sábado, 14 de abril de 2012
CV(Expresso): Audição ao governador do BCV: Todos os sistemas financeiros têm riscos
PRAIA-Foi uma audiência com três intervenientes distintos: os deputados do MpD queriam saber se casos como o do BPN/Banco Insular ou a prisão do presidente da Bolsa de Cabo Verde tinham abalado a credibilidade do sistema financeiro cabo-verdiano. Os deputados do PAICV afirmaram que o encontro devia servir para saber informações sobre a saúde financeira do país. O governador do Banco de Cabo Verde foi cauteloso e avisou que não fala de processos que estão em segredo de justiça e que salvaguarda o sigilo bancário.
A audiência parlamentar surgiu no seguimento de um pedido apresentado pelo grupo parlamentar do MpD. A razão principal prendia-se com as referências recentes sobre o sistema financeiro nos órgãos de comunicação social, principalmente as menos abonatórias, como foi o caso da operação Lancha Voadora e os posteriores desenvolvimentos, com a prisão preventiva do presidente da Bolsa de Valores de Cabo Verde.
Segundo a presidente da Comissão Especializada de Finanças e Orçamento, a democrata Orlanda Ferreira, a praça financeira poderia ficar prejudicada se não houvesse alguns esclarecimentos e o sistema financeiro abalado na sua credibilidade.
Apesar do Governador do Banco de Cabo Verde ter agradecido "a oportunidade que tem de prestar contas", a primeira meia hora da audiência gastou-se a debater o conteúdo da mesma. Os deputados do PAICV, como Euclides de Pina, defendiam que estavam na reunião para ouvir uma apresentação sobre a saúde financeira do país. Já os do MpD insistiam na necessidade de se abordarem temas como a Bolsa de Valores ou o caso BPN porque, como explicou Abraão Vicente, "se quisermos perceber a credibi-lidade do sistema financeiro temos também de analisar os últimos abalos desse mesmo sistema".
Carlos Burgo nunca se negou a debater qualquer dos pontos, mas sublinhou que "o governador não está a averiguar casos, nem é a pessoa mais indicada para falar de casos que estão a ser investigados pelas entidades competentes. Respeitemos o segredo da justiça que eu irei salvaguardar, dever que tenho, o sigilo bancário".
As questões do MpD
Para os deputados democratas, o sistema financeiro cabo-verdiano tem sido afectado por uma série de casos que põem em causa a credibilidade do mesmo. Na sua intervenção, Abraão Vicente deixou uma série de perguntas ao governador do Banco Central, expondo situações que, no seu entendimento, mexeram com a reputação de Cabo Verde "O caso BPN não abalou a credibilidade do sistema financeiro? O facto do presidente da BVCV estar preso não abala a credibilidade do sistema financeiro? O facto de grande parte das operações, consideradas de sucesso, na BVCV estarem neste momento envolvidas em suspeitas não põe em causa o sistema financeiro cabo-verdiano?".
Na interpretação de Carlos Burgo, governador do BCV, não houve falhas na supervisão nem na regulação. O responsável salientou que, ao nível da regulação, Cabo Verde responde ao que é exigido pelas normas internacionais. "O trabalho de supervisão é bem feito, apesar de sabermos que podemos fazer melhor. E esse é um dos nossos principais desafios. Acho que os casos não têm muito a ver com a supervisão. Quando há falhas ao nível dos principais responsáveis das instituições financeiras e são cometidos ilícitos criminais, isso tem pouco a ver com a supervisão. Um princípio da supervisão tem a ver com a gestão sã e prudente e nós, discutindo os eventos recentes, temos chegado à conclusão que queremos ter pessoas íntegras a gerir as instituições. Quando não há pessoas íntegras a gerir as instituições, não há supervisão nem regulação que nos possa valer".
Apesar de sublinhar que preferia que alguns eventos não tivessem acontecido, Carlos Burgo adiantou que o sistema cabo-verdiano é de tal forma credível que tomando as medidas adequadas podem ultrapassar-se as consequências negativas sem muitos custos. "Na minha avaliação, sem escamotear os danos em termos de reputação, não acho que devamos sobrevalorizar esses acontecimentos, acho que é a melhor atitude que se deve ter".
Em relação ao escândalo BPN, informou ainda o Governador do BCV, o problema não teve efeito nenhum em Cabo Verde. "Houve efeito ao nível da reputação. Mas o banco era supervisionado pela OCDE. Não houve impacto nenhum no país. Este tipo de negócios só nos interessa se acrescentar notoriedade ao nosso país, se não, não interessa. Por isso é que revemos o modelo, apesar de ainda hoje haver quem defenda a vinda de gente desconhecida para cá criar bancos. No Banco Central temos uma opinião diferente. Para desenvolver a praça financeira queremos operadores credíveis, bancos que tenham reputação a perder, é esse o modelo que nos interessa, não queremos saber da quantidade que pode trazer riscos para Cabo Verde".
No entanto, Carlos Burgo avisou que o risco é real, "mas a única maneira de não ter riscos no sistema financeiro é abolir o sistema. De vez em quando ocorre uma fraude num banco, isso faz parte do negócio, é inevitável, não se pode abolir esse risco. Assim como em relação à lavagem de capitais, não é o facto de ocorrerem alguns casos que faz com que o sistema perca credibilidade. Não há nenhum sistema no mundo onde não há branqueamento. Procura-se é minimizar".
