segunda-feira, 27 de abril de 2009

O HOMEM FORTE DE CABOVERDE EM BRUXELAS


O HOMEM FORTE DE CABO VERDE NO CORAÇÃO DA EUROPA COMUNITÁRIA
Fernando Jorge Wahnon Ferreira nasceu na cidade da Praia a 4 de Dezembro de 1955. Completou os estudos secundários em 1975, no Liceu Adriano Moreira, e estudou Direito na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Regressa a Cabo Verde, ingressa no Ministério dos Negócios Estrangeiros e inicia a sua carreira como diplomata em 1984. Trabalhou nas Embaixadas de Cabo Verde em Haia (Holanda), Lisboa (Portugal) e Estocolmo (Suécia). No Ministério dos Negócios Estrangeiros desempenhou, de entre outras, as seguintes funções: Assessor do MNE, Director da Cooperação Multilateral e ainda Director Geral da Cooperação Internacional. Desde 2000 está colocado em Bruxelas (Bélgica), como Embaixador de Cabo Verde junto dos Paises do Benelux (Belgica, Holanda e Luxemburgo) e como Representante Permanente junto da União Europeia.

Rádio Atlântico - A Holanda anunciou o corte de ajuda a Cabo Verde no dia 3 de Abril de 2009. O que representa para Cabo Verde essa medida do Governo Holandês?
Fernando Wahnon - Creio que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde já terá respondido em tempo a essa questão numa outra entrevista. Uma vez que a questão me é colocada, aproveito para esclarecer que o anúncio feito pelas autoridades holandesas corresponde a uma decisão tomada por este país que só agora se tornou do domínio público, a qual foi alvo de consultas prévias entre os dois Governos.
Acrescentaria que a decisão ora anunciada de dar por finda a ajuda pública ao desenvolvimento é unilateral e soberana e que a mesma terá efeito a partir de 2011. Porém, e de momento, realço que todos os instrumentos existentes no quadro da política de desenvolvimento da Holanda são aplicáveis a Cabo Verde, bem como a ajuda orçamental. Todavia, importa esclarecer que o fim anunciado da ajuda pública holandesa ao desenvolvimento de Cabo Verde não significa o termo da relação de cooperação entre os dois Estados que, aliás, continuam a manter excelentes relações.
Com efeito, as relações entre Cabo Verde e a Holanda abandonam uma lógica tradicional e própria ao então anterior estado de desenvolvimento do país, para passarem para um patamar superior de relacionamento político e de cooperação económica mais adequada à nova fase de desenvolvimento que Cabo Verde alcançou. Note-se, que a nota de imprensa do MNE holandês, refere ainda que as relações de cooperação se desenvolverão igualmente com base nos progressos alcançados no quadro da Parceria Especial entre Cabo Verde e a UE.
RA - Alguns analistas conhecedores dos meadros da cooperação entre os dois países pensam que ainda é possivel fazer com que Haia volte atrás se a diplomacia agir em concertação com pessoas influentes dentro da Comunidade como já aconteceu na passado. Comunga dessa ideia?
FW: Mais do que emitir um juízo de valor, gostaria de referir que a diplomacia tem códigos de conduta específicos e que quem nela intervém tem o dever de as conhecer. Limito-me a comentar que as influências ou toda e qualquer acção que possa contribuir para uma melhoria do entendimento ou de uma maior convergência de interesses são sempre bem-vindas. Se a Comunidade entende dispôr dos instrumentos e de meios adequados que possam contribuir para atingir tais objectivos julgo que será sempre uma atitude positiva.
RA - Outros apontam que o encerramento da Embaixada de Cabo Verde em Haia foi um grande erro, pois o Consulado como é evidente não tem as mesmas atribuições que uma Embaixada. Quer comentar?
FW: Permita-me que antes de responder, faça um comentário prévio a alguns ecos que chegaram ao meu conhecimento, segundo os quais, a decisão holandesa de retirar Cabo Verde da lista de países de concentração da ajuda pública ao desenvolvimento se ficaria a dever ao encerramento da Embaixada em Haia. Compreendo e aceito que as pessoas possam ter diferentes interpretações ou justificações para determinados situações, o que é natural, humano e democrático. Mas, já que me consente esta incursão, diria que deveremos tratar este tipo de questões de forma desapaixonada e com algum sentido de objectividade. Assim sendo, na minha opinião, não há ligação nenhuma entre o encerramento da Embaixada em Haia e o anúncio ora feito pelo Governo holandês. Procurar trazer como justificação uma situação ocorrida há cerca de 10 anos não me parece nem prudente nem objectivo e, seguramente, não leva em devida consideração a seriedade com que os responsáveis holandeses lidam com as questões de desenvolvimento.
