segunda-feira, 15 de outubro de 2012

LIBERAL-GOVERNO FALHOU NA SEGURANÇA, ENERGIA, ÁGUA E EMPREGO

Entrevista com Carlos Tavares de Pina 
Por ocasião da realização da conferência sobre os 20 anos da Constituição, ocorrida em Lisboa, o Liberal entrevistou o jovem cabo-verdiano, um especialista em Organização e Sistemas de Informação, quadro superior do Instituto Nacional de Estatística português, ex-director de Campanha de Jorge Carlos Fonseca em Portugal e presidente da Associação Intercultural Luso-Cabo-verdiana
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Lisboa, 14 de Outubro 2012 - Carlos de Pina é um jovem quadro cabo-verdiano que escolheu Portugal como país para viver e trabalhar. Para colmatar a saudade da terra, Tavares é um ativista incansável em prol da promoção de Cabo Verde e dos cabo-verdianos em Portugal assim como aposta no reforço da cooperação e amizade entre os dois países lusófonos
Carlos Tavares de Pina licenciou-se em Organização e Sistemas de Informação no Instituto Superior de Gestão Bancária (Escola Superior da Associação Portuguesa de Bancos), possui um Executive Master em Engenharia e Gestão de Tecnologia, curso do 3º ciclo de estudos superiores no Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa. Quadro Superior no Departamento de Metodologia e Sistemas de Informação, Área de Business Intelligence - Data Warehousing do Instituto Nacional de Estatística, Portugal, onde já participou em vários projetos entre os quais, IES (Informação Empresarial Simplificada no âmbito do SIMPLEX) e o projecto Censos 2001. Entre 2010 e 2011, foi monitor do Centro de Inclusão Digital da Quarta Geração do Programa Escolhas no Projeto Formar Inserir, no Bairro Santa Filomena, Amadora. Entre 1995 e 2000, foi responsável pela área de Informática na Embaixada de Cabo Verde em Lisboa, com participação nos projectos de Reestruturação e Informatização do Serviço Financeiro e Consular. Na sua vida pública, destaca-se a função de Diretor de Campanha em Portugal nas Eleições Presidenciais Cabo-verdianas de 2011 que elegeu o atual Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca. É Presidente do Conselho Diretivo da Associação Intercultural Luso-Cabo-verdiana (AILC).
A ORGANIZAÇÃO DA CONFERÊNCIA SOBRE OS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO REALIZADA NO DIA 6 DE OUTUBRO EM LISBOA FOI CONSIDERADO UM SUCESSO POR TODOS OS PARTICIPANTES. ESTIVE NA GÉNESE DA CRIAÇÃO DESSE IMPORTANTE EVENTO GOSTARIA QUE NOS EXPLICASSE COMO NASCEU ESSA IDEIA DE COMEMORAR A CONSTITUIÇÃO DE 92 NA DIÁSPORA?
Bem, esta conferência enquadra-se no âmbito do programa comemorativo do 20º Aniversário da Constituição cabo-verdiana que a Presidência da República propôs-se promover em Cabo Verde e na diáspora, e nós em Portugal aceitamos esta honrosa parceria da Presidência, estabelecemos pontes com outras associações representativas da nossa comunidade, mas também com instituições públicas, privadas e académicas portuguesas e cabo-verdianas para juntos celebrarmos esta importante efeméride, evocando naturalmente o tema 1992-2012: 20 anos da Constituição - 20 anos de Liberdade.
DA PARTE DOS PORTUGUESES, OS CONFERENCISTAS TECERAM RASGADOS ELOGIOS A CABO VERDE E À SUA CONSTITUIÇÃO. QUAL O CRITÉRIO DA ESCOLHA DOS CONFERENCISTAS E MODERADORES PORTUGUESES?
Compreendo a sua pergunta, mas nós não escolhemos os oradores portugueses com o intuito de virem elogiar Cabo Verde e a sua Constituição, muito pelo contrário, quisemos trazer os mais reputados constitucionalistas portugueses com conhecimentos políticos e económicos da realidade cabo-verdiana e que nos pudessem ajudar a refletir com algum distanciamento estes 20 Anos da nossa lei fundamental numa perspetiva jurídica, mas também do ponto de vista prático. E, neste aspeto quero felicitar o nosso colega Suzano Costa que de uma forma muito sábia e arrojada concebeu o programa.