A transferência da UIF
As mudanças na Unidade de Informação Financeira (UIF), que o Expresso das Ilhas adiantou há duas semanas, também foram abordadas na audição do governador do BCV, depois de questionado pelo deputado democrata Humberto Cardoso.
A UIF vai deixar o Banco de Cabo Verde e passar para a alçada do Ministério da Justiça, ou seja, deixa de ser controlada por uma instituição independente e passa para as mãos do governo. A UIF lida com informação secreta que tem a ver com o combate aos crimes de lavagem de capitais e financiamento do terrorismo.
A UIF, como explicou Carlos Burgo, foi criada porque as comunicações de operações suspeitas eram feitas à Polícia Judiciária e havia alguma inibição por parte dos bancos.
Agora, diz o Governador do BCV, a UIF sai do Banco Central para que se consiga mais eficácia. "A UIF ficou sedeada no Banco de Cabo Verde para dar algum conforto aos bancos privados. Numa primeira fase pensamos que era essencial estar connosco. Agora, é possível fazer um reequacionamento. Em alguns países a UIF está no Banco Central, noutros no ministério que tutela a polícia e noutros ainda é uma unidade independente. Em Cabo Verde, passa para o Ministério da Justiça, e acho que se pode ganhar em termos de eficácia. Para nós também não era muito confortável ter a UIF no Banco Central. É um serviço do Banco Central, mas que não reportava nem ao governador nem à administração, enviava os relatórios para o Ministro das Finanças e para o Ministro da Justiça e não tínhamos maneira de acompanhar o funcionamento da UIF. E há outra realidade, não temos muito espaço no Banco Central. Não há nenhuma outra intenção que não seja essa maior eficácia".
Todos os sistemas falham
Falhas operacionais há em todos os sistemas financeiros, afirmou o governador do Banco de Cabo Verde, essa falha, frisou, não pode é pôr em causa todo o sistema financeiro. "Temos é de aceitar riscos, porque sem riscos não temos desenvolvimento financeiro. Temos é de ter a noção dos riscos e amenizá-los. Não podemos excluir que daqui a algum tempo não apareça alguém envolvido num acto ilícito que tenha conta no banco. Uma das razões para a existência do sistema financeiro é o risco. Não se pode ter sistema financeiro sem risco".
Mesmo com esse risco presente, Carlos Burgo está convencido de que Cabo Verde poderá ter uma praça financeira e assim prestar serviços a entidades externas. "Continuo a sonhar, porque não há nenhuma praça financeira a prestar serviço ao mercado lusófono, mas também na região africana. Temos condições de estabilidade para que Cabo Verde possa ser útil aos países da região. Criando a jurisdição adequada, oferecendo com-petitividade fiscal, poderemos ter o desenvolvimento, com bons operadores, da prestação de serviços financeiros a não residentes".
O MpD não se mostrava satisfeito com as respostas, o deputado Abraão Vicente refor-çou que queria respostas directas e claras e não a assumpção que as falhas são naturais, mas Carlos Burgo reagia afirmando que não deviam esperar que estivesse na comissão a dramatizar as situações. "Mas também não estou a naturalizar nada, não escondemos que falhamos. Não somos perfeitos. Mas cremos que a vida também é assim. Não espere que concordemos consigo quanto à dramatização que faz com os eventos. Só tenho a desejar-lhe boa sorte, que lhe renda alguma coisa".
"Não espere também que lhe garanta um sistema de prevenção de lavagem de capitais sem falhas. Isso seria uma irresponsabilidade. O risco é real e a dificuldade é grande. O que posso prometer é que daremos toda a atenção a esse risco e procuraremos atenuá-lo em prol da integridade do sistema que é fundamental para o desenvolvimento da economia".
"Também não disse que os eventos que tiveram lugar na bolsa de valores não tiveram impacto algum, também seria irresponsabilidade fazê-lo. A gravidade não deve ser escamoteada mas também não deve ser dramatizada", concluiu o governador do Banco de Cabo Verde.
À saída do encontro, as três partes reagiram de forma diferente. Enquanto Carlos Burgo assinalava a "oportunidade" que teve para prestar informações, o MpD, pela voz de Abraão Vicente, dizia que não saía totalmente esclarecido. "A nossa interpelação foi no sentido de mostrar as fragilidades no sistema e que o BCV não soube acautelar as falhas, nomeadamente no caso Bolsa de Valores. O governador do BCV não soube responder, não quis falar disso. Mas, vamos insistir". Já o PAICV sublinhava que saía muito satisfeito com as explicações do governador do BCV. Sobre as fragilidades que, segundo a oposição, não foram explicadas, Euclides de Pina salientou que tem de se "confiar na justiça. Houve algumas falhas de supervisão, mas isso não mancha o BCV".
14-4-2012,
Jorge Montezinho, Redacção Praia
http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/go/audicao-ao-governador-do-bcv--todos-os-sistemas-financeiros-tem-riscos
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