A diáspora crioula está intimamente ligada ao país, na celebração de importantes datas. É o caso da nossa comunidade em Holanda, onde o cidadão e investigador, António da Graça, se prontificou a fazer uma radiografia do país, a partir do exterior. Entrevistado por Norberto Silva, da Rádio Atlântico, António da Graça, que é mestre em sociologia e que prepara uma tese de doutoramento na mesma área, aborda nas linhas que se seguem o país. É um olhar atento de um cidadão-emigrante, preocupado com a terra mãe e que quer ver os quadros nacionais a contribuírem na edificação do Estado cabo-verdiano. Confira.
A diáspora deu contributo importante na conquista da liberdade e democracia
Expresso das Ilhas - Apesar da importância do 13 de Janeiro, a data está longe de merecer o consenso dos actores políticos cabo- verdianos. Tem alguma explicação para este facto?
António da Graça - É difícil de fazer uma apreciação desta natureza estando a viver longe da terra natal, como eu, pois, por razões de ordem professional, não tenho podido acompanhar com assiduidade o processo político em Cabo Verde, nos últimos anos. Entretanto, para respoder à sua questao, devo dizer o seguinte: tenho a impressão que em Cabo Verde existe ainda muita instrumentalização política. Há a tendência dos partidos políticos se perfilarem como os únicos e verdadeiros protagonistas de um determinado processo. Portanto, há um certo tipo de ‘apropriação política’ de datas nacionais como apanágio, como suposta vitória deste ou daquele partido. Muitas vezes a intenção é, seja ela manifesta ou latente, tirar dividendos políticos de tudo isso. Mas essa postura da nossa elite política não é nada abonatório para a nossa jovem democracia, pelo contrário. Isso só cria falta de confiança política e institucional e enfraquece o grau de coesão social da sociedade contribuindo, cada vez mais, para a polarização e crispação políticas.
E o que os actores políticos devem fazer então?
A meu ver, os políticos deveriam reconhecer o papel de todos os cabo-verdianos para desenvolvimento e cristalização de processos nacionais simbolizados em datas consideradas históricas. E para esclarecer melhor a minha opinião, vou pegar duma data nacional concreta: a Independência, por exemplo: deve ser sempre visto não simplesmente como a conquista dum partido político, mas também como uma luta secular de resistência cultural de todos os cabo-verdianos, independentemente das suas convicções e afiliações partidárias. Da mesma forma pode-se racciocinar quanto ao Dia da Liberdade e Democracia. Isso porque, por exemplo, as reivindicações de forma organizada quanto ao pluralismo político e liberdade de expressão tiveram como primeiros protagonistas a gente ligada à UCID, já nos fins dos anos setenta e princípios dos anos oitenta, do século passado. Portanto, a diáspora e outras camadas sociais da sociedade cabo-verdiana deram também um contributo extremamente importante na conquista da liberdade de expressão e democracia.
Mas não é justo então que partidos políticos comemorem essas datas?
Defendo, seriamente, que devemos valorizar as pessoas e entidades que contribuiram para a realização de coisas importantes na nossa terra, mas devemos também dissociar, e bem, o que constitui património duma Nação e o que simboliza trabalho específico duma entidade política ou social. Partindo dessa óptica de raciocínio deveriam e devem essas datas nacionais serem assumidas como património da Nação global cabo-verdiana. A meu ver, essas datas são o fruto do sacrifício de todos os filhos cabo-verdianos, sem excepção. Essas datas podem servir de catalizadoras da coesão social e consolidação da consciência nacional, mas para isso deve-se evitar a apropriação desses símbolos históricos nacionais, por quem quer que seja. Sei que não é fácil por que vive-se em Cabo Verde um sistema de polarização política. Assim, o processo torna-se mais complexo porque a actual elite política esteve directamente ligada ao processo que deu lugar à institucionalização das datas nacionais, mas encaro também isso como um percurso normal que estamos atravessando em Cabo Verde. Devemos, sim, criticar a elite política e reivindicar quando necessário, mas não dramatizar o caso.
O que falta fazer em Cabo Verde para que a democracia esteja verdadeiramente consolidada?
A consolidação da democracia depende de vários factores: em primeiro lugar, é preciso que haja mais coerência entre a retórica e a praxis política, ou seja, os actores políticos devem estar em estado de extravasar os interesses sectoriais dos seus partidos e colocar os interesses supremos da Nação global acima de tudo. Seguidamente, devemos ter em conta que, tal como a cultura, a democracia é um processo dinâmico: é construída paulatinamente. É preciso não esquecermos que a democracia e a participação política têm uma importante e profunda faceta cultural. Esta dimensão cultural está intrinsicamente ligada às competências necessárias para o exercício da cidadania. Por isso, para constuirmos e aperfeiçarmos a cultura cívica e política em Cabo Verde, necessitamos duma sociedade civil dinâmica e verdadeiramente autónoma, com movimentos associativos de cidadãos e profissionais. Esta dinâmica constitui aquilo que o grande pensador Francês, Alexis de Tocqueville, chamou de ‘escolas da democracia’. É essa sociedade civil que, a meu ver, vai estabelecer a ligação de ponte, que vai fazer o papel de intermediário, e que vai se posicionar como instrumento reivindicativo e de defesa de interesses entre o poder político e os dirigidos. Mas para chegarmos a tal ponto é preciso diminuirmos as desigualdades sócio-económicas e investirmos sériamente na potencialidade humana da nossa gente.
Pensa que poderá ser fácil o processo de consolidação da democracia, em Cabo Verde?
Não, não vai ser um processo fácil, sobretudo porque Cabo Verde, como país aberto ao mundo, assimila todo o tipo de valores. E hoje temos normas e valores no país que colidem frontalmente com a essência dos ideais da liberdade e da democracia. Em termos politicos, Cabo Verde precisa de construtores de consensos, de homens e mulheres que põem acima de tudo os interesses da Nação: de homens promotores e respeitadores da ética política: de líderes verdadeiramente carismáticos, que têm autoridade moral. Vejo nos últimos tempos alguns sinais muito positivos e isso me leva a acreditar que estamos num bom caminho. Devemos ter paciência porque, por exemplo, os líderes carismáticos, como Amilcar Cabral, Nelson Mandela, e já agora o génio e grande intelectual, Barack Obama, não são frutos de noite para o dia. O processo, o contexto, dita muitas vezes o aparecimento dessas personalidades.
Mas em Cabo Verde é preciso respeito mútuo entre os membros da elite política que devem servir de exemplo à sociedade. É preciso, a nível da sociedade em geral, respeito e confiança institucional: confiança política e confiança social. Mas a cultura política em Cabo Verde, mesmo a nível das camadas mais previlegiadas, tem muitas fraquezas, mas isso é relativamente normal. Somos uma Nação relativamente jovem e, nessa perspectiva dinâmica, todas as sociedades estão numa aprendizagem contínua. Temos um grande exemplo aqui na Holanda: assistimos a uma discussão calorosa, às vezes até azeda, quanto ao debate público e político sobre o conceito que nós todos dizemos defender que é a liberdade de expressão.
Consta que Primeiro-Ministro assumiu o 13 de Janeiro, como data importante. Inspira-lhe algum comentário?
Quanto a mim a declaração do Sr. Primeiro-Ministro é de grande significado, pela forma extremamente oportuna e potenciais implicações positivas do mesmo acto. Alguns dirão que foi um pouco tarde, outros afirmarão que se trata duma manobra política, mas eu direi que a declaração, parece ser fruto duma visão acertada, e esclareço porquê: ao exortar todos os cabo-verdianos a comungarem uma data histórica nacional, deu um passo significativo para a construção da coesão social do país, porque os conceitos ‘liberdade’ e ‘democracia’ são valores, são ideiais e fontes de inspiração ‘dos que lá ficaram’ e de ‘nós aqui no ‘terra longe’.
O Primeiro-Ministro deu um valoroso ‘pontapé de saída’ no início dum ano novo que se augura ser auspicioso para Cabo Verde. Um ano cheio de desafios. Um ano que é necessário construir-mos o consenso sobre questões cruciais para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do nosso sistema político.
A diáspora cabo-verdiana teve e tem a sua importância na consolidação da democracia nacional. Tendo em conta a sua experiência baseada na vivência de muitos anos no exterior, como classifica essa importância destacando o contributo dos nossos conterraneos espalhados pelo mundo nesse processo.
Diria que sobretudo a diáspora estabelecida nos países da Europa, é influenciada pelas normas e valores da democracia ocidental. Essa democracia já atingiu patamares elevados de cultura cívica e política e, dum lado, isso tem contribuído para a elevação da qualidade do exercício de cidadania e participação política dos nossos patrícos. Para ser mais prático e claro, tomamos como exemplo a Holanda. Mesmo desprovidos de pouca formação académica, esta comunidade deu um contributo significativo, sobretudo na luta pela Independência nacional. Falei também do papel histórico da UCID que deu um contributo importantíssimo para o processo de democratização do país. Isso foi reconhecido públicamente aqui na Holanda pelo actual Primeiro-Ministro, através dum programa da então rádio “Voz de Cabo Verde”. Mas também, no meu trabalho de investigação foi-me gratificante verificar que dirigentes de todos os partidos politicos, com representação parlamentar reconhecem o papel dinâmico e extremamente positivo de grupos políticos da diáspora no processo de democratização do país.
Mas o contributo da nossa Diáspora transcende, ultrapassa, em grande escala a participação directa e factual dos activistas políticos no processo de institucionalização e desenvolvimento da nossa democracia. As minhas observações críticas me autorizam a defender que há um papel muito maior da diáspora que foi, é e continuará a ser, a forma indirecta de influenciação dos valores e cultura política em Cabo Verde. Vou dar um exemplo: os políticos em Cabo Verde acreditam que a nossa diáspora influencia, significativamente, as pessoas e familiares e outras, durante as eleições. Portanto, defendo que há transferência de conhecimentos, atitudes e valores.
Cabo Verde é dos poucos países do mundo em que a população não residente é maior que a residente. No entanto, exceptuando o governo (de Carlos Veiga), os quadros nacionais, na diáspora, não têm sido chamados a dar o seu contributo nos sucessivos governos do país. O porque que isso não acontece, sobretudo quando as remessas dos emigrantes ajudam muito o desenvolvimento do país?
Não vou falar das remessas financeiras dos emigrantes: primeiro porque isso já é do conhecimento geral, depois, porque defendo que o emigrante dever ser visto como uma grande potencialidade, noutras áreas. Mas isso depende também das prioridades, das visões e das estratégias dos decisores políticos. A minha opinião pessoal é que os governos de Cabo Verde, até agora, não elaboraram uma visão estratégica à altura para a mobilização e aproveitamento das chamadas ‘remessas sociais’. Países de emigração como o México, a República Dominicana, a Índia, o Gana, as Filipinas e a Escócia usufruem, grandemente, dessas tais chamadas remessas sociais porque elaboraram planos estratégicos e investiram sériamente nas suas diásporas. Isso é uma das formas de aproveitamento das potencialidades organizadas, do conhecimento dos quadros profissionais e académicos.
Mas o envolvimento da diáspora no desenvolvimento não tem que ser necessáriamente só através da participação no governo ou departamentos governamentais. Pode e deve ser também noutras areas. Para além da participação económica, sou de opinião que a nossa diáspora pode também dar um contributo significativo na consolidação da sociedade civil, em Cabo Verde, na mobilização de recursos nos países de acolhimento e na transferência das remessas sociais. Mas, para isso, é necessária vontade política, competência à frente de instituições vocacionadas para o trabalho com a diáspora e estratégias bem definidas. E para ser muito sincero, penso que há um grande défice nesse sentido e tenho a percepção que ainda não estamos sintonizados na mesma onda.
Cabo Verde tem vários quadros qualificados nos países ditos desenvolvidos, mas não se nota a preocupação dos governos em criar “lobbys” que poderiam ajudar o país em conseguir mais investimentos ou ajudas. Acha que temos um país com governantes “arrogantes” demais?
Conforme referi atrás, temos uma certa potencialidade humana e organizativa na Europa. Isso se traduz, entre outros, num número significativo de quadros altamente qualificados nalguns países, e numa dinâmica associativa de alguma expressão e utilidade. É isso que se intitula de ‘remessas sociais’. Também, sustento que é oportuno a quem de direito elaborar uma visão estratégica sobre a forma e instrumentos que devem ser utilizados para a mobilização dessa tal potencialidade, seja ela individual ou colectiva. Até este momento não conheço nenhum estudo ou plano abrangente nesse sentido e Cabo Verde merece ter instrumentos dessa natureza à altura. Isso porque existe nos países europeus recursos importantes que poderiam ser mobilizados pela nossa diáspora em benifício de determinados sectores, em Cabo Verde. Relativamente paradoxal é que esses recursos são muitas vezes aproveitados por outras diásporas africanas, mas não pela nossa própria diáspora. Exemplos disso são organizações relativamente poderosas e influentes de outros africanos na Inglaterra, França e Holanda.
Apesar desses aspectos críticos devemos relativizar as coisas, levando em linha de conta o seguinte: conheço um número razoável de quadros cabo-verdianos na Europa que afirma fazer trabalho de ‘lobby’, a favor de Cabo Verde. Congratulo-me também com a criação recente do programa Dias de Cabo Verde que visa mobilizar e enquadrar quadros nacionais duma forma individual. O nosso associativismo na Europa é indiscutivelmente um potencial se for bem uitlizado, mas não deixa de ter as suas grandes fraquezas. Posso adiantar ainda que já existe um grupo selectivo de quadros e organizações cabo-verdianas na Europa, apostado na elaboração para breve dum projecto nesse sentido. A nossa intenção é utilizar o sistema de redes como instrumento estratégico. Fomos recentemente recebidos em audiência pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperaçao e Comunidades e ficamos altamente satisfeitos pela receptividade dele e doutros representantes de instituições governamentais do nosso país. Em breve, pensamos entrar em contacto com sectores da sociedade civil em Cabo Verde. Da nossa parte, pensamos que é esta a forma de dar um modesto contributo para o desenvolvimento de Cabo Verde, mas isso implica, obviamente, co-participação e co-responsabilidade.
Norberto Silva para o Jornal Expresso das Ilhas
A diáspora deu contributo importante na conquista da liberdade e democracia
Expresso das Ilhas - Apesar da importância do 13 de Janeiro, a data está longe de merecer o consenso dos actores políticos cabo- verdianos. Tem alguma explicação para este facto?
António da Graça - É difícil de fazer uma apreciação desta natureza estando a viver longe da terra natal, como eu, pois, por razões de ordem professional, não tenho podido acompanhar com assiduidade o processo político em Cabo Verde, nos últimos anos. Entretanto, para respoder à sua questao, devo dizer o seguinte: tenho a impressão que em Cabo Verde existe ainda muita instrumentalização política. Há a tendência dos partidos políticos se perfilarem como os únicos e verdadeiros protagonistas de um determinado processo. Portanto, há um certo tipo de ‘apropriação política’ de datas nacionais como apanágio, como suposta vitória deste ou daquele partido. Muitas vezes a intenção é, seja ela manifesta ou latente, tirar dividendos políticos de tudo isso. Mas essa postura da nossa elite política não é nada abonatório para a nossa jovem democracia, pelo contrário. Isso só cria falta de confiança política e institucional e enfraquece o grau de coesão social da sociedade contribuindo, cada vez mais, para a polarização e crispação políticas.
E o que os actores políticos devem fazer então?
