. Uma data mais adequada à participação dos eleitores. Mas é um resultado que dá uma boa almofada. São mais de oito mil votos de diferença em relação ao meu adversário na segunda volta. E, sobretudo, porque creio que havendo uma taxa de abstenção superior a 40 por cento, há um território ainda vasto para alargamento e crescimento da candidatura. Agora, estando em confronto duas pessoas só, dois rostos, dois percursos, duas visões muito diferentes sobre o país e sobre o papel do Presidente da República, creio que é mais fácil a escolha do eleitor, porque sabe que eu e o meu adversário temos visões diferentes. Acho que agora, talvez mais claramente, represento a candidatura que pode ser o factor de equilíbrio do sistema político. Uma candidatura que representa um Presidente com uma voz diferente e autónoma da do governo. E, portanto, creio que vai ao encontro à expectativa da maioria dos cabo-verdianos, que querem ver um presidente diferente do governo. Por causa dos desafios que temos pela frente, é preciso um Presidente que coopere com o governo, que respeite os poderes do governo, mas que acrescente qualquer coisa, que seja uma voz construtiva, mas crítica. Ou seja, um moderador e um árbitro. E não se pode ser árbitro se for parte do jogo.
Na primeira volta chegou aos 38 por cento, mas agora a disputa a dois não será mais complicada?
Acho que a escolha, para o eleitor, é mais simples. Porque a quatro ainda pode haver factores de algum equívoco, neste momento não. Ou as pessoas querem um Presidente que é uma espécie de prolongamento do governo, no fundo, um ministro na presidência. Ou querem um verdadeiro Presidente da República, isto é, uma personalidade própria, com voz autónoma, independente. Que é capaz de dialogar com o governo, de dialogar com a oposição e de dialogar com a sociedade. Se for necessário, um Presidente capaz de juntar governo e oposição para se encontrarem soluções consensuais que o país possa precisar. E um Presidente que possa mobilizar meios próprios, competências próprias, que acrescentem mais valias à governação.
Um cenário de união do PAICV à volta de um único candidato preocupa-o?
Isso não me tira o sono. Sempre soube que o PAICV ganhou as legislativas, e mesmo assim concorri. São eleições diferentes. Estou optimista a partir do momento em que há uma disputa e eu ganho a primeira volta e estou em primeiro lugar, com uma vantagem de mais de oito mil votos. E temos de contar que houve uma taxa de abstenção elevada, há indecisos, e sobretudo, e insisto nesta ideia, agora estão em confronto duas pessoas que corporizam duas visões diferentes do país. Eu sou o candidato que pode falar, inequivocamente, da cidadania. Tenho um percurso de luta pela cidadania democrática. Estou fora da vida partidária há treze anos. Criei uma revista que se chama, precisamente, Direito e Cidadania, que organizou dezenas de iniciativas para a promoção da democracia, da cidadania, do direito das mulheres, do ambiente. Tenho feito palestras e conferências sobre a democracia. Portanto, tenho o meu percurso. E penso que hoje os cabo-verdianos sabem que o país precisa de equilíbrio. Em nenhuma democracia é bom que um partido tome conta de todas as esferas do poder. Muito menos numa democracia jovem e frágil como a nossa. Isso não seria bom para o país. Creio que dos dois candidatos o único que pode assegurar o equilíbrio sou eu, porque o outro candidato, até nos discursos que tem, diz que quer ser amigo do governo. Eu não pretendo ser nem amigo do governo, nem o devo ser, nem inimigo do governo, nem líder da oposição. Quero ser o Presidente de Cabo Verde. Não quero liderar a oposição, não quero liderar o governo, quero liderar a nação cabo-verdiana e ser o Presidente de todos. E quero, acima de tudo, ser o portador dos grandes desígnios de Cabo Verde, sobretudo os valores da liberdade, democracia, tolerância, respeito pela diferença, solidariedade social e justiça social. Penso que estou em melhores condições para ser esse Presidente de que o país necessita e a Constituição exige.
Um outro cenário, em que o PAICV não saia pacificado desta campanha, poderá beneficiá-lo no dia 21?
Isso não se sabe. Para já, tive um bom resultado, portanto haver dois candidatos do mesmo espectro político pelo menos não me prejudicou. Agora, há problemas que estão na área da governação, sobre os quais não me devo pronunciar. Só posso dizer que este cenário vem reforçar a ideia que Cabo Verde precisa de um Presidente que esteja fora dos confrontos partidários. Fora de disputas dentro dos partidos políticos. Porque há coisas urgentes a serem resolvidas e para isso é necessário um Presidente pacificador, que ajude na estabilidade política e na estabilidade do governo. Porque, o país precisa de muita coisa, não precisa, de certeza, é de uma crise política.
Ainda em relação à primeira volta. Fogo e São Vicente estão definitivamente perdidas?
Não. Fiz um bom resultado em São Vicente. Fiquei a 4 ou 5 pontos percentuais do Eng. Manuel Inocêncio, que é natural de lá e toda a gente dizia que ia ganhar à vontade. Portanto, São Vicente é uma ilha onde espero ganhar. A diferença é pequena e portanto vou disputar fortemente os eleitores abstencionistas, os eleitores que votaram noutros candidatos e até alguns eleitores que votaram no Eng. Manuel Inocêncio. Porque as pessoas também vão ouvir melhor a mensagem. Espero também que haja debates na televisão e na rádio, que são importantes para que os eleitores conheçam melhor os candidatos. Portanto, conto ganhar em São Vicente. No Fogo, posso dizer que esperava um resultado melhor. Mas, em São Filipe tive um bom resultado, o que quer dizer que não é de todo de excluir a possibilidade de vencer nesse concelho. A diferença é muito pequena.
Por falar em São Vicente, vai voltar a falar com a UCID?
Falo todos os dias com dirigentes da UCID. Possivelmente, se houver condições, falarei com o Eng. António Monteiro, com quem tenho relações muito cordiais. Mas, sobretudo, faço apelo aos cidadãos e aos eleitores, tanto da UCID, como do MpD, do PTS, os eleitores sem partido e mesmo os do PAICV. Mas, também posso dizer que me parece que seria natural que um eleitor da UCID votasse Jorge Carlos Fonseca, parece quase óbvio. E espero que os eleitores da UCID votem massivamente na minha candidatura.
Estas eleições mostram que, ainda hoje, são necessários os apoios dos partidos políticos para se vencer uma eleição?
A experiência mostra que, até agora, sem o apoio de um partido político forte, é difícil vencer umas eleições presidenciais, apesar de serem umas eleições de raiz suprapartidária. Talvez com o aprofundamento da cultura democrática, daqui a alguns anos, possa haver candidatos presidenciais que se apresentem sem o apoio de um grande partido e possam vencer eleições.
Quer dizer que a cidadania, na democracia, tem ainda um longo caminho a percorrer.
Um longo caminho. Já avançámos um pouco, mas a luta pela cidadania democrática exige determinação, preserverança, paciência, e estamos muito longe de ter um processo democrático perfeito. A nossa democracia ainda é frágil. Os pilares do Estado de Direito são igualmente frágeis. Não temos ainda uma justiça suficientemente forte e independente. Não temos uma opinião pública e uma imprensa suficientemente consistentes e livres. Daí um argumento adicional para que os cabo-verdianos não metam todos os ovos no mesmo balaio.
Ainda em relação aos partidos políticos. Esta vitória serviu também para "ressuscitar" o MpD?
(risos) Isso tem de perguntar ao seu líder. O que posso dizer é que o apoio do MpD foi importante. É natural que, com a mobilização que tiveram na minha campanha e tendo saído de umas legislativas onde foram derrotados, esta batalha tenha motivado e galvanizado o MpD. Mas é uma avaliação que não posso fazer, não estando dentro do partido.
De qualquer maneira havia alguns cépticos, dentro do partido, em relação à sua candidatura. Acha que os convenceu agora?
