Jorge Carlos Fonseca: “Meu caderno de encargos é a Constituição”
Jorge Carlos Fonseca diz que a campanha eleitoral está a ser montada para ganhar numa única eleição. Apesar das presidenciais não terem ainda data, o candidato apoiado pelo MpD já está no terreno. Afirma estar pouco preocupado com as sondagens, e prefere apontar as energias para as afinações finais da máquina eleitoral. Sobre a candidatura de Aristides Lima, o mais recente concorrente, sublinha que não vem causar qualquer sobressalto à estratégia já delineada.
Expresso das Ilhas - Foi apanhado de surpresa com a candidatura de Aristides Lima?
Jorge Carlos Fonseca - De surpresa, não. Sempre foi uma possibilidade, ele tinha feito declarações no sentido que sendo cidadão, com as condições exigidas pela Constituição podia avançar. Avançou. Pelo menos, para mim, não foi surpresa.
Mas num partido de raiz tão centralista como o PAICV não deixa de ser uma novidade.
Sim, é uma novidade. Mas, eu creio que para a democracia este contexto em que se desenrola as presidenciais é interessante, pelo menos para os analistas e para os média, é um facto novo.
Esta candidatura vem alterar a sua estratégia?
Não. Estamos a trabalhar esta candidatura há mais de um ano. Anunciei a candidatura, de forma significativa, antes das legislativas, para dar a ideia que se tratava de uma candidatura com apoios seguros. Uma candidatura que era incondicionada, isto é, não tinha a ver com o resultado das legislativas ou com apoios partidários. Que era uma candidatura autenticamente cidadã, uma candidatura que provinha da sociedade civil, como é exigência da constituição. Portanto, temos trabalhado a candidatura há muito. Houve uma série de contactos, com personalidades políticas, com empresários, jovens, intelectuais, quadros, universitários, para ver a dimensão do apoio que a candidatura tinha, havendo hipótese o sucesso nas eleições presidenciais. Depois de uma avaliação objectiva, entendi que tinha as condições para isso e avancei, no dia 27 de Novembro. Todo o trabalho que tem sido feito de lá para cá é um trabalho de consolidação e de alargamento das bases de apoio da candidatura. Veio um elemento político muito relevante, que foi o apoio incondicional expresso pelo MpD e depois disso tenho estado a montar as estruturas, a fazer visitas nesse sentido, internamente e na emigração. Ou seja, estou a trabalhar para, seja qual for o contexto, ganhar as eleições à primeira volta, esse é o objectivo que temos. Portanto, essa candidatura para nós não é muito relevante, sobretudo porque tal como a outra provêm da mesma área política.
Mas haver três candidatos não torna mais previsível uma segunda volta?
Não posso excluir essa possibilidade. Mas, o trabalho que temos estado a fazer é para ganhar à primeira volta. Por enquanto, o que se adivinha é que se houver como adversários um, ou dois, ou três candidatos, sendo do mesmo território político, naturalmente que os votos, à partida, disponíveis nessa área vão repartir-se pelos candidatos. Isso não altera a posição relativa da minha candidatura num quadro geral.
Que leitura faz desta candidatura do Dr. Aristides Lima?
Não seria de bom-tom estar a fazer uma avaliação. O Dr. Aristides Lima há já muito tempo que se afirmava candidato, aliás, curiosamente é deputado, eleito pelo PAICV, continua a ser deputado. O único elemento novo é o facto de afirmar ser candidato da cidadania e independente quando é deputado de um partido ao mesmo tempo. Fez campanha eleitoral, vestiu a camisola partidária, agitou bandeiras, é um facto que pode não ser compreensível, à primeira vista, esta afirmação de que é candidato independente.
A impugnação
Em relação ao MpD, houve uma impugnação ao apoio dado à sua candidatura. Está preocupado?
Bem, eu não sou membro da Direcção Nacional. Não sei o que se passou no seu seio, nem conheço os procedimentos internos. A única coisa que sei é que houve uma deliberação e que o meu nome foi escolhido por uma maioria clara dos dirigentes nacionais. Se algum militante se sente legitimado para impugnar, de acordo com os estatutos, estará no seu direito, isso não afecta a candidatura. De qualquer modo, penso que as declarações do presidente do partido, do Dr. Carlos Veiga, são esclarecedoras a esse respeito. Para nós, isso não perturba em nada o caminho desta candidatura, que se vai afirmando, vai crescendo e vamos continuar a fazer o nosso trabalho. Todo o resto, não tem muita importância para nós.
Não será um sinal de divisão dentro do MpD?