De entre outros elementos, contribuem para atestar esta minha convicção, o facto de as autoridades holandesas terem anunciado, com base em certos critérios, o fim da ajuda pública ao desenvolvimento a sete países. Desses sete países, apenas Cabo Verde e a Arménia, não estão representados em Haia, o que significa que os outros cinco têm Embaixadas residentes junto do Governo holandês. Se a lógica que presidiu à tomada de tal decisão fosse a de ter uma Embaixada residente, como justificar tal decisão face aos países que se encontram representados em Haia? Por outro lado, a Holanda mantém, na maioria dos casos, a sua ajuda pública ao desenvolvimento a países que, tal como Cabo Verde, têm representações residentes em Bruxelas, como justificar esta situação face a tal argumento? Agradeço-lhe o ter-me dado a oportunidade de esclarecer eventuais dúvidas que poderiam existir sobre esta matéria.
Regresso agora à sua questão inicial, a de saber: se o encerramento da Embaixada em Haia terá sido ou não um erro. Diria que esta questão não pode ser vista de forma isolada, mas sim num aspecto mais global e no enquadramento das circunstâncias então prevalecentes, uma vez que foi como tal que ela se apresentou. Não necessito de me referir ao quadro macroeconómico ou mesmo aos constrangimentos das finanças públicas do nosso país porque as conhece bem.
Tendo este quadro como cenário, parece-me que todos compreenderão bem, que, para um país com as limitações financeiras de Cabo Verde era difícil manter uma Representação em Haia, outra em Bruxelas e um Consulado Geral em Roterdão. A decisão tomada pelo Governo de então, visou a continuidade da protecção consular à nossa Comunidade no quadro de uma política de apoio e proximidade para com esta, tendo optado pela manutenção do Consulado em Roterdão.
O que eu gostaria que retivesse é que o encerramento da Embaixada na Holanda não se ficou a dever a uma atitute menos reflectida ou indevidamente ponderada. Note, se faz favor, que, o que lhe acabo de dizer, não deverá ser entendido como uma limitação ao direito que cada um terá de expressar a sua opinião ou de emitir os juízos de valor que julgar conveniente fazer. Trata-se sim, de uma realidade, uma vez que o Estado não inventa dinheiro.
O que gostaria ainda que pudesse ficar claro, é que a decisão de encerrar uma Embaixada, como a de Haia, – com o peso histórico e afectivo então existente e ainda hoje prevalecente – foi algo de muito dificil e penoso. Aliás, este tipo de exercício em geral, é extremamente complexo e francamente desagradável. Relembro ainda que, no quadro da reestruturaçao do serviço diplomático, à época imposto por razões de índole financeira, foram igualmente encerradas as Embaixadas em Singapura, Abidjan, Maputo e Estocolmo.
Regressando ainda à parte da sua questão, como diz e bem, um Consulado não é uma Embaixada e o direito internacional distingue muito bem os dois casos. Aliàs, é por essa razão, que as relações políticas e diplomáticas são geridas pela Embaixada que se encontra em Bruxelas e as relações consulares pelo Consulado Geral que se encontra em Roterdão. Penso ainda que, com a actual situação, foi encontrado um compromisso possível, interessante e adequado na defesa dos interesses políticos e diplomáticos de Cabo Verde e da Comunidade residente na Holanda, pelo que concluiria dizendo que não terá sido um erro, mas que, seguramente, terá sido uma opção de muito difícil decisão.
RA - Durante a sua estadia na Holanda teve reuniões com governantes holandeses? Em caso positivo pode dizer-nos se foi proveitoso ou não?
FW: A sua questão não corresponde inteiramente à realidade dos factos, porquanto não mantive nem encontros, nem qualquer tipo de contacto com Governantes holandeses. Tive sim, uma reunião de trabalho no Ministério dos Negócios Estrangeiros holandês, para tratar de questões referentes às relações políticas e de cooperação bilaterais. Nessa base, essa reunião encontra o seu adequado enquadramento no plano de trabalho anual.
RA - A Casa da Cultura foi inaugurada no mês de Novembro de 2008 sem ter um estatuto e um órgão directivo. Podia esclarecer-nos em que ponto está o processo da Casa da Cultura (Casa de Cabo Verde) em Roterdão?
FW: Como sabe a Casa da Cultura foi inaugurada pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros em Novembro de 2008, e desde então tem vindo a ser utilizada. O que pretendemos é poder ter uma Casa da Cultura representativa e que sirva efectivamente os interesses da Comunidade no seu geral. Esse é o nosso objectivo e é nele que temos vindo a trabalhar. Para tal, o Sr. Cônsul Geral, pessoa a quem aqui rendo justa homenagem pela dedicação com que tem abraçado esta causa, tem feito um grande esforço e levado a cabo um trabalho muito e meritório com vista a que a Casa de Cultura possa funcionar da forma mais adequada.
Importará ainda considerar que uma instituição desta natureza, que se quer aberta, descomplexada e atenta ao desenvolvimento, afirmação e divulgação da cultura caboverdeana em Roