sábado, 3 de setembro de 2011

EXPRESSO DAS ILHAS ENTREVISTA CARLOS VEIGA

Entrevista com Carlos Veiga: “Jorge Carlos Fonseca não deve qualquer favor ao MpD”

O líder do MpD, Carlos Veiga, assume que a vitória nas presidenciais é também do seu partido mas afirma que os democratas nunca vão cobrar esse triunfo ao Presidente eleito. Nesta entrevista ao Expresso das Ilhas, faz-se um balanço das eleições do dia 21, mas também se fala das expectativas sobre o próximo Chefe de Estado assim como da situação actual dentro do PAICV.
A vitória nas presidenciais é também uma vitória do MpD?
Claramente que sim. Aliás, se o Dr. Jorge Carlos Fonseca não tivesse vencido, a derrota também seria nossa. É claro que, em primeiro lugar, é uma vitória do Dr. Jorge Carlos Fonseca, isso é inegável. Agora, quando dizemos que é uma vi¬tória nossa, isso quer dizer que apoiamos o Dr. Jorge Carlos Fonseca. Que o partido se mo¬bilizou, todo, à volta dessa can-didatura. Os militantes do MpD apoiaram e empenharam-se. E eu creio que grande maioria dos votos que deu a vitória ao Dr. Jorge Carlos Fonseca terá vindo dos militantes do MpD.
Uma vitória na qual, se calhar, muitos não acreditavam?
Nós acreditávamos que tínhamos um bom candidato e que se o partido se mobilizasse íamos conseguir esse resultado. Tínhamos noventa e quatro mil votos das legislativas. Portanto, se fossemos capazes de mobilizar todo esse potencial, a nossa convicção era que po¬díamos ganhar. Se isso tivesse acontecido na primeira volta, se calhar tínhamos ganho na primeira volta. Como partido estamos muito orgulhosos do que fizemos. Achamos que demos uma contribuição determinante para Cabo Verde ter agora um bom Presidente da República. De quem se espera muito. Eu creio que não vai desmerecer a confiança que o povo lhe deu.
Por falar da primeira volta, se calhar a vitória do Dr. Jorge Carlos Fonseca, no dia 7, também ajudou a convencer alguns dos cépticos que havia dentro do MpD?
Não diria cépticos. Havia muita gente, militantes de base, que diziam ‘eu já votei tantas vezes e nunca ganhei, podemos votar o máximo que pudermos que eles arranjam sempre maneira de dar a volta, não vale a pena'. Muitos disseram-nos isso no Maio, no interior de Santiago, aqui na Cidade da Praia, no Fogo. A vitória na primeira volta provou que não é bem assim e que afinal podemos vencer. Isso acabou por galvanizar muito mais os militantes do MpD. Viram que valia a pena fazer o esforço e por isso o resultado final não me surpreende. Fico muito satisfeito, muito feliz por ele, e creio que como partido estamos de consciência tranquila por termos feito o nosso trabalho e termos conseguido alcançar o nosso objectivo que era fazer o Dr. Jorge Carlos Fonseca vencer e ter na Presidência uma pessoa que nos dá garantias de cumprir a Constituição e de ser o Presidente que a Constituição quer.
E o MpD nunca terá a tentação de um dia bater no ombro do PR para lhe lembrar a quem deve a vitória?
Não. Nós temos muito orgulho em termos participado de forma tão activa e determinante na Constituição de Cabo Verde. Sabemos o que a Constituição quer: um Presidente que seja um árbitro, um independente, um promotor de consensos e que esteja acima dos partidos. Portanto, nós no MpD não nos sentimos no direito de cobrar absolutamente nada ao Dr. Jorge Carlos Fonseca pelo apoio que lhe demos. Cumprimos a nossa obrigação de ajudar a dotar o país de um excelente Presidente. A nossa satisfação é essa. Nós nada temos a cobrar. Não queremos favores do senhor Presidente da República, nem exigiremos ao senhor Presidente da República nada mais do que aquilo que ele próprio se comprometeu a fazer no seu manifesto eleitoral e no seu pacto com a nação. Corresponde exactamente àquilo que nós pensamos.