NO TOCANTE A CABO VERDE HOUVE TAMBÉM A PREOCUPAÇÃO DE TER NOMES ABRANGENTES DA SOCIEDADE CABO-VERDIANA E LIGADOS PRINCIPALMENTE AOS DOIS MAIORES PARTIDOS POLÍTICOS, ASSIM COMO GENTE DA SOCIEDADE CIVIL... O PORQUÊ DESSA ESCOLHA?
Nós procuramos a excelência em tudo aquilo que fazemos e, como tal, quisemos convidar de Cabo Verde os que consideramos serem melhores nesta matéria constitucional, e tivemos a preocupação de convidar não só alguns dos principais mentores da Constituição da 2ª República, como os que estiveram na linha da frente das três revisões constitucionais havidas durante estes 20 anos. Aproveito para agradecer uma vez mais a amabilidade de cada um dos ilustres oradores cabo-verdianos e portugueses que aceitaram o nosso convite.
O CARLOS TAVARES PINA É UM JOVEM DINÂMICO E MUITO ATIVO DENTRO DA NOSSA COMUNIDADE EM PORTUGAL. ESTÁ LIGADO A UMA NOVA ASSOCIAÇÃO. QUER EXPLICAR-NOS QUE ASSOCIAÇÃO É ESTA E PORQUE DA SUA CRIAÇÃO?
É a Associação Intercultural Luso Cabo-verdiana (AILC), e desempenho a função de presidente do Conselho Diretivo. Na génese da AILC estão essencialmente dois motivos: primeiro, deve-se ao facto de constatarmos que não havia nenhuma estrutura da sociedade civil suficientemente aberta e que fosse capaz de estabelecer pontes e promover os valores da diversidade tendo em conta os novos e complexos desafios que se colocam a Portugal e a Cabo Verde em termos de cidadania e coesão social; e o segundo motivo que é a resposta ao primeiro, é por acreditarmos que a capacidade de iniciativa e de mudança só é possível com uma sociedade civil forte e que esta última só acontece se as pessoas se associarem sem reservas em prol de causas que acreditem.
POR QUE CONSIDERA QUE A ASSOCIAÇÃO QUE DIRIGE É DIFERENTE DAS DEMAIS?
Porque a AILC é uma associação que procura envolver-se nas causas sociais luso-cabo-verdianas de uma forma genuína e não apenas generosa, e pretende posicionar-se como uma organização que abarca as duas sociedades civis.
DURANTE AS PRESIDENCIAIS, TIVE A OPORTUNIDADE DE CONSTATAR QUE FOI O ARQUITETO DA VITÓRIA DO ATUAL PRESIDENTE JCF EM TERRAS LUSAS. QUER CONTAR COMO FOI POSSÍVEL MONTAR ESSA ESTRATÉGIA VITORIOSA?
Essa estratégia começou quase um ano e meio antes da apresentação pública da candidatura do JCF e da sua estrutura oficial de campanha, e assentou em dois pilares fundamentais: primeiro, envolver o maior número possível de pessoas que permitisse montar uma rede de contactos para aumentar o potencial de votos do JCF; e o segundo, desenvolver ações e plataformas cívicas que permitissem uma reflexão sobre os grandes desígnios de Cabo Verde. Esse longo e árduo trabalho em que acompanhamos o JCF durante a sua pré-candidatura, foi decisivo para os resultados da campanha em Portugal, e nessa fase para além de muitas pessoas com as quais tive o privilégio de trabalhar, há três nomes que gostaria de destacar e felicitar aqui: o Martinho Ramos (Martin), o Gustavo Araújo e o Alberto Gomes. Voltando à questão, posso dizer que com esta estratégia de mobilização social, envolvendo as pessoas e fazendo-as perceber de que naquelas eleições presidenciais estava em causa a nossa própria democracia que muito nos custou conquistar, facilitou-nos sobremaneira na montagem da estrutura operacional de campanha, porque em Portugal mesmo depois do JCF ter o apoio formal do MpD a nível nacional tínhamos a perfeita noção de que a estrutura formal da coordenação do MpD-PT nunca estaria totalmente envolvida, aliás houve elementos da coordenação que apoiaram candidaturas concorrentes, contudo tivemos dois membros da coordenação do MpD-PT (Rosa Silva e Daniel Évora) que foram apoiantes ativos do JCF e que integraram a estrutura da campanha. Mas, em momento algum vacilamos, mantivemo-nos sempre firmes porque sabíamos o caminho a trilhar para vencer, e lembrando aqui a velha máxima do Nelson Amado - um dos muitos jovens que me acompanharam de perto nesse combate em Portugal – ,“temos que ir ao terreno”, e era preciso ir ao “terreno” porta a porta contactar os militantes e amigos do MpD. Assim o fizemos, e tivemos a felicidade de contar com o apoio e envolvimento de quase todos os militantes e amigos de base do MpD pertencentes aos mais diversos segmentos da nossa comunidade em Portugal (de norte a sul do país, Açores inclusive). Tivemos ainda apoios de vários cidadãos sem preferências partidárias e que gozam de enorme credibilidade e estima no seio da nossa comunidade em Portugal. Com o enorme envolvimento que tivemos, fruto da estratégia delineada e do desejo de mudança que se sentia nas pessoas, a minha grande responsabilidade era criar espaços para que todos pudessem dar o seu contributo para essa mudança, sem quaisquer tipos de constrangimentos. Esta estratégia permitiu-nos reduzir à insignificância o impacto de algumas contracampanhas internas invisíveis, e hoje sinto que foi um privilégio dirigir uma grande orquestra com excelentes músicos, muitos dos quais se calhar percebiam mais da música do que o próprio maestro.
COMO CLASSIFICA O DESEMPENHO DE JORGE CARLOS FONSECA COMO O MAIS ALTO MAGISTRADO DA NAÇÃO CABO-VERDIANA?
Penso que é consensual - e as sondagens de opinião e os índices de popularidade o demonstram - que ele tem cumprido o que prometeu na campanha. Tem sido um Presidente cooperante e proactivo, que procura estar junto das pessoas para melhor conhecer os anseios e as dificuldades dos cidadãos e, desta forma, desempenhar a sua função de primeiro garante da liberdade e da igualdade de oportunidades para todos, e ser um representante autêntico da Nação cabo-verdiana. Só nesta condição genuína ele poderá moderar e arbitrar o sistema político cabo-verdiano com a necessária equidistância tendo o conhecimento in loco da realidade socioeconómica do país. Em suma, diria que o desempenho do PR durante este primeiro ano de mandato é excelente!
E PENSA QUE A COABITAÇÃO ENTRE A PRESIDÊNCIA E O GOVERNO LIDERADO POR JOSÉ MARIA NEVES TEM SIDO LEAL E PROVEITOSA PARA CABO VERDE?
Se a coabitação é leal, não sei porque não possuo informações suficientes para fazer esse juízo, mas proveitosa acho que sim, porque são duas personalidades com perfis diferentes e com pontos de vistas também diferentes sobre como atingir o patamar de bem-estar para os cidadãos cabo-verdianos. Estas perspetivas diferentes fazem com que a democracia funcione e haja mais transparência na gestão da coisa pública, e mais garantia de liberdade para os cidadãos.
JÁ AGORA, COMO CLASSIFICA O ATUAL GOVERNO - QUE ESTÁ HÁ 12 ANOS NO PODER - EM ÁREAS COMO A SEGURANÇA, ENERGIA E ÁGUA, ASSIM COMO NA CRIAÇÃO DE EMPREGOS...
Há evidências de que em todas estas grandes áreas este governo falhou. Cabo Verde hoje é um país muito menos seguro do que há 12 anos atrás e penso que é notório e aceite mesmo para os situacionistas. Mais de 45 por cento de agregados em alojamento não têm acesso a água potável canalizada da rede pública, e na zona rural esta percentagem atinge quase os 60% de agregados familiares. A nível de alojamentos sem energia elétrica, esta percentagem atinge os 19%. Estes dados do Censo 2010 são preocupantes, mas o prior disto tudo é que mesmo os alojamentos que estão ligados a estas redes públicas de abastecimento, o número de dias que passam sem fornecimento destes bens essenciais são quase iguais ou superior aos dias em que são fornecidos. No que se refere ao emprego também é notório que o governo nestes 12 anos não conseguiu ter políticas públicas capazes de atrair investimentos privados geradores de empregos sustentáveis e qualificados. Mesmo com a nova metodologia de cálculo usada pelo INE, que permite baixar significativamente este indicador, em 2011 a taxa de desemprego em Cabo Verde era de 12,2 por cento, um valor muito superior ao do ano 2000 se aplicarmos a mesma metodologia. Mas, mais do que as estatísticas, são as pessoas que sentem na pele que há mais desemprego, sobretudo no segmento mais qualificado, o que é dramático para uma economia que ainda tem um grande potencial de crescimento.
NA DIÁSPORA CABO-VERDIANA, HÁ MUITOS QUADROS JOVENS E CAPAZES QUE NÃO FORAM APROVEITADOS PELO ATUAL EXECUTIVO NOS ÚLTIMOS 12 ANOS PARA DAREM O SEU CONTRIBUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DO PAÍS. NA SUA OPINIÃO, PORQUE QUE É ISSO ACONTECE?
Penso que este problema passa sobretudo pela forma como os partidos políticos do arco da governação estão organizados na diáspora, e que não permitem a criação da massa crítica suficiente para surgimento de pessoas com valores e que podem fazer parte de qualquer elenco governativo cabo-verdiano. Infelizmente, na organização destes partidos na diáspora, o que ainda prevalece é a lógica dos caciques que pervertem e corrompem a participação cidadã. Talvez daqui a duas gerações de novas associações e movimentos cívicos se possa vir a mudar o estado das coisas. Mas é difícil, porque esta mudança deve passar sobretudo por um novo modelo organizacional dos partidos na diáspora.
AINDA SOBRE A CONFERÊNCIA, NOTA-SE UMA CLARA CLIVAGEM ENTRE AS POSIÇÕES DOS INTELECTUAIS E POLÍTICOS DO PAICV E OS DO MpD SOBRE A IMPORTÂNCIA DA CONSTITUIÇÃO DE 92. OS DO PAICV DIZEM QUE 92 É A CONTINUIDADE DAS REVISÕES DA CONSTITUIÇÃO DE 80 REVISTAS EM 86, 90... ENQUANTO OS DO ARCO DO MpD DEFENDEM QUE EM 1992 NASCEU UMA NOVA CONSTITUIÇÃO EM RUTURA TOTAL COM A DO PARTIDO ÚNICO. O QUE PENSA CARLOS TAVARES PINA SOBRE ISSO?
Não é por ser militante do MpD, mas penso que é consensual que em 92 tivemos uma nova República que é fruto da nova Constituição, e acho que não aceitar isso é escamotear factos sociais, políticos e económicos em Cabo Verde decorrentes da Constituição de 92, que se fossem decorrentes das constituições anteriores nunca poderíamos ter este modelo politico, social e económico que temos hoje. Eu não sou jurista, mas nesta lógica dos que defendem esta continuação constitucional, se calhar também defendem que a LOPE era uma Constituição.
A NOSSA COMUNIDADE EM PORTUGAL TEM SOFRIDO COM A CRISE AO LADO DOS PORTUGUESES. COMO ATIVISTA SOCIAL, PODE NOS DESCREVER A SITUAÇÃO LABORAL E SOCIAL DOS NOSSOS CONTERRÂNEOS, SOBRETUDO NOS BAIRROS COM MAIOR CONCENTRAÇÃO DOS CABO-VERDIANOS
Como referiu e bem a situação é muito difícil em Portugal, e nestes casos sofrem muitos mais aqueles que estão em piores condições competitivas, e há um segmento significativo da nossa comunidade dependente do setor da construção civil que, como sabemos, é um dos setores mais afetados com esta crise económica e financeira que Portugal está atravessar. Mas eu acredito neste país e na capacidade de resiliência da nossa comunidade residente em Portugal, é neste momento que é preciso o apoio das instituições portuguesas e cabo-verdianas para que a nossa comunidade possa ajustar-se aos novos desafios.
(Entrevista conduzida por Norberto Silva)

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