Não creio. Repare, eu não sendo membro do MpD neste momento, apesar de ter sido fundador do partido, ministro e membro da direcção nos anos 90, nunca esperaria que me pusessem um tapete vermelho, ou que tivesse a unanimidade dentro do MpD. Mas, o facto de ter tido o apoio de cerca de 70 por cento, e de sentir o apoio fortíssimo, entusiasta e alargado dos dirigentes do MpD, dos autarcas, dos deputados e sobretudo dos militantes de base, que estão comigo, é sinónimo que irei ter o envolvimento e apoio quase total do partido. Posso dizer que ainda há dias estive em Espanha, numa visita que nem estava programada, e que foi preparada pelas estruturas do MpD. Foram os seus responsáveis que me acompanharam, com toda a simpatia, com todo o entusiasmo. Na Calabaceira também fui acompanhado pelo coordenador do MpD, e isso tem acontecido por todo o lado. Tenho visitas programadas para São Vicente, Fogo, Maio, Brava, São Nicolau, e para além do apoio de pessoas independentes, sinto o apoio cada vez mais forte de todas as estruturas nacionais, regionais e locais do MpD. Portanto, quanto a isso não há dúvida nenhuma, e creio até que a candidatura tem contribuído para motivar as hostes do MpD depois da derrota eleitoral de 6 de Fevereiro. Eventualmente, pode haver uma ou outra pessoa que não esteja com esta candidatura, mas isso é a coisa mais normal na democracia e num partido onde as coisas funcionam democraticamente. Agora, não duvido que tenho o apoio expressivo, e largamente maioritário, em todos os segmentos do MpD.
Falou de um regresso entusiasta neste período pós-eleições, mas a verdade é que vai enfrentar a hegemonia actual do PAICV.
O governo que temos, neste momento, resulta de eleições democráticas e portanto é um governo legítimo. Não há regras em matéria de eleições que nos digam que um partido só pode ter um mandato, ou dois, ou três. O povo é que decide. Ao anunciar a minha candidatura antes das legislativas quis dar um sinal claro que teria as condições para ser Presidente da República em qualquer cenário político. Seria um Presidente da República com capacidade de exercer uma magistratura de influência activa, no plano político e moral, na sociedade cabo-verdiana, sendo um governo do PAICV, ou do MpD, ou um eventual governo de coligação. Não posso escolher os governos com quem devo co-habitar.
O contexto da magistratura
Mas será sempre uma magistratura exercida num contexto difícil.
Tem alguns problemas. Precisamos de crescer mais economicamente para combater o desemprego, temos problemas de credibilização do sistema de justiça aos olhos da opinião pública, conter a insegurança a níveis comportáveis, fenómenos novos como a criminalidade transnacional organizada, há uma crise financeira e económica internacional com impacto no país, e portanto, os momentos próximos não serão fáceis. Seria bom que o governo tivesse a oportunidade de ter políticas públicas eficazes e inteligentes e uma chefia de estado onde estivesse uma pessoa capaz de ter uma cooperação institucional leal e atenta, mas também que fosse uma voz que não fosse igual à do governo, que pudesse ajudar o governo a encontrar as soluções mais adequadas, a ter alternativas. Porque, se todas as vozes forem iguais pode haver a tentação de encontrar a solução mais fácil, mais imediata, mais cómoda. É por isso, que uma pessoa como eu, equidistante dos partidos políticos, que não se coloca propriamente num terreno em que diz que é de outra cor política, pode exercer uma magistratura imparcial. Senão pode haver o risco de desequilíbrio, não havendo uma espécie de contraponto.
Disse inclusive que tinha um caderno de encargos. Porquê?
O caderno de encargos de um Presidente da República é a Constituição. Um presidente não tem um programa, tem linhas gerais de actuação. Eu pretendo ser, claramente, um moderador e um árbitro do sistema político. O que quero dizer é que sendo portador de uma ideia de cooperação institucional leal, essa cooperação será também atenta. Estarei em condições de exercer os poderes que a Constituição me confere, seja os mais explícitos, seja os poderes invisíveis, o diálogo permanente com a sociedade civil, as associações, as universidades, os empresários, os jovens. Porque a eleição provém dessa mesma sociedade e temos de prestar contas. Quero que o executivo governe com estabilidade. Qualquer exercício de poderes de correcção só se fará em casos de necessidade e em casos excepcionais. Por exemplo, fala-se do poder de dissolução do parlamento, agora um poder menos condicionado, só poderá ser exercido em situações verdadeiramente excepcionais, em crises que ponham em causa o funcionamento das instituições democráticas. Nenhum presidente de bom senso pensará em exercer o poder de dissolução se o governo tem uma maioria clara no parlamento e se o país funcionar normalmente. Não é propriamente um caderno de encargos, mas haverá sempre na presidência quem tenha opinião, e que exercerá esse direito.
Uma forma de marcar também a sua independência?
É uma forma de mostrar que o sistema é um sistema de equilíbrios, de repartição de poderes e que o governo governa e o presidente fiscaliza, estabelece os equilíbrios, as pontes e influência sempre que necessário.
Tem dito várias vezes que quer ser ‘a voz dos que não têm voz'. Esta frase não é só um soundbyte de campanha?
