segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

CV(Liberal):FILME DE ANA FERNANDES SELECCIONADO PARA O OSCAR

Um orgulho para Cabo Verde 
Fez agora um ano, “O Ruído do Mar” havia vencido o Festival de Estugarda. Centrada na história de um refugiado africano, a curta-metragem remonta-nos à importância da solidariedade nas relações humanas. Arquitecta e realizadora, Ana vive na Alemanha e nasceu na cidade da Praia
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PRAIA – “Das Rauschen des Meers” (“O Ruído do Mar”), da realizadora cabo-verdiana Ana Fernandes, que há um ano atrás venceu o Festival de Cinema de Estugarda, Alemanha, foi agora seleccionado, com mais nove películas, para o sonho de qualquer cineasta: um Oscar da academia americana de cinema.
Com um cunho marcadamente político, “O Ruído do Mar” – que conta com a participação de Mayra Andrade – retrata a história de um refugiado africano, em vias de ser deportado, que trava amizade com um guarda, que se torna seu confidente. É um filme que vive essencialmente das personagens, com uma cela de prisão a servir de cenário único.
É uma história comovente sobre fuga e regresso, cuja designação parece simbolizar o “ruído” ou revolta dos milhares de emigrantes africanos que se lançam à procura de um mundo melhor em sociedades pretensamente mais desenvolvidas que lhes fecham a porta, voltando a lançá-los na miséria de origem.
“Foi essa a nossa intenção. Não se trata apenas do ruído da água do mar, mas também do ruído das almas de adultos e crianças a quem o mar serviu como sepultura”, corrobora Ana Fernandes. O apelo ao valor da solidariedade, num mundo onde materialismo e ganância atingiram dimensão exorbitante, é retratado em “O Ruído do Mar” de forma comovente, como acentua a realizadora: “Às vezes passamos por situações nas quais temos de assumir a responsabilidade que temos perante os mais fracos; em ‘O Ruído do Mar’, o guarda do refugiado faz isso, pondo em risco o seu trabalho”.
ESTADO DEVIA APOIAR ARTISTAS DA DIÁSPORA
Acompanhando à distância o que se passa no arquipélago onde nasceu, Ana Fernandes sustenta que os responsáveis da Cultura deviam interessar-se por aquilo que se desenvolve fora de Cabo Verde. “Os artistas que trabalham fora do país são pequenos embaixadores. Ficaria um dia muito orgulhosa se um trabalho meu recebesse financiamento, mesmo ínfimo, em Cabo Verde. Não precisava de ser com dinheiro… todo o apoio que pudesse ser dado a um projecto, ajudava-o a concretizar-se”.
Ana Fernandes realiza documentários para a televisão alemã, mas não é fácil conseguir financiamentos com temática africana. Porquê? Explica: “Põe-se sempre em questão a relação entre país financiador e país onde o filme vai ser realizado. A Alemanha não tem história colonial africana como, por exemplo, Portugal ou França; é difícil encontrar uma ligação no passado que justifique o financiamento. Isso exige muita luta”.
A realizadora fala da cantora Mayra Andrade que, em “O Ruído do Mar”, é agradável surpresa, vestindo o papel de actriz: “Sempre gostei da naturalidade da Mayra no palco e da sua fascinante voz. Não me surpreenderá se este filme não for o único no qual desempenhe um papel, pois tem muito talento.
Com o curso de Arquitectura, Ana Fernandes acha que essa actividade se complementa com a de realizadora: “São áreas que exigem muita criatividade. Do nada surge uma ideia, e a ideia passa por muita metamorfose até atingir a forma ideal”.
O APELO DO MAR
O apelo ao regresso a Cabo verde está-lhe no sangue. Visita o arquipélago, pelo menos, uma vez por ano. “Sinto saudades da minha família, que amo. Mas sobretudo sinto saudades do mar! O mar é a minha fonte de energia. Os cabo-verdianos conhecem muito bem esse sentimento ambivalente de partir e de regressar – querer ficar e ter de ir -, o nosso tema principal na música e literatura. É parte de nós e reflecte-se em tudo o que fazemos”.
Por isso, diz a realizadora, a influência de Cabo verde e da sua Cultura tornam-se imprescindíveis nos trabalhos que faz: “Muitas inspirações visuais têm raiz na minha terra natal [Praia]. São lembranças da infância! Os cabo-verdianos têm grande potencial: a nossa mistura de diversas culturas. Isso enriquece-nos, torna-nos seres de mente aberta, livres no pensar. É muito importante no viver”.
CÂMARA DA PRAIA SAÚDA REALIZADORA
A Câmara Municipal da Praia, através do Pelouro da Cultura, já se regozijou publicamente pela feliz notícia, considerando que “a inclusão desta curta-metragem no grupo dos 10 potenciais vencedores do Oscar pela Academia Cinematográfica Americana, por si só, mostra a qualidade do trabalho que a cabo-verdiana Ana Fernandes está a desenvolver”, adiantando que “também por ser uma praiense, certamente que a Cidade de Praia de Santa Maria está orgulhosa do facto de mais uma das suas filhas estar a triunfar no mundo cinematográfico caracterizado pela exigência, rigor e alta competição”.
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“O RUIDO DO MAR”
Cabo Verde, 2010, Ficção, 26′, 35mm
Realização: AnaFernandes, Torsten Truscheit
Produção: Marcus Machura, Thomas Reisser

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