quarta-feira, 28 de março de 2012
CV(Liberal):PARLAMENTO É MUITO VIRADO PARA O FOLCLORE
Entrevista com Emanuel Barbosa
A política deve ser feita em todo lado, não se deve circunscrever à Assembleia Nacional. O deputado pelo círculo da Europa e Resto do Mundo - e líder da Região Política de Portugal do MpD - está a marcar a diferença e a afirmar-se como uma das vozes emergentes do universo ventoinha
Praia, 26 de Março 2012 – A fazer 43 anos, Emanuel Barbosa é talvez dos poucos parlamentares que não precisa da política para nada. Com uma vida profissional bem construída em Portugal, onde reside, o deputado do Movimento para a Democracia (MpD) pelo currículo da Europa e Resto do Mundo tem vindo a dar sinais claros que tem da actividade política uma visão bem diferente dos seus pares, erguendo de longa letargia o seu partido na Região Política de Portugal.
Líder local do MpD, Barbosa ambiciona transformá-lo na primeira força da diáspora cabo-verdiana em solo luso e é, cada vez mais, um nome conhecido da comunidade e elogiado pelo seu empenho em servi-la, construindo respostas políticas e estabelecendo contactos permanentes com os emigrantes. Parece ser a antítese dos seus companheiros no arquipélago que, não raras vezes provocam a invectiva popular da base de apoio partidário: “onde está a oposição?”…
O MPD ACABA DE COMEMORAR 22 ANOS DE VIDA. E A ESTRUTURA PARTIDÁRIA EM PORTUGAL AVENTUROU-SE A UMA GRANDE INICIATIVA. CORREU BEM, MAS PODIA TER DADO PARA O TORTO. FOI UM “RISCO” CALCULADO?
Não foi uma aventura. Abraçamos, responsavelmente, o desafio de colocar de pé um grande evento, com dimensão nunca dantes realizado em Portugal, com o propósito de mostrar que a estrutura local do MpD tem vindo a fazer um percurso devidamente pensado e que com o tempo há-de culminar na consagração do MpD como o maior partido cabo-verdiano em Portugal. Obviamente, que não é fácil organizar eventos do género quando laboramos sem recursos financeiros e tendo em conta as especificidades da emigração. Mas, quando existem vontade e determinação é lógico que se consiga mover montanhas, e aqui devo destacar a entrega da comissão organizadora a quem o sucesso do evento se deveu e a forma como os nossos militantes e simpatizantes responderam com uma participação que muito nos honra.
DIZ-SE POR CÁ, PARECER QUE O MPD SÓ EXISTE EM PORTUGAL. SUCEDEM-SE AS ACÇÕES NO TERRENO, VERIFICA-SE UM ACENTUADO CRESCIMENTO ORGÂNICO, FAZ-SE AQUILO QUE É SUPOSTO UM PARTIDO FAZER: TRABALHO POLÍTICO. E ISSO TEM O SEU SELO E O SELO DA COMISSÃO POLÍTICO DO MPD-PT. ESTÁ A DAR UM SINAL, PARA DENTRO, DE COMO SE FAZ POLÍTICA?
Seria uma pretensão exacerbada da minha parte querer dar lições nesta matéria a quem quer que fosse. Contudo, devo frisar que a Região Política de Portugal sabe muito bem o que pretende e tem um projecto que está reflectido no seu plano de acção para o ano de 2012. O grande desafio que se nos coloca é o de conseguir mobilizar recursos financeiros para a sua prossecução. Modéstia à parte, reconheço que a nossa equipa tem feito um grandioso trabalho na reorganização do partido para o tornar cada vez mais funcional de forma a reforçar a dimensão da sua actuação política, que pretendemos cada vez mais eficaz e eficiente e próxima das pessoas.
O SEU PARTIDO, ENTRE OUTRAS, TEM UMA CARACTERÍSTICA: TRATA MAL OS SEUS – É UM FACTO. FAZEM SENTIDO OS BOATOS QUE DIZEM HAVER UMA RELAÇÃO TENSA ENTRE O LÍDER DO MPD EM PORTUGAL E A ESTRUTURA LOCAL DA JPD-PT?
A relação com JpD-PT é uma relação normal com uma estrutura que está à procura de afirmação e que esperamos se afirme e ocupe o seu espaço. Como haveria o MpD de tratar mal os seus? Penso que o que falta ao MpD é uma cultura organizacional forte, desenvolvimento de um espírito de pertença, partilha de padrões de comportamentos e valores, cumprimento dos seus estatutos e regulamentos internos e ter órgãos que, efectivamente, funcionem.
Nós, os militantes e dirigentes do partido, temos de perceber que não podemos sobrepor as nossas agendas à do partido. A denegação destes princípios é o mesmo que concorrer para fomentar a anarquia e para sermos um bom movimento, mas um mau partido.
MAS NÃO ACHA QUE, TALVEZ EXCEPTUANDO O CASO DE PORTUGAL, A JPD É UMA ORGANIZAÇÃO MORTA, SEM QUALQUER INTERVENÇÃO OU INFLUÊNCIA JUNTO DA JUVENTUDE, E – MAIS GRAVE AINDA – UMA ESPÉCIE DE AGÊNCIA DE EMPREGO POLÍTICO PARA ARRIVISTAS?
Quero crer e ter vivas esperanças que assim não seja, seria muito mau para a nossa democracia e uma má escola para os nossos jovens. Seria um factor de descrença para a actividade política. Eventualmente, este é um assunto que merece uma aturada reflexão interna.
DESDE LOGO, NA SUA QUALIDADE DE PARLAMENTAR PELO CÍRCULO DA EUROPA, ESTÁ A COLOCAR O DEPUTADO DO PAICV A ANOS-LUZ E OS EMIGRANTES CABO-VERDIANOS NEM LHE CONHECEM O NOME… PELO CONTRÁRIO, EMANUEL BARBOSA É O NOME DE QUE SE FALA. TEM CONSCIÊNCIA DE QUE INAUGUROU UMA NOVA FORMA DE FAZER POLÍTICA NA DIÁSPORA?
Tento na política ser igual a mim mesmo, fazendo as coisas com seriedade e abraçando as causas pelas quais acredito e me envolvo. A emigração é uma causa que abracei e tudo farei para defender os interesses dos nossos emigrantes. Existe um grande caminho a trilhar e posso afirmar, com propriedade, que ainda está quase tudo por fazer. Daí que é meu entendimento que todos os deputados eleitos pelos círculos da emigração devam unir-se à volta das políticas necessárias para a nossa diáspora e não partidarizá-las. A meu ver, a política que se faz em sede do parlamento é muito redutora. Ela é virada para o folclore, teatralização para a televisão, e em certa medida, é uma feira de vaidades.
QUAIS SÃO AS GRANDES BANDEIRAS DAS POLÍTICAS VENTOINHAS PARA AS COMUNIDADES CRIOULAS ESPALHADAS PELA EUROPA?
Acima de tudo, trabalhar para a dignificação e “empoderamento” dos nossos emigrantes, que muito contribuem para o desenvolvimento e para a manutenção da marca Cabo Verde. Passa, essencialmente, pela integração social, política e económica dos nossos emigrantes na sociedade dos países de acolhimento e aproveitamento do seu potencial, enquanto empresários na dinamização da nossa economia. Depois existem as históricas questões das alfândegas, do preço dos bilhetes de avião e do atendimento especializado na administração pública que, com certeza, não serão esquecidas.
TENS CONSCIÊNCIA DE QUE CADA VEZ MAIS SE ESPALHA A IDEIA DE QUE O SEU PARTIDO, PARA ALÉM DA ACTIVIDADE PARLAMENTAR, NÃO TEM QUALQUER VISIBILIDADE POLÍTICA NO ARQUIPÉLAGO, NÃO FAZ OPOSIÇÃO E PARECE, ATÉ, SER O MAIOR ALIADO DO GOVERNO DE JOSÉ MARIA NEVES?