Não, tem aliás um duplo sentido. Quando falamos na Constituição, pensamos muitas vezes nos direitos fundamentais, dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos individuais, mas a Constituição é muito mais do que isso, tem também o estado social. Há questões com que temos de lidar nos próximos tempos. Por exemplo, tenho insistido na ideia de igualdade de oportunidades em todas as ilhas, concelhos e regiões do país. Temos de vencer algumas assimetrias regionais. Temos de garantir que as pessoas dos Picos, dos Mosteiros, da Brava, de São Nicolau, tenham as mesmas oportunidades de desenvolvimento das pessoas da Praia ou do Mindelo. Há a questão do desemprego, que tem de ser corrigido, uma vez que põe em perigo a coesão nacional e social. Um Presidente da República, sendo eleito pela sociedade, tem de ser o porta-voz das pessoas que têm mais dificuldade em realizar os seus direitos. Daí que um Presidente da República deva lutar para que a sociedade civil se afirme cada vez mais, para que haja uma opinião pública mais consistente, para ouvir mais as instâncias da sociedade e também a diáspora. Aliás, esta é a eleição que mais deve afirmar a participação das comunidades cabo-verdianas no exterior. É evidente que é importante elegerem os deputados, mas ao escolherem o Presidente da República estão a escolher o representante de uma nação.
"Não escondo que luto pelo apoio da UCID"
Também já disse que quer atrair o voto dos independentes. Mas esses não serão muitos numa sociedade tão politizada como a cabo-verdiana.
Não creio que sejam assim tão poucos. Há muitos cidadãos que não são de um partido ou de outro, mas que têm um voto flutuante entre eles. Tive acesso a um estudo que dizia que seriam cerca de 30 por cento os cabo-verdianos que não se reviam nos partidos existentes. A ser verdade, é uma fatia muito importante do eleitorado. O que quero acentuar é que sendo as eleições presidenciais muito diferentes das legislativas, a questão da escolha partidária já foi decidida no dia 6 de Fevereiro. O que as pessoas vão agora escolher é a pessoa, que pelo seu percurso, pelas suas qualidades, pelo seu conhecimento político, tem as melhores condições para vestir o fato que a Constituição desenha para o Presidente da República. Por isso, apesar de ter o apoio político do MpD, tenho o contacto com outras forças políticas.
Está a falar da UCID?
Não escondo que mantenho contactos com a UCID, que é um partido que pode ter um papel importante. Portanto, não escondo que luto por esse apoio.
As sondagens não lhe têm sido muito favoráveis. Tem seguido os estudos de opinião com atenção?
Até fico satisfeito. Apareceram umas sondagens há uns tempos que me davam valores de 5 ou 6 por cento. Mas, metiam o nome do Dr. Carlos Veiga e de mais gente que já se sabia que não eram candidatos a Presidente da República. Ultimamente já me dão 20 por cento, a 2 pontos ou 3 de outro candidato. Ou seja, se as sondagens forem credíveis, isto é um crescimento notável e se mantiver essa tendência, no fim do mês de Maio estarei no primeiro lugar. Eu também terei estudos, é natural que serão um elemento importante para a campanha. Curioso é que as sondagens apareceram sempre em momentos curiosos.
Manipulação?
(risos) Não, não digo isso. Mas, apareceu uma na véspera da Direcção Nacional do MpD, outra na véspera da reunião do Conselho Nacional do PAICV, apareceu uma outra na véspera da declaração de um possível adversário. Curiosamente também, apareço sempre a subir, começa em 4, depois vai a 10, e parece que agora apareço em segundo lugar com uma diferença de 3 pontos. Se a margem de erro é de 3,5 a 4 %, quer dizer que estarei próximo do primeiro. Ou seja, a serem verdadeiras, é uma evolução notável.
Há quase um ano que tem a ‘máquina' de campanha a funcionar. Que balanço faz até ao momento?
No início, privilegiei os contactos com personalidades, para medir os apoios que tinha. Agora, estou a trabalhar na montagem das estruturas de campanha. Tenho já director nacional de campanha, tenho já mandatário nacional, directores internacionais em Espanha e Portugal, directores no Fogo, Brava, Praia. Portanto, estou a montar as estruturas e ao mesmo tempo a fazer um contacto acelerado com as populações. Estou na vida política desde os 17 anos, mas nos últimos tenho estado afastado da vida política activa. Não tenho, como outros candidatos, a visibilidade, por isso é que estou a acelerar esse contacto com as populações. É todo um trabalho que está a ser pensado metodicamente, com tranquilidade, e sentimos que a candidatura está a crescer, a consolidar-se e a obter uma simpatia cada vez mais forte junto dos eleitores, mesmo junto dos eleitores do PAICV, aliás, tenho alguns a trabalhar comigo, o que mostra que sou um candidato transversal, de cidadania. E por isso, sinto alguns sinais, de nervosismo, de algumas fantasias que saem na imprensa, o que até é bom para apimentar o combate político. Nós continuamos a fazer o nosso trabalho, para que em Maio, Julho, estejamos à frente, e para assim cumprir o objectivo de vencer à primeira volta.
Jorge Montezinho, Redacção Praia
http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/detail/id/24269
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