A meu ver, os políticos deveriam reconhecer o papel de todos os cabo-verdianos para desenvolvimento e cristalização de processos nacionais simbolizados em datas consideradas históricas. E para esclarecer melhor a minha opinião, vou pegar duma data nacional concreta: a Independência, por exemplo: deve ser sempre visto não simplesmente como a conquista dum partido político, mas também como uma luta secular de resistência cultural de todos os cabo-verdianos, independentemente das suas convicções e afiliações partidárias. Da mesma forma pode-se racciocinar quanto ao Dia da Liberdade e Democracia. Isso porque, por exemplo, as reivindicações de forma organizada quanto ao pluralismo político e liberdade de expressão tiveram como primeiros protagonistas a gente ligada à UCID, já nos fins dos anos setenta e princípios dos anos oitenta, do século passado. Portanto, a diáspora e outras camadas sociais da sociedade cabo-verdiana deram também um contributo extremamente importante na conquista da liberdade de expressão e democracia.
Mas não é justo então que partidos políticos comemorem essas datas?
Defendo, seriamente, que devemos valorizar as pessoas e entidades que contribuiram para a realização de coisas importantes na nossa terra, mas devemos também dissociar, e bem, o que constitui património duma Nação e o que simboliza trabalho específico duma entidade política ou social. Partindo dessa óptica de raciocínio deveriam e devem essas datas nacionais serem assumidas como património da Nação global cabo-verdiana. A meu ver, essas datas são o fruto do sacrifício de todos os filhos cabo-verdianos, sem excepção. Essas datas podem servir de catalizadoras da coesão social e consolidação da consciência nacional, mas para isso deve-se evitar a apropriação desses símbolos históricos nacionais, por quem quer que seja. Sei que não é fácil por que vive-se em Cabo Verde um sistema de polarização política. Assim, o processo torna-se mais complexo porque a actual elite política esteve directamente ligada ao processo que deu lugar à institucionalização das datas nacionais, mas encaro também isso como um percurso normal que estamos atravessando em Cabo Verde. Devemos, sim, criticar a elite política e reivindicar quando necessário, mas não dramatizar o caso.
O que falta fazer em Cabo Verde para que a democracia esteja verdadeiramente consolidada?
A consolidação da democracia depende de vários factores: em primeiro lugar, é preciso que haja mais coerência entre a retórica e a praxis política, ou seja, os actores políticos devem estar em estado de extravasar os interesses sectoriais dos seus partidos e colocar os interesses supremos da Nação global acima de tudo. Seguidamente, devemos ter em conta que, tal como a cultura, a democracia é um processo dinâmico: é construída paulatinamente. É preciso não esquecermos que a democracia e a participação política têm uma importante e profunda faceta cultural. Esta dimensão cultural está intrinsicamente ligada às competências necessárias para o exercício da cidadania. Por isso, para constuirmos e aperfeiçarmos a cultura cívica e política em Cabo Verde, necessitamos duma sociedade civil dinâmica e verdadeiramente autónoma, com movimentos associativos de cidadãos e profissionais. Esta dinâmica constitui aquilo que o grande pensador Francês, Alexis de Tocqueville, chamou de ‘escolas da democracia’. É essa sociedade civil que, a meu ver, vai estabelecer a ligação de ponte, que vai fazer o papel de intermediário, e que vai se posicionar como instrumento reivindicativo e de defesa de interesses entre o poder político e os dirigidos. Mas para chegarmos a tal ponto é preciso diminuirmos as desigualdades sócio-económicas e investirmos sériamente na potencialidade humana da nossa gente.
Pensa que poderá ser fácil o processo de consolidação da democracia, em Cabo Verde?
Não, não vai ser um processo fácil, sobretudo porque Cabo Verde, como país aberto ao mundo, assimila todo o tipo de valores. E hoje temos normas e valores no país que colidem frontalmente com a essência dos ideais da liberdade e da democracia. Em termos politicos, Cabo Verde precisa de construtores de consensos, de homens e mulheres que põem acima de tudo os interesses da Nação: de homens promotores e respeitadores da ética política: de líderes verdadeiramente carismáticos, que têm autoridade moral. Vejo nos últimos tempos alguns sinais muito positivos e isso me leva a acreditar que estamos num bom caminho. Devemos ter paciência porque, por exemplo, os líderes carismáticos, como Amilcar Cabral, Nelson Mandela, e já agora o génio e grande intelectual, Barack Obama, não são frutos de noite para o dia. O processo, o contexto, dita muitas vezes o aparecimento dessas personalidades.