Aliado do JMN, não. Temos políticas diametralmente opostas às que têm vindo a ser implementadas pelo PAICV com os resultados nefastos que todos sabemos. Porém, a questão eventualmente se coloca ao nível da coordenação política e do funcionamento do MpD, enquanto sistema, pois poderíamos estar com um outro desempenho, aproveitando a força dos nossos autarcas, do nosso grupo parlamentar, da nossa organização da juventude e do partido em si.
O grande desafio que se põe ao MpD é o de encontrar soluções para que tenha vida própria, para além do grupo parlamentar, e seja capaz de marcar permanentemente a agenda política cabo-verdiana, socorrendo-se do seu manifesto eleitoral que permanece válido, enquanto compromisso com a sociedade civil.
O QUE É O MPD? UM PARTIDO LIBERAL OU SOCIAL-DEMOCRATA? POSICIONA-SE À DIREITA OU À ESQUERDA? PARECE HAVER ALGUMA AMBIGUIDADE IDEOLÓGICA, NUMA ALTURA EM QUE SERIA IMPORTANTE UMA CLARIFICAÇÃO, UM SEPARAR DE ÁGUAS NA POLÍTICA CABO-VERDIANA.
Na conferência organizada pela Região Política de Portugal, havia um painel cujo tema foi “MpD entre a esquerda e a direita – Que matriz ideológica”. Houve uma discussão acalorada à volta deste painel. Segundo julgo saber, o MpD, pela sua génese e como forma de federar à sua volta a sociedade civil que se opunha ao regime de partido único, nunca quis vincar a questão ideológica. Basta vermos que a definição explícita da matriz ideológica do MpD não está presente, em termos de esquerda ou da direita, nem no estatuto originário e nem em nenhuma das subsequentes revisões do mesmo. Igualmente, em nenhum outro documento fundador do partido esta matéria é tratada com relevância. Penso não ter sido um lapso! Por outro lado, hoje em dia, os partidos ditos do arco do poder têm vindo a esbater um bocado a ideologia em termos dogmáticos, apostando no pragmatismo ideológico sem pôr em causa as linhas mestras que orientam o essencial dos seus discursos políticos. Contudo, é uma reflexão que se pode fazer abertamente hoje. Já se avaliaram as consequências de se fixar o MpD à esquerda ou à direita? Não será fracturante? O MpD, pelas políticas que implementou quando foi governo e à luz daquelas que hoje defende na oposição, nomeadamente na área económica e na social, bem que poderia ser conotado com um partido de centro-esquerda ou centro-direita. O importante é haver razoabilidade e poder discutir estas matérias com serenidade e ponderação tendo sempre em conta que o órgão com competência para deliberar sobre este assunto é, unicamente, a Convenção. É um assunto pertinente que daria para despendermos muita tinta e energia. Uma coisa é agora certa: o MpD tem uma ideologia assente nos valores da democracia, da tolerância, do humanismo, do pluralismo, da liberdade económica, do interclassismo, de tantos outros que o pouco espaço disponível nos impede de os enumerar.
FALA-SE NA NECESSIDADE DE UMA TERCEIRA FORÇA POLÍTICA, QUE CANALIZE O PROTESTO E AS INQUIETAÇÕES COLECTIVAS E QUE FAÇA, DE FACTO, OPOSIÇÃO. ESSE É UM SENTIMENTO QUE ESTÁ A CRESCER NA SOCIEDADE CABO-VERDIANA, AO MESMO TEMPO QUE EMERGE UM DISCURSO CONTRA OS PARTIDOS SISTÉMICOS: O PAICV E O MPD. PENSA HAVER ESPAÇO PARA UM NOVO PARTIDO?
A história recente mostra-nos que os cabo-verdianos têm repartido a sua confiança no MpD e no PAICV. Temos a UCID, com implantação regional, que não consegue descolar para além dos dois mandatos que têm conseguido e os outros partidos com expressões ultra-residuais. A democracia é um regime aberto e plural no seio da qual existe um enorme espaço político, por vezes, até invisível e, em consequência, não explorado. Cabe a cada um identificar e disputar um espaço próprio que lhe dê expressão, tendo nesta matéria uma palavra importante e crucial os eleitores.
Exclusivo Liberal
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