sábado, 14 de janeiro de 2012

CV(EXpresso) Opinião: Sinais (A coluna de Amílcar Spencer Lopes)

Opinião: Sinais (A coluna de Amílcar Spencer Lopes)

A fazer fé no que vem escrito em alguns jornais on line, da nossa praça, a Dr.ª Isaura Gomes, ex-presidente da Câmara Municipal de São Vicente, foi mandada buscar em casa, sob custódia, para ser presente na audiência de julgamento, num processo crime que corre seus trâmites no Tribunal de Comarca, daquela ilha.
Sem entrar em pormenores de saber se o tribunal de comarca é ou não competente para julgar um ex-titular de cargo político por eventuais delitos cometidos no exercício e por causa dessas funções, como, posteriormente, veio, igualmente, a ser noticiado, nem aferir do mérito da causa, que desconheço em absoluto e cabe, em todo o caso, exclusivamente, ao julgador, de acordo com os critérios legais, e a sua ponderada convicção, quer parecer-me, com a devida vénia e salvo melhor opinião, que a decisão de mandar comparecer a Arguida sob custódia foi, no caso em apreço, desmedida.

Efectivamente e em síntese, o Código de Processo Penal, que regula o andamento e a condução dos actos processuais nesta forma de processo, estabelece (e não vou aqui estar a citar os artigos, números e alíneas, para não cansar o leitor leigo) a obrigatoriedade da presença do arguido, na audiência de julgamento.

No entanto, o código também estabelece que, "toda a pessoa devidamente notificada que não comparecer no dia hora e local designados, nem justificar a falta, será condenada ao pagamento de uma quantia entre dois a trinta mil escudos". É, todavia, admissível qualquer espécie de prova, incluindo a testemunhal, para a justificação da falta, cabendo ao juiz apreciar a prova produzida segundo a sua livre convicção, depois de ouvido o Ministério Público, ou seja, o Procurador da República.

A lei permite até que a justificação seja feita dentro de cinco dias, não se executando a condenação até que tenha decorrido esse prazo.

Pode, porém, o juiz ou o Ministério Público ordenar, oficiosamente ou a requerimento, e independentemente da aplicação da multa referenciada, ordenar que quem tiver faltado sem justificação (o sublinhado é meu), "seja detido pelo tempo indispensável à realização da diligência e bem assim condenar o faltoso ao pagamento das despesas ocasionadas pela sua não comparência".

Ora, tendo o juiz do Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de S. Vicente mandado comparecer a Dr.ª Isaura Gomes sob custódia, como rezam as crónicas dadas à estampa nos jornais on line, deduz-se que, ou a Arguida não justificou a sua falta à audiência de julgamento ou, tendo justificado a falta, o juiz não considerou os motivos invocados, suficientemente atendíveis e justificativos daquela mesma falta. E tudo leva a crer que a justificação não foi considerada, pois, a notícia diz que a acusação teria contestado o atestado médico apresentado pela defesa para justificar a ausência da Arguida e, em consequência, requerido a apresentação da mesma, sob custódia, argumentando que, passo a citar, "..., apesar do atestado médico indicar que há cerca de dois anos Isaura Gomes se encontra em casa sob medicação, ela tem sido utilizada pelo MpD nas suas acções de campanha. Mas, quando convocada para comparecer no Tribunal, surge sempre um atestado a dizer que ela não está bem". E foi com base nessa argumentação que, ao que tudo indica, o juiz teria deferido o requerimento e ordenado a apresentação da Arguida, sob custódia.

Não vou também entrar na questão de saber se o atestado médico devia ou não ser considerado válido, apesar de ser público e pacífico que a Dr.ª Isaura Gomes padece, de há uns dois anos para cá, de problemas sérios de saúde, a ponto de ter renunciado ao mandato de Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente, para que foi livre, regular e democraticamente eleita.