Às vezes exagera-se o facto de haver alguém a pôr reticências. Era uma voz ou duas. Nunca esperei apoio unânime, isso não há em democracia. Nem eu nunca quis uma passadeira vermelha. Agora, para ter o apoio do MpD tive de trabalhar. Para o reforçar e alargar, tive de trabalhar também. Portanto, penso que esta vitória é capaz de motivar ainda mais eleitores que estavam indecisos, reticentes, e até tenho sinais disso. De domingo até hoje tenho recebido muitos contactos, há uma galvanização maior, entusiasmo, mais crença na vitória. E isso é bom para a minha candidatura, naturalmente.
Entretanto, na noite eleitoral, a mandatária nacional de Manuel Inocêncio desvalorizou a sua vitória perante um PAICV dividido. Estão a começar os jogos psicológicos?
Não. Limitou-se a fazer o seu papel. Não podia dizer ‘estamos perdidos', não é verdade? Conheço bem a Dra. Cristina Fontes, e acho que fez o seu papel de mandatária. Parte em segundo lugar, com uma diferença de oito mil votos, num contexto político e partidário que ela conhece. Portanto, teve de fazer este discurso para animar as hostes, para tentar ganhar. Mas, até por ser pessoa das minhas relações, podia ter sido mais simpática.
Nesta nova fase de campanha em que vai consistir a sua estratégia?
Temos de fazer ajustamentos. Até porque antes tinha três adversários e agora só tenho um. Vamos privilegiar uma campanha pela positiva. Vou continuar a falar dos problemas de Cabo Verde, do crescimento da economia, do desemprego, da segurança, da justiça, da juventude, da violência doméstica, da promoção da igualdade de género, de cultura dos valores. Ainda hoje [ontem] fiz uma visita ao Bispo de Santiago e ao superintendente da Igreja do Nazareno, onde discuti o problema dos valores da sociedade cabo-verdiana. Quanto a métodos, vamos continuar a fazer comícios, desfiles, porta-a-porta. E, estando numa situação privilegiada, vou potenciar esta vitória na primeira volta. Há mais entusiasmo, há mais crença de vitória e tenho de potenciar esse trunfo.
Uma última questão, que é assunto recorrente em todas as eleições em Cabo Verde, é as pressões e a compra de votos. Os observadores da UA e da CEDEAO confirmaram essas pressões e compra de votos. Está preocupado?
Sim. Tenho de preocupar-me. Como cidadão, como candidato e, espero, como futuro Presidente da República, tenho de estar preocupado. Fundamental em democracia é haver processos eleitorais transparentes e justos. E se até há uns tempos atrás havia denúncias, e toda a gente dizia que só eram feitas pelos partidos que perdiam, desta vez foram feitas por candidatos da mesma área política do partido que está no governo. Se há observadores internacionais e entidades da sociedade civil que dizem o mesmo, quer dizer que o fenómeno existe. E se existe é grave. É grave porque se há pessoas que compram bilhetes de identidade, se há pessoas que dão dinheiro, se instituições públicas usam meios do Estado, no fundo o nosso dinheiro, para condicionar os eleitores, quer dizer que o voto deixa de ser consciente e deixa de ser livre. Se não é livre, não é autêntico e a democracia sofre com isso. É importante que um Presidente da República, um deputado, um governo, um presidente da Câmara, sintam que estão lá porque isso resultou da vontade genuína do povo, expressa nas urnas. Mas tem outro efeito colateral. Se algumas pessoas passam a achar que isso é normal, quer dizer que a sociedade, pelo menos parcialmente, está doente. Quer dizer que o nosso processo democrático está com deficiências. E isso pode ser perigoso. Pode alastrar à sociedade. Pode dar origem à corrupção na função pública, nas famílias e transmitir valores negativos para os nossos jovens. Acho que todas as entidades políticas e cívicas devem fazer um combate em prol da dignidade das pessoas, para que estas sintam que só são dignas se o seu voto é livre e em consciência.
http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/detail/id/26548
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