Mas em Cabo Verde é preciso respeito mútuo entre os membros da elite política que devem servir de exemplo à sociedade. É preciso, a nível da sociedade em geral, respeito e confiança institucional: confiança política e confiança social. Mas a cultura política em Cabo Verde, mesmo a nível das camadas mais previlegiadas, tem muitas fraquezas, mas isso é relativamente normal. Somos uma Nação relativamente jovem e, nessa perspectiva dinâmica, todas as sociedades estão numa aprendizagem contínua. Temos um grande exemplo aqui na Holanda: assistimos a uma discussão calorosa, às vezes até azeda, quanto ao debate público e político sobre o conceito que nós todos dizemos defender que é a liberdade de expressão.
Consta que Primeiro-Ministro assumiu o 13 de Janeiro, como data importante. Inspira-lhe algum comentário?
Quanto a mim a declaração do Sr. Primeiro-Ministro é de grande significado, pela forma extremamente oportuna e potenciais implicações positivas do mesmo acto. Alguns dirão que foi um pouco tarde, outros afirmarão que se trata duma manobra política, mas eu direi que a declaração, parece ser fruto duma visão acertada, e esclareço porquê: ao exortar todos os cabo-verdianos a comungarem uma data histórica nacional, deu um passo significativo para a construção da coesão social do país, porque os conceitos ‘liberdade’ e ‘democracia’ são valores, são ideiais e fontes de inspiração ‘dos que lá ficaram’ e de ‘nós aqui no ‘terra longe’.
O Primeiro-Ministro deu um valoroso ‘pontapé de saída’ no início dum ano novo que se augura ser auspicioso para Cabo Verde. Um ano cheio de desafios. Um ano que é necessário construir-mos o consenso sobre questões cruciais para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do nosso sistema político.
A diáspora cabo-verdiana teve e tem a sua importância na consolidação da democracia nacional. Tendo em conta a sua experiência baseada na vivência de muitos anos no exterior, como classifica essa importância destacando o contributo dos nossos conterraneos espalhados pelo mundo nesse processo.
Diria que sobretudo a diáspora estabelecida nos países da Europa, é influenciada pelas normas e valores da democracia ocidental. Essa democracia já atingiu patamares elevados de cultura cívica e política e, dum lado, isso tem contribuído para a elevação da qualidade do exercício de cidadania e participação política dos nossos patrícos. Para ser mais prático e claro, tomamos como exemplo a Holanda. Mesmo desprovidos de pouca formação académica, esta comunidade deu um contributo significativo, sobretudo na luta pela Independência nacional. Falei também do papel histórico da UCID que deu um contributo importantíssimo para o processo de democratização do país. Isso foi reconhecido públicamente aqui na Holanda pelo actual Primeiro-Ministro, através dum programa da então rádio “Voz de Cabo Verde”. Mas também, no meu trabalho de investigação foi-me gratificante verificar que dirigentes de todos os partidos politicos, com representação parlamentar reconhecem o papel dinâmico e extremamente positivo de grupos políticos da diáspora no processo de democratização do país.
Mas o contributo da nossa Diáspora transcende, ultrapassa, em grande escala a participação directa e factual dos activistas políticos no processo de institucionalização e desenvolvimento da nossa democracia. As minhas observações críticas me autorizam a defender que há um papel muito maior da diáspora que foi, é e continuará a ser, a forma indirecta de influenciação dos valores e cultura política em Cabo Verde. Vou dar um exemplo: os políticos em Cabo Verde acreditam que a nossa diáspora influencia, significativamente, as pessoas e familiares e outras, durante as eleições. Portanto, defendo que há transferência de conhecimentos, atitudes e valores.
Cabo Verde é dos poucos países do mundo em que a população não residente é maior que a residente. No entanto, exceptuando o governo (de Carlos Veiga), os quadros nacionais, na diáspora, não têm sido chamados a dar o seu contributo nos sucessivos governos do país. O porque que isso não acontece, sobretudo quando as remessas dos emigrantes ajudam muito o desenvolvimento do país?