E o que podemos esperar desta futura coabitação inédita entre um Presidente e um governo de famílias políticas diferentes?
Para mim, nunca foi um problema. A Constituição acolhe isso com toda a naturalidade. Creio que em Cabo Verde há muitas pessoas que consideram essa coabitação como algo natural, boa e saudável para o processo democrático. Não antevejo nenhumas dificuldades especiais. Se as houver, elas decorrerão, do meu ponto de vista, muito mais do governo do que do Presidente da República. Mas vejo as coisas a funcionarem dentro da normalidade. Com o governo a ver respeitados os seus poderes, mas, com o Presidente da República a ser aquilo que ele diz que quer ser, o titular de uma magistratura de influência activa, preocupado com as pessoas e com os problemas delas, e muito próximo dessas pessoas porque se sente um porta-voz delas. Portanto, acho que isto faz sentido em Cabo Verde. O que vai acontecer será sempre positivo, salvo se houver anomalias, que não quero agora prever. Devemos ser optimistas, e acho que as coisas vão correr naturalmente.
Nesta presidência de Jorge Carlos Fonseca, comparando com a anterior de Pedro Pires, ou mesmo com uma eventual eleição de Manuel Inocêncio Sousa, quais serão as grandes diferenças?
Pela primeira vez vamos ter um Presidente que se identifica com a nossa Constituição. Isso é único desde o advento da nossa democracia em Cabo Verde. Vamos ter um Presidente que se sente um titular autónomo de um poder moderador e que vai usar os seus poderes para fazer com que a democracia se consolide. Acho que vamos dar passos muito concretos nessa direcção, sobretudo no que respeita ao equilíbrio de poderes entre os vários órgãos. Mas, penso também que vamos ter um Presidente que vai promover muitos consensos, que são necessários porque temos várias matérias que exigem a cooperação entre os dois principais partidos no parlamento e, se calhar, exigem o consenso de todos os partidos no parlamento. Refiro-me, por exemplo, ao Tribunal Constitucional e ao Provedor da Justiça, matérias em relação às quais o actual Presidente não demonstrou nenhuma vontade política de as fazer avançar. Não as considerou importantes porque não se identifica com esta Constituição. Por outro lado, o Dr. Jorge Carlos Fonseca não só se identifica como foi um dos co-autores e tudo fará para promover os consensos para a instalação destes órgãos que estão a faltar. Acho que é uma lacuna e uma fraqueza que figuras tão importantes noutras latitudes estejam previstas na Constituição e ainda não estejam a funcionar no nosso país. Por outro lado, penso que haverá uma atenção maior do Presidente da República a um conjunto de práticas que têm acontecido sem a reacção dos demais órgãos de soberania e que enfraquecem a nossa democracia, porque diminuem a força e a coesão da própria sociedade e o seu apego a valores importantes. Vamos ter também um Presidente da República preocupado com os problemas fundamentais da população. Significa que vai estar preocupado com a economia, o que quer dizer com as empresas, e isso também é uma boa notícia para o país. Creio que essas serão as linhas principais de uma presidência de acordo com aquilo que foi o seu compromisso com a nação.
O governo terá agora a noção que tem alguém a controlar a forma como exerce a sua legislatura?
É bom que assim seja. Não será oposição ao governo, esse é o nosso papel, mas será alguém que estará atento ao governo, à oposição, ao parlamento e ao funcionamento do sistema. E será alguém que, por se identificar com a Constituição, estará bem posicionado para contribuir de uma forma positiva ou moderadora, quando for necessário, para o bom funcionamento do sistema. E Cabo Verde é que vai ganhar. Nesse aspecto, penso que se tratou de uma vitória em que grande parte dos cabo-verdianos resolveu dizer basta a um certo exercício do poder que conduziria ao empobrecimento e ao esvaziamento da democracia. Agora, abre-se uma janela de esperança, favorável a um movimento de reforço, consolidação e aprofundamento democrático. Creio que, por exemplo, no que respeita às relações entre o poder central e o poder local vamos ter um Presidente mais atento, numa perspectiva de fazer cumprir alguns princípios fundamentais, que estão na Constituição, como a necessidade da autonomia do poder local, que tem de ter consequências na prática, ou a justa repartição de recursos públicos entre a administração central e o poder local. São princípios constitucionais que, do nosso ponto de vista, não estão a ser praticados. Creio que vamos ter uma capacidade de diálogo maior entre todos os actores políticos para que as coisas corram melhor.

Disse que o povo cabo-verdiano era o vencedor. E o grande derrotado foi o Dr. José Maria Neves?
Não sei como é que ele se sente, uma vez que já disse que não foi derrotado. Do meu ponto de vista, se o Dr. Jorge Carlos Fonseca perdesse eu era também um derrotado. Acho que tendo apoiado o engenheiro Manuel Inocêncio Sousa, a derrota do engenheiro Inocêncio também é dele. É assim na democracia. Não há aqui nada demais. Agora, negar isso é que não me parece muito normal. Não é que tenha consequências, mas não vale a pena recusar aquilo que é evidente para todas as pessoas. Quer dizer, se ganhasse, ganhavam todos, mas como perdeu, só Inocêncio Sousa é que é o derrotado. Eu sempre disse que se o Dr. Jorge Carlos Fonseca perdesse, eu também era derrotado. Ganhou, logo, nós também somos vencedores.
Disse que não é nada demais, mas o partido que sustenta o governo está agora dividido. Isso pode ser prejudicial para o país?
Tudo depende do que vai acontecer. De facto, houve uma divisão muito profunda. Que permitiu também ao país tomar conhecimento de um conjunto de coisas muito negativas que estavam a acontecer. Creio que tudo isso se reflectiu nas eleições. Do que não precisamos é de instabilidade. E se ela existe hoje é no seio do próprio PAICV. Nós, como oposição ,queremos é que os interesses do país sejam postos em primeiro lugar.
Mas, pelo menos até ao próximo congresso extraordinário do PAICV, não poderemos ter um Primeiro-Ministro com a atenção dividida entre o país e o partido?
Pode ser que tenhamos. Depende do que fizer o Dr. José Maria Neves. Também estamos na expectativa do que poderá acontecer. Acreditamos que o país está numa situação que exige a atenção de todos os governantes. Este ano, passámos quase oito meses sem orçamento, oito meses em campanha. O país não está a ser governado. Os empresários já se ressentem. A população também. E isso não é bom para o país. Mas, a responsabilidade é do governo.
A derrota de Inocêncio Sousa não será também consequência de uma reclamação colectiva do povo cabo-verdiano?
Acho que houve também um voto de protesto. Claramente que sim. Mas, nestes últimos seis meses também se descobriu que muitas promessas foram desmentidas. Muitas coisas que foram negadas afinal correspondem à realidade. Acho que o povo não quer que a sociedade evolua num sentido negativo. Quer dizer, em vez de se valorizar o que é honesto, ou o que é sério, estávamos a seguir por um caminho em que a ilusão é que triunfava. As pessoas sentiam-se impu¬nes para dizerem e fazerem o que queriam. Se houve algo de positivo nesta divisão do PAICV foi que alguns dos seus militantes passaram a ver, de forma mais clara, o que eu me fartei de denunciar, sem que ninguém lhe desse importância, como a compra de votos. E, sobretudo, a sociedade tomou uma consciência muito mais aguda desse tipo de práticas. Todos os casos que tivemos conhecimento serão tratados nas instâncias próprias. Espero que as autoridades competentes façam o seu papel.

Uma última questão. Tem noção que, se tivesse decidido avançar, hoje poderia ser o Presidente da República de Cabo Verde?
Isso é irrelevante. Sempre disse que não seria candidato. As pessoas talvez não acreditem, mas eu nunca pensei numa carreira política. Quando se pôs a hipótese de regressar à liderança do MpD essa questão foi discutida e decidida nessa altura. Disse então que seria candidato a Primeiro-Ministro, ou a deputado, mas não a Presidente da República. (risos) Se calhar houve pessoas mesmo no MpD que não acreditaram, mas a realidade é essa. Relevante é que temos hoje um bom Presidente da República, em relação ao qual temos uma confiança sem limites que será capaz de cumprir o que prometeu.
31 de Agosto de 1981
Esta quarta-feira assinalam-se os 30 anos sobre o 31 de Agosto de 1981. É uma data que não deve ser esquecida?
Não devemos exagerar, mas também não devemos permitir que se reescreva a história. A verdade é que o 31 de Agosto foi muito importante porque foi, digamos, a génese da luta pela libertação. É verdade que houve mortes. É verdade que houve torturas. É verdade que houve sevícias. É verdade que Santo Antão foi transformada numa ilha militarizada. É verdade que pessoas foram presas. É verdade que famílias foram feridas na sua privacidade. E tudo porque as pessoas, simplesmente, se manifestaram contra um projecto-lei do governo sobre a reforma agrária. Portanto, devemos recordar essas pessoas, muitas delas ainda a sofrer de injustiças. Penso que a melhor homenagem que lhes podemos fazer é dizer que não podemos permitir que esses acontecimentos se repitam, alguma vez, na história do país.
3-9-2011, 18:54:04

Jorge Montezinho, Redacção Praia
Fotos:RA
http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/detail/id/26948

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