segunda-feira, 12 de março de 2012

PR:DISCURSO NA SESSÃO SOLENE DE BOAS-VINDAS - Paços do Concelho de Santa Catarina (Santiago) - 8 e 9 de Março de 2012


A mim djam queria ser um poeta/ Pam faze um mar de poesia/Pam compara ess bô beleza c`natureza/Parcem nem mar nem lua cheia/Nem sol brilhante nem note serena / Ta compara c`formusura di bô corpo

Este é seguramente um trecho de quem, como Paulino Vieira, é capaz de criar o belo a partir do nada, de quem tem a capacidade de captar de modo tão simples e simultaneamente tão profundo, o que todos sentimos mas nem sempre conseguimos exprimir.

No dia de hoje não é possível deixar de me lembrar de entes queridos meus, mulheres, e, através deles, abarcar com um olhar maior que o mundo, as mulheres de Santa Catarina, as mulheres de Santiago, as mulheres de Cabo Verde que, neste nosso querido país e em praticamente todo o planeta, vão carregando as nossas dores, as nossas angústias, as nossas vitórias, as nossas esperanças. Mais: é impossível não reconhecer as vitórias protagonizadas por milhares de mulheres ao longo dos anos. A fixação de uma data para celebrar a mulher é o reconhecimento e o coroamento de um longo processo de organização e luta das mulheres, na maior parte dos países do mundo, e que merece, além da nossa exaltação, toda a nossa colaboração. Muito já foi conquistado, mas muito ainda há para ser feito no combate ao preconceito e à desvalorização da mulher em nossas sociedades. 

No dia de hoje, há que homenagear as mulheres do mundo inteiro, reconhecer de forma inequívoca a grande importância que assumem no mundo de hoje e assumir que, no mundo tão conturbado e contraditório em que vivemos, são, de facto, uma das grandes esperanças da humanidade, pois a hegemonia masculina, que ainda se estende por todo o planeta, tem-nos conduzido por caminhos perigosos em termos de relações entre pessoas, entre países, de relações com a natureza, fazendo perigar, a prazo, a nossa própria sobrevivência.

No dia de hoje, há que saudar as mulheres de Cabo Verde. Entre nós as mulheres sempre trouxeram às costas ou ao colo este país. Sempre foram o rosto e o suor desta terra que nem sempre lhes deu o melhor. Igualando e muitas vezes ultrapassando os homens em sacrifícios, em sofrimento e em capacidade, foram, com eles, por vezes com uma entrega que roça o heroísmo, criando esta realidade, construindo esta terra, edificando a nossa cultura, para nem sempre receberem o devido, por direito. 

O abastecimento dos mercados onde adquirimos os bens e produtos essenciais à nossa restauração é uma das grandes obras das mulheres anónimas deste nosso Cabo Verde. E as estatísticas do emprego não são piores do que são graças às actividades dessa parcela importantíssima da nossa Nação que, sem alarido, gera postos de trabalho em números que espantaria muita gente. A estas heroínas, que andam por Dakar, Fortaleza e S. Paulo, Lisboa, Madrid, Paris, Londres e Amsterdão, que já foram assinaladas em Joanesburgo e na Cidade do Cabo e em Telavive, fazendo negócios, presto a minha mais sincera homenagem.

Mas, se no dia de hoje, oito de Março, a luta titânica das mulheres deve ser colocada em primeiro plano, se como dizia o poeta, elas devem no “ Jardim do futuro criar o seu canteiro”, esta perspectiva só tem sentido se o futuro começar hoje, ou mais propriamente, se atentarmos para o facto de que, em boa verdade, este futuro já se iniciou, enquanto entrega, enquanto busca de uma vida melhor, enquanto luta por vezes com contornos plasticizados, diria, por um lugar no mundo que vá para muito além da condição de musa inspiradora.

Minhas senhoras, caras amigas, meus senhores,
Ainda que a realidade aponte nessa direcção, ainda que os factos devam ser verificados, se possível na sua objectividade, confesso que tenho alguma dificuldade em falar de avanços em termos de relações de género;
a minha dificuldade radica no facto de ter de aceitar uma perspectiva evolutiva, perante uma realidade que deveria ter uma solução radical, imediata, irreversível. É evidente que os processos sócio-culturais não podem ser apreendidos e equacionados num óptico voluntarista; mas devemos, igualmente, nos precavermos contra a tendência para nos comprazermos com avanços reais, ainda que limitados, justificados por dificuldades que ainda subsistem.

Com esta observação pretendemos alertar para o facto de se evitar a postura de se esperar que, por inércia, medidas mais gerais e transversais, não obstante importantes, como as aplicadas no sector da educação ou da saúde reprodutiva, por exemplo, por si só resolvam a complexa questão da relação género no nosso país. Aliás, a posição de instituições com particular responsabilidade nessa matéria, como o Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e a Equidade do Género (ICIEG) é muito clara a esse respeito; isto é, ao mesmo tempo que se saúdam as medidas globais que têm influência positiva nas relações de género, são propostas intervenções específicas que têm em vista combater as desigualdades inaceitáveis existentes pelas vias da investigação, assistência, legislação e capacitação dos vários intervenientes na matéria. 

Aproveitamos a oportunidade para saudarmos o meritório trabalho que esse instituto tem vindo a realizar em prol da construção de relações mais saudáveis, igualitárias e humanas entre mulheres e homens na nossa sociedade. 

Igualmente, através da Morabi, OMCV, VERDFAM e Laço Branco, e outras instituições, homenageamos as diversas organizações da sociedade civil que, no dia-a-dia, contribuem para edificação de uma sociedade em que a Cidadania Democrática impregne também os gestos, as atitudes, os afectos, o ser e o estar de todas as pessoas, em quaisquer circunstâncias.

Não é possível, nesta data simbólica deixar de enaltecer a luta que as mulheres cabo-verdianas, ao lado dos homens, vêm desenvolvendo para que a que igualdade, consagrada na Constituição e nas demais leis, extravase, em permanência, as páginas desses importantes institutos e impregnem o quotidiano de cada um. Há que realçar os importantes avanços conseguidos na vida política e que continuam a ser perseguidos por iniciativas de organizações como a “Rede de Mulheres Parlamentares” que iniciou recente campanha de modo a aumentar o número de mulheres nas listas para as próximas eleições autárquicas no país.

Entendemos que uma grande prioridade deve continuar da ser concedida à grave problemática da violência baseada no género, nas vertentes educativa, de aperfeiçoamento e efectivação da legislação pertinente e, fundamentalmente, na criação de condições para um rápido e real acolhimento e amparo das vitimas da violência baseada no género. Urge pôr de pé um sistema credível e eficiente de acolhimento e protecção das vítimas dos crimes de VBG. Não se trata de mero detalhe. É um aspecto fundamental. Mormente tendo em conta a vulnerabilidade e a dependência das vítimas da violência baseada no género.

As possibilidades de sucesso no combate à violência baseada no género terão sido potenciadas com a adequação do quadro legal regulador da matéria. Importará, todavia, que todos, poderes e sociedade civil, ofendidos e testemunhas, se disponibilizem para o bom combate contra aquilo a se poderia qualificar, sem tibiezas, como uma inqualificável vergonha nacional.

Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina de Santiago,
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia Municipal de Santa Catarina,
Exmos. Senhores Eleitos municipais,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

É com enorme satisfação que dou início a esta visita a este concelho, durante a qual pretendo aprender o modo como a sua valorosa gente vem perspectivando os grandes desafios que se perfilam e construindo um futuro que se adivinha promissor para o Concelho e para a região norte da ilha.

Agradeço as amáveis palavras que me foram dirigidas e interpreto-as como um incentivo para prosseguir nesta senda de, junto das pessoas, conhecer melhor as realidades - por vezes muito duras do nosso meio - mas também de com elas beber essa força interior tão peculiar da gente trabalhadora deste imponente pedaço de Cabo Verde.

Esta relação é de suma importância num contexto de apreciáveis constrangimentos que condicionam as nossas actividades mas que também convida à perseverança, à criatividade e à ousadia, pois, por vezes, as dificuldades obrigam-nos a combater a inércia e a indagar em que medida as opções, práticas e comportamentos são as mais consentâneas com a realidade a transformar.

Minhas Senhoras e meus Senhores,
O Concelho de Santa Catarina é, sem dúvida, um dos mais emblemáticos de Cabo Verde. Pela importância económica que sempre teve no contexto nacional, pelas contribuições marcantes ao nível da cultura, pelas figuras de proa que se têm imposto no cenário nacional, pelo seu papel de grande articulador económico e social de toda a região norte, ele tem todas as condições para ser o grande elo entre as regiões norte e sul da ilha e, eventualmente, a vizinha ilha do Maio.

Mas se no plano interno esse papel pode assumir grande relevo, a estreitíssima relação que o Concelho mantém com a sua grande diáspora deverá continuar a ser incentivada no sentido da atracção do investimento mas também na perspectiva da intensificação e aprofundamento da cooperação descentralizada bem como do aproveitamento de gente originária do Concelho mas radicada no exterior e detentora de conhecimento nas mais diversas áreas. 

A Santa Catarina do futuro que está a começar tem de ter a ambição de ter o concelho e a região por base, a ilha e o país por referência e o mundo por horizonte. [Diria, no bordejo de poema de assomada nocturna, insinuar-se para além da ilha.] 

Mas essa perspectiva deve ser criada a partir da resolução de problemas locais e das respostas a inquietações e questionamentos que se inscrevem no dia-a-dia das pessoas e dos responsáveis e que, em grande parte, ultrapassam a capacidade material e institucional do poder local.

Minhas Senhoras e meus senhores,
Sendo um Concelho agrícola por excelência, a agricultura e a pecuária devem merecer atenção especial, tendo como fim a sua modernização, com destaque para o acesso a água. Este é um dos grandes condicionalismos que afecta de modo particular essas actividades e que, juntamente com as dificuldades de escoamento dos produtos, impedem que a produção local, para além de assegurar o abastecimento do mercado da Praia, seja também direccionada para as ilhas com maior afluxo de turistas.

A actividade piscatória, pelos rendimentos e postos de trabalho que pode gerar, mas sobretudo pelo grande impacto na dieta alimentar da população, reclama medidas sistemáticas, que passam pela formação, organização e melhoria das condições de captura e conservação do pescado. 

De entre o rol de problemas locais que devem merecer atenção particular,
avulta a complexa questão do desemprego que afecta inúmeros chefes de família e atinge, de forma particular, a juventude.

Temos sempre defendido que, sem um crescimento robusto e sustentado da economia, não será possível debelar a crise do emprego; temos advogado que, nesta matéria, não existem milagres possíveis. Entretanto temos também alertado para a necessidade de medidas que estimulem a criação de postos de trabalho, quer através de incentivos a empresas que os criem especialmente para jovens, quer através de articulações com as Câmaras Municipais que conhecem melhor do que ninguém a realidade local.

Minhas senhoras e meus senhores,
É tão comum quanto errada a afirmação segundo a qual determinados males sociais são preços inevitáveis do processo de desenvolvimento, do progresso. Esta postura tem a perigosa consequência de passar a mensagem segundo a qual determinados fenómenos são uma fatalidade e em relação às quais nada há a fazer. 

Convém clarificar que existem processos de desenvolvimento (ou melhor de crescimento) que estimulam as desigualdades sociais, fomentam a exclusão social e por isso alimentam tais males. Temos de ter a consciência de que, entre nós, as desigualdades sociais, que são grandes, não cessam de crescer, tornando-se comunitariamente insuportáveis; se é verdade que tal facto não é determinante do actual estado de coisas, também não deixa de ser verdade que pode favorecer determinadas manifestações sociais como a violência, a insegurança o uso de substâncias psicoativas, particularmente entre os mais jovens.

Santa Catarina, especialmente a cidade do Planalto, vem sendo assolada por esses fenómenos, possivelmente agravados pela deficiente iluminação pública e pelas constantes interrupções no fornecimento de energia eléctrica, o que tem dificultado, de forma significativa, o dia-a-dia das pessoas. .

Continuamos a defender que medidas preventivas devem ser sistematicamente adoptadas, - em termos de adequação do modelo de desenvolvimento, de educação, de ocupação de tempos livres, do incentivo a práticas solidárias -, simultaneamente à melhoria significativa da capacidade técnica, científica e operacional de investigação e intervenção das forças policiais. Insistimos na necessidade do reforço dos efectivos, da opção pelo aprofundamento efectivo do policiamento de proximidade. 

Tendo em conta a complexificação da realidade do Concelho acreditamos que não seria irrazoável ou até irrealistas encarar-se a possibilidade de criação, aqui neste concelho, de uma delegação da Policia Judiciária.

Minhas senhoras e meus senhores,
O futuro próximo do nosso país está inexoravelmente dependente das opções que viermos a fazer em matéria de redefinição das relações entre os poderes central e local, com reflexos na caplilarização do poder até as comunidades de mais reduzidas dimensões.

Nesta linha apraz-me registar a disposição do Governo de aumentar a participação dos municípios nos recursos do Fundo de Financiamento Municipal, de 10 para 17 por cento. Há muito que se considerava necessário um aumento dos recursos para os municípios. Sugere-se que, tão cedo as condições financeiras do país o permitirem, se encare a possibilidade de a participação dos municípios nas receitas do Estado seja ainda maior.

A Lei das Finanças Locais estabelece que dos 17% de receitas destinadas aos municípios, 5% estarão consignadas a finalidades fixadas na mesma Lei. A medida merecer-me-á os maiores encómios se vier a traduzir em um primeiro passo para uma nova experiência na elaboração do Orçamento de Investimentos do Estado, qual seja a da participação dos municípios na sua elaboração e costura final. Seria vantajoso para o país, como um todo, e para as comunidades, em particular, a opção por um orçamento participativo em matéria de investimentos públicos.

Chamamos a atenção dos autarcas para o desafio que isso representará para eles. É que se o Governo da República se abrir à participação dos municípios na costura do seu orçamento de investimentos, os Presidentes de Câmara estarão sendo desafiados a abrirem os respectivos orçamentos de investimentos à participação das associações de desenvolvimento comunitário e outras OSC, hoje, e às Juntas de Freguesia, mais tarde, quando o processo de descentralização conduzir à emergência de autarquias infra-municipais.

Acreditamos que uma maior disponibilização de recursos aos municípios poderá constituir uma via que contribua para respostas mais atempadas, e, portanto, mais eficientes, em áreas sensíveis como a luta contra o desemprego, a assistência social ou a habitação social.

No debate sobre a descentralização, que deve ser encardo nas perspectivas supra e inira municipal, a complementaridade entre os municípios do norte de Santiago e possivelmente com a ilha do Maio deve ser tido em linha de conta , bem como a ilha de Santiago como um todo.

Acreditamos que a experiencia na área da Saúde que tem procurado integrar os municípios do norte de Santiago, com a criação de uma região sanitária, deve merecer aturada reflexão. Se a nível dos cuidados primários, se verificam ganhos evidentes, o mesmo não se poderá dizer no concernente aos cuidados diferenciados, objectivo central do processo. De entre as razões que poderão explicar esta realidade há que indagar em que medida se repercute a não participação efectiva do poder local no processo.

Minhas senhoras e meus senhores,
Temos plena consciência de que os grandes objectivos de desenvolvimento deste Concelho de grandes dimensões, com uma população apreciável e dispersa, apenas poderão ser atingidos se houver um esforço coordenado de todos, mas especialmente entre o Governo da República e a Executivo Municipal. Penso que esta concertação deve ser procurada em permanência e reitero a minha total e leal disponibilidade para facilitar e potenciar um tal entendimento, se tal for considerado útil e necessário. 

Esperamos sinceramente que estes dois de dias de convívio convosco contribuam para o meu enriquecimento pessoal, na perspectiva de um envolvimento cada vez maior com os anseios, as expectativas e as certezas das gentes desta parcela do nosso chão que, na tabanca, no batuque, no funaná, mas igualmente no teatro e na literatura, recriam essa alma tão rica, pujante e diversificada que inspirou o trovador da liberdade e da democracia que foi Norberto Tavares. De uma gente, como a de Santa Catarina, que, à sua maneira, tanto deu e se entregou aos combates pela dignidade, pela independência e pela liberdade. 

Por fim duas notas: uma em tom pessoal para lembrar esta terra que me diz muito. Terra onde, adolescente, passava algumas de minhas férias (Nhagar).– Assomada, Nhagar, Suduguna, Achada Lém e Pedra Barro – bocados de memória de um tempo que me proporcionou aprender com muitos outros a “conspirar” pelo sonho da independência e pelo sabor então indizível da liberdade. 

A outra, de simbólica homenagem nesta terra de Santa Catarina a uma mulher, Nha Ana Veiga, e através dela, a todas as mulheres deste chão, pelo que representaram a revolta dos rendeiros de Ribeirão Manuel, passados 102 anos, e o lema « Aqui não há negro, não há branco, não há rico, não há pobre... somos todos iguais!", em direcção à cadeia de Cruz Grande .

Omi faka, mudjer matxadu, mininus tudu ta djunta pedra"

Muito obrigado

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