Não vou falar das remessas financeiras dos emigrantes: primeiro porque isso já é do conhecimento geral, depois, porque defendo que o emigrante dever ser visto como uma grande potencialidade, noutras áreas. Mas isso depende também das prioridades, das visões e das estratégias dos decisores políticos. A minha opinião pessoal é que os governos de Cabo Verde, até agora, não elaboraram uma visão estratégica à altura para a mobilização e aproveitamento das chamadas ‘remessas sociais’. Países de emigração como o México, a República Dominicana, a Índia, o Gana, as Filipinas e a Escócia usufruem, grandemente, dessas tais chamadas remessas sociais porque elaboraram planos estratégicos e investiram sériamente nas suas diásporas. Isso é uma das formas de aproveitamento das potencialidades organizadas, do conhecimento dos quadros profissionais e académicos.
Mas o envolvimento da diáspora no desenvolvimento não tem que ser necessáriamente só através da participação no governo ou departamentos governamentais. Pode e deve ser também noutras areas. Para além da participação económica, sou de opinião que a nossa diáspora pode também dar um contributo significativo na consolidação da sociedade civil, em Cabo Verde, na mobilização de recursos nos países de acolhimento e na transferência das remessas sociais. Mas, para isso, é necessária vontade política, competência à frente de instituições vocacionadas para o trabalho com a diáspora e estratégias bem definidas. E para ser muito sincero, penso que há um grande défice nesse sentido e tenho a percepção que ainda não estamos sintonizados na mesma onda.
Cabo Verde tem vários quadros qualificados nos países ditos desenvolvidos, mas não se nota a preocupação dos governos em criar “lobbys” que poderiam ajudar o país em conseguir mais investimentos ou ajudas. Acha que temos um país com governantes “arrogantes” demais?
Conforme referi atrás, temos uma certa potencialidade humana e organizativa na Europa. Isso se traduz, entre outros, num número significativo de quadros altamente qualificados nalguns países, e numa dinâmica associativa de alguma expressão e utilidade. É isso que se intitula de ‘remessas sociais’. Também, sustento que é oportuno a quem de direito elaborar uma visão estratégica sobre a forma e instrumentos que devem ser utilizados para a mobilização dessa tal potencialidade, seja ela individual ou colectiva. Até este momento não conheço nenhum estudo ou plano abrangente nesse sentido e Cabo Verde merece ter instrumentos dessa natureza à altura. Isso porque existe nos países europeus recursos importantes que poderiam ser mobilizados pela nossa diáspora em benifício de determinados sectores, em Cabo Verde. Relativamente paradoxal é que esses recursos são muitas vezes aproveitados por outras diásporas africanas, mas não pela nossa própria diáspora. Exemplos disso são organizações relativamente poderosas e influentes de outros africanos na Inglaterra, França e Holanda.
Apesar desses aspectos críticos devemos relativizar as coisas, levando em linha de conta o seguinte: conheço um número razoável de quadros cabo-verdianos na Europa que afirma fazer trabalho de ‘lobby’, a favor de Cabo Verde. Congratulo-me também com a criação recente do programa Dias de Cabo Verde que visa mobilizar e enquadrar quadros nacionais duma forma individual. O nosso associativismo na Europa é indiscutivelmente um potencial se for bem uitlizado, mas não deixa de ter as suas grandes fraquezas. Posso adiantar ainda que já existe um grupo selectivo de quadros e organizações cabo-verdianas na Europa, apostado na elaboração para breve dum projecto nesse sentido. A nossa intenção é utilizar o sistema de redes como instrumento estratégico. Fomos recentemente recebidos em audiência pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperaçao e Comunidades e ficamos altamente satisfeitos pela receptividade dele e doutros representantes de instituições governamentais do nosso país. Em breve, pensamos entrar em contacto com sectores da sociedade civil em Cabo Verde. Da nossa parte, pensamos que é esta a forma de dar um modesto contributo para o desenvolvimento de Cabo Verde, mas isso implica, obviamente, co-participação e co-responsabilidade.
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