Confesso, todavia, que a argumentação apresentada e aceite pelo Tribunal, para a apresentação da Arguida em juízo sob custódia, deixa-me apreensivo. Primeiro, porque sei que a lei, para além de prever a multa, como antecâmara, digamos, de uma sanção maior e de certo modo extrema, que é da apresentação sob custódia, a lei, dizia eu, põe à disposição do Tribunal outros meios, tendentes à descoberta da verdade, que é o fim último do processo.

É, assim, que estando, por exemplo, provada a impossibilidade ou grave inconveniente no comparecimento à diligência - neste caso à audiência de julgamento - "pode o faltoso ser ouvido no local onde se encontra, sem prejuízo da realização do contraditório legalmente admissível no caso".

Por outro lado, apesar de estabelecer a regra geral da inadmissibilidade de julgamento de arguido ausente, o Código de Processo Penal de Cabo Verde permite, não obstante, que, "sempre que o arguido se encontrar impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por doença grave, poderá requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência e, se por acaso o tribunal vier a considerar indispensável a comparência do arguido, ordená-la-á, interrompendo ou adiando a audiência se isso for necessário".

Fica deste modo demonstrado que existem outras soluções, menos gravosas, de conseguir-se o desiderato do julgamento, sem submeter um arguido qualquer à medida extrema, diria mesmo, ao vexame, de ser conduzido ao tribunal sob custódia, como se de criminoso perigoso, desobediente qualificado, delinquente reincidente e habitual ou sobre quem recaia fundada suspeita de fuga se tratasse, o que, tanto quanto se saiba, não era o caso.

Em segundo lugar, fico ainda apreensivo porque tanto quanto me é dado saber, os juízes, procuradores e advogados são todos servidores qualificados e colaboradores imprescindíveis da administração da Justiça. São eles, no seu conjunto, que compõem, ao fim e ao cabo, os Tribunais. A justiça não pode ser vista como um ajuste de contas. Em momento algum, deve pairar sobre o espírito de quem quer que seja, a ideia de que a justiça é um ajuste de contas. Deixar pairar essa suspeita ou a imagem que seja, faz perigar os fins do processo e põe em causa os mais elementares direitos e garantias dos cidadãos.

Por outro lado, os critérios jurídicos não podem, de maneira alguma, ser confundidos com motivações políticas.

O espírito e o conteúdo da Constituição devem ser vividos, vivenciados, respirados, em cada momento, naturalmente, mormente por quem, como os Tribunais, tem a soberana e prestigiada função de julgar.

Muitas vezes, as pessoas não ligam aos números. Porém, os números são, não raras vezes, importantes. É deveras preocupante ouvir o Comandante Geral da Polícia Nacional dizer que a criminalidade em Cabo Verde aumentou em 7%, no ano de 2011.

Imaginem só que o preço do pão, da água, da energia eléctrica ou o custo de vida, de um modo geral, tivesse aumentado na mesma proporção. Ou que, numa perspectiva positiva, a taxa de emprego, os salários dos trabalhadores ou as exportações cabo-verdianas tivessem aumentado de 7%, no mesmo período; a hecatombe, no primeiro caso, ou o impacte positivo, no segundo, que tais factos não teriam na vida das pessoas, em Cabo Verde.

Por isso, o facto de a taxa de criminalidade ter aumentado de 7%, em apenas um ano, é, repito, preocupante e convoca os cidadãos a reflectir sobre o caminho até agora trilhado pelo país sob a batuta do Governo. Não será, obviamente, tarefa exclusiva do Governo trabalhar para inverter a tendência já revelada. O Governo é, todavia, nos termos da Constituição da República, "o órgão que define, dirige e executa a política geral interna e externa do país...".

Em tempo de crise, a unidade de vontades é imprescindível. É, contudo, necessário inspirar e liderar essa unidade de vontades. E o tempo urge.

Se outros motivos não houvesse para tal, parece-me que o simples facto de a taxa de criminalidade ter atingido uma subida tão drástica, em tão pouco tempo, deveria constituir sinal de alerta suficiente de que algo não vai bem e que, a persistir no erro, ele poderá ser fatal.
http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/go/opiniao--sinais--a-coluna-de-amilcar-spencer-lopes

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