sábado, 27 de outubro de 2012

CV:Adalberto Vieira, secretário de Estado dos Recursos Marinhos: “Cabo Verde não pode competir com outros países no sector das Pescas”

 

"É impossível a Cabo Verde competir com Marrocos ou China em termos de quantidade. O potencial de Marrocos, por exemplo, no que se refere ao sector pesqueiro ultrapassa em larga medida Cabo Verde". Nestes termos justifica Adalberto Vieira a dependência do nosso país aos dois países aos quais compramos boa parte do pescado que é processado na Frescomar. Nas suas palavras, o que podemos ambicionar é marcar a diferença pela qualidade, criando um produto de alto valor acrescentado, porque, acrescenta "Cabo Verde não tem tanto pescado como eventualmente possa aparecer". Nesta entrevista, o secretário de Estado dos Recursos Marinhos debruça-se ainda sobre os problemas que se colocam ao sector como o arranque das obras do novo entreposto frigorífico do Porto Grande, o impasse na privatização da Cabnave, os desafios da pesca artesanal e industrial e aponta os projectos para a materialização do Cluster das Pescas.
 
Expresso das ilhas - Quais são os novos projectos para o sector das Pescas no âmbito da estratégia de materialização do Cluster do Mar?
Adalberto Vieira - O sector das Pescas é um pilar fundamental do Cluster, diria Hiper Cluster do Mar. Dentro do convencionalmente chamado Cluster do Mar temos várias actividades que em si formam já diversos clusters.
Daí que se fale actualmente do Hiper Cluster do Mar e dentro do Hiper Cluster do Mar temos o Cluster das Pescas. Neste mo-mento temos vários projectos para o sector das Pescas que estão a ser materializados pelas instituições-chave, designadamente pela Direcção Geral das Pescas e pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento das Pescas [INDP]. Dentro da direcção geral das Pescas nós temos neste momento vários projectos a cargo do programa das pescas para a África Ocidental e projectos virados essencialmente para a pesca artesanal, no âmbito do plano operativo para o desenvolvimento da pesca artesanal.
Combater a pobreza no sector
São projectos que vão desde o novo estaleiro na ilha de Santiago para embarcações semi-industriais, passando pela criação de uma rede de extensionismo no sector das Pescas, pela melhoria da qualidade dos produtos pesqueiros, pela melhoria da fiscalização como forma de garantir a sustentabilidade na actividade pesqueira, entre outros. Temos também projectos de formação e capacitação dos intervenientes ligados ao sector das Pescas, na certeza de que esse domínio sobressai como extremamente importante para que possamos almejar os objectivos preconizados. Temos portanto projectos transversais que perpassam diferentes domínios e que nos demonstram que efectivamente estamos a ter uma visão global e o sector das pescas está no caminho certo. Sem falar também de projectos que se prendem com a transformação e agregação de valor, na certeza de que combater a pobreza no sector das pescas, particularmente no subsector da pesca artesanal passa em primeira mão por materializar projectos que conduzam à agregação de valor e diferenciação dos nossos produtos para podermos ter mais rendimentos e sermos mais competitivos.
Qual é o contributo do sector das pescas para o PIB?
Nós estimamos que o contributo das pescas para o PIB deva andar à volta de 7 a 10 por cento. Obviamente que estamos a trabalhar para termos um estudo actualizado que possa precisar esse valor. Devo dizer que o contributo actual do sector das pescas ultrapassa em boa medida o contributo que era referenciado até há pouco tempo, que era cerca de 3 por cento. Veja o seguinte: se na altura do embargo nós contribuíamos com 2 a 3 por cento, como é que agora, aumentando a exportação exponencialmente continuamos nos 2 ou 3 por cento. Não faz sentido. Portanto, o contributo actual andará à volta dos 7 a 10 por cento. Mas a nossa perspectiva é que o sector das pescas continue a aumentar significativamente o respectivo contributo para o PIB, tendo em consideração que a exportação está a aumentar, que existem novos projectos no que se refere à conservação e novos projectos no que respeita a agregação de valor.
O sector das Pescas e o Sistema Geral de Preferências da União Europeia
Apesar de Cabo Verde ter sido graduado a País de Rendimento Médio, a União Europeia prorrogou o prazo de acesso preferencial ao seu mercado permitindo à Frescomar, até conseguir fornecer a sua fábrica com pescado nacional, a importação de peixe de Marrocos e outros países. Que medidas tem tomado o governo para desenvolver a sua actividade pesqueira, porque um dia o prazo dado pela UE chegará ao fim.
Veja o seguinte. Nós temos vindo a pautar a nossa cooperação numa perspectiva win-win com ganhos partilhados por ambas as partes. Neste caso específico, nós temos uma medida benéfica da UE que nos permite ter acesso ao mercado europeu em condições extremamente vantajosas, permitindo que os nossos produtos sejam mais competitivos quando comparados com produtos de outras paragens. Neste caso o que é acontece? O pescado cabo-verdiano, transformado ou não, quando chega à UE beneficia de isenção de taxas alfandegárias, permitindo que o produto seja mais competitivo. Isso foi uma forma que a UE encontrou para permitir que Cabo Verde possa desenvolver o seu sector pesqueiro e possa ser auto-suficiente no que se refere ao fornecimento de matéria-prima à indústria conserveira. Em todo o caso a prorrogação da derrogação refere-se a produtos importados que são transformados em Cabo Verde e reexportados como se fossem nacionais. Portanto, não se prevê que o sistema venha a terminar nem agora, nem no futuro para produtos nacionais. Os produtos nacionais de Cabo Verde beneficiam sempre na UE de condições extremamente vantajosas. A prorrogação tem a ver com a matéria-prima que é importada de outras paragens...
Mas se a frota nacional tivesse maior capacidade, 15 toneladas de peixe que a Frescomar processa por dia podiam ser comprada a operadores nacionais com vantagens para a nossa economia.
A Frescomar está a comprar todo o pescado que é disponibilizado pelos nacionais...
São quantas toneladas?
Até há dois anos a frota nacional só garantia, por exemplo, 7 por cento da matéria-prima transformada pela indústria conserveira. Neste momento, já fornece 40 a 50 por cento do total da matéria-prima transformada, superando, neste momento, as 3000 toneladas.
Mas os operadores queixam-se da incapacidade da frota nacional competir com a estrangeira, porque condições não são criadas.
Gostaria de aproveitar a oportunidade para esclarecer o seguinte: é impossível a Cabo Verde competir com Marrocos ou China em termos de quantidade. O potencial de Marrocos, no que se refere ao sector pesqueiro ultrapassa em larga medida Cabo Verde.
O problema do gelo
Foi assinado há mais de um ano o contrato para o novo entreposto frigorífico do Porto Grande, depois de um incêndio ter destruído a Interbase em 2008. Porque é que não arrancaram ainda as obras?
Estamos confiantes de que as obras terão o seu início muito proximamente. Tivemos alguns atrasos devido a problemas financeiros da empresa que ganhou o concurso; tivemos outros atrasos alheios à vontade do governo, mas o certo é que o governo espanhol já aprovou finalmente o crédito. Neste momento estão reunidas todas as condições para que as obras da nova plataforma de frio arrancarem proximamente o que irá fechar o ciclo relativamente ao sector das pescas.
Na Praia, os armadores queixam-se da falta de gelo. Quando será reactivado aqui o entreposto frigorífico?
Não diria que existe falta de gelo. A capacidade instalada corresponde à procura regular dos armadores. O problema é que nós muitas vezes temos picos de captura. E como são picos, fazem com que a unidade não consiga dar vazão a essa demanda. Mas veja o seguinte: se você tiver até dez situações de picos ao longo do ano e decorrentemente você aumenta a capacidade instalada de tal forma que na maior parte do ano tem uma boa parte da maquinaria parada, o que acontece é que você depois tem prejuízo, porque as máquinas de produção de gelo não podem estar paradas por muito tempo. O que nós temos que fazer é complementar a produção de gelo com o armazenamento a frio. É por isso que nós estamos à procura de uma parceria público-privada para reactivar o entreposto frigorífico da Praia. É essa a solução. Portanto, quando você tem uma quantidade "anormal" de pescado, armazena esse pescado na câmara de armazenamento a frio, para que não tenhamos a situação actual, onde se utiliza o gelo para conservar mais do que seria o tempo razoável para a sua expedição.
Nas outras ilhas os pescadores queixam-se também da falta de gelo. Não há uma solução à vista?
Nós temos uma rede de conservação razoável. Estamos neste momento a materializar um conjunto de acções para que as unidades de produção de gelo possam ser sustentáveis. Anteriormente acontecia que as unidades, volvido algum tempo, fechavam, a maquinaria degradava-se e tempos depois as pessoas pediam ao governo uma nova máquina. Obviamente não podíamos continuar com esse cenário porque o país não tem condições para providenciar recursos dessa forma. As acções que estamos a materializar agora abrangem a instalação de painéis solares em algumas unidades de produção de gelo que estão localizadas nas pequenas comunidades piscatórias. Por exemplo, juntamente com a cooperação japonesa vamos instalar unidades de produção de gelo multifacetadas que vão ter fornecimento de energia através de painéis solares. Aí estaríamos na situação de garantir a sustentabilidade dessas unidades e a resolver boa parte dos problemas que são postos neste momento pelas comunidades de pesca artesanal.
Quando estarão a funcionar estas unidades?
Já no primeiro trimestre de 2013 vamos ter a primeira unidade na localidade de Salamansa, em São Vicente. Vai ser uma unidade multifacetada, com energia fornecida através de painéis solares. Outros intervenientes da comunidade, embora não estejam di-rectamente ligados ao sector da pesca vão também beneficiar deste projecto. Vamos ter cerca de 100 famílias que vão também receber painéis solares.
"Estamos à procura de parceria público-privada
São proporções totalmente incomparáveis, para não falar da China. O que Cabo Verde deve ambicionar é diferenciar e providenciar um produto de alto valor acrescentado que seja capaz de diferenciar-se relativamente aos produtos de Marrocos e da China. Portanto, não devemos pensar em competir com Marrocos ou com a China em termos quantitativos. Nós temos um potencial máximo de captura que dá uma média de 40 mil toneladas ano, que para alguns técnicos até se encontra empolado. Esse potencial médio não se compara em nada com o potencial disponível para Marrocos e a China.
Essa disparidade potencial de que fala não impede o governo de modernizar a frota nacional e torná-la mais competitiva.
Está, e de que maneira. As embarcações que estavam paradas, estão todas em funcionamento neste momento. Várias embarcações foram requalificadas: atuneiros que foram reconvertidos para cercadores.
Portanto, neste momento há todo um esforço para que o país seja auto-suficiente no que se refere ao fornecimento de matéria-prima à indústria conserveira e não só. As embarcações da Atlântico Tuna estão quase todas em funcionamento e temos vindo a criar condições para que outros intervenientes ligados ao sector das pescas possam requalificar as respectivas embarcações. Portanto, estão criadas as condições, dentro das possibilidades do país, para que possamos ser auto-suficientes, por exemplo, no que se refere ao fornecimento de matéria-prima à indústria conserveira. É bom que se saiba que os mares de Cabo Verde não têm tanto pescado quanto eventualmente possa parecer. Portanto, há um limite que se pode atingir, no que se refere à captura. Mas modéstia à parte, consideramos o nosso pescado de melhor qualidade quando comparado com outras paragens...
Os outros países também dizem que o seu peixe é o melhor do mundo.
Aí cada um está a vender o seu peixe. Nós temos de vender o nosso.
Combate à pesca ilegal
Que medidas de prevenção e combate à pesca ilegal tem tomado o governo?
O governo tem vindo a reforçar a fiscalização na componente preventiva e repressiva. Nós temos vindo não só a apetrechar a Guarda Costeira e outras entidades com mais recursos humanos e materiais, mas temos vindo também a formar, capacitar, sensibilizar e a estabelecer parcerias a montante para resolvermos o problema da pesca ilícita, não declarada e não regulamentada. Nós estamos cientes de que a salvaguarda dos recursos marinhos de Cabo Verde sobressai como uma condição sine qua non para o sucesso do desenvolvimento sustentável de Cabo Verde nesse domínio. E é por isso que procedemos à aquisição não só do Guardião, como à reactivação de outras embarcações da Guarda Costeira para patrulhar as nossas águas. Para além disso, temos cooperação com países amigos como Portugal, como a Espanha e os Estados Unidos que vêm a Cabo Verde patrulhar, juntamente com as nossas autoridades, as nossas águas, visando combater a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada. A montante temos vindo a instalar também sistemas que permitem monitorizar as embarcações via satélite. Foi aprovado, há pouco tempo, a legislação que obriga as embarcações a terem o sistema de monitorização VMS, que nos permite monitorizar as embarcações que estão a pescar dentro das nossas águas territoriais. É um conjunto de acções que temos vindo a materializar que estão a dar resultados. Aliás, são os relatórios elaborados pelas próprias autoridades que serviram de base para as queixas. Isso demonstra que, de facto, as autoridades estão atentas e estão a materializar as acções conducentes à salvaguarda dos nossos recursos marinhos.
Os operadores temem que com a privatização dos estaleiros, os barcos nacionais dei-xam de ter acesso aos serviços. É real este receio?
De forma alguma. O governo privatiza, propugnando melhor a eficiência da empresa, para que possa ser mais competitiva, gerar mais riqueza e para que possa contribuir, como no caso da Cabnave para a materialização da estratégia subjacente ao Cluster do Mar, diria Hiper Cluster do Mar. Evidentemente que o governo acautela sempre os interesses nacionais e a recuperação das embarcações nacionais está também no grupo dos nossos interesses nacionais.
O governo continua a não encontrar um parceiro para a privatização da Cabnave e a esperança na empresa CNFC ficou descartada na última visita do Primeiro-ministro à China.
Nada está descartado. Neste momento estamos em negociações com a CNFC (China International Fisheries Corp), mas também estamos em negociação com outras empresas, tendo como alvo ter a Cabnave como uma base de reparação naval. As negociações com a CNFC não estão descartadas porque têm vários aspectos que estão em curso. Portanto estamos seguros que iremos chegar a bom porto nestas negociações.
No âmbito das actividades alternativas à pesca tradicional, existe um projecto privado de aquacultura para criação de camarões financiado pela Holanda. Porque é que o projecto não arrancou ainda?
Neste momento existe um documento assinado entre o Estado e os promotores do projecto Fazenda do Camarão. É uma iniciativa privada e acarinhada pelo Estado que assinou esse documento para permitir que os promotores possam materializar esse projecto que consideramos importante para o desenvolvimento da aquacultura em Cabo Verde. Neste domínio já temos um quadro estratégico que foi co-financiado pela FAO e pretendemos, proximamente, em parceria com determinadas entidades, cultivar a tilápia nas barragens. Existem alguns projectos relativamente à aquacultura que sobressaem como sendo importantes para desenvolvermos esse domínio alternativo à pesca extractiva, em si...
Mas quando é que poderá arrancar o projecto do cultivo dos camarões?
Trata-se de um projecto privado e pelas informações que tenho o projecto já arrancou. Ou seja, o projecto não parou e está a ter o seu seguimento, prevendo-se que no futuro possamos ter a primeira despesca, como se costuma dizer. É um projecto privado que tem vindo a ter o apoio do governo que recentemente assinou a convenção de estabelecimento com os promotores do projecto.
27-10-2012
António Monteiro, Redacção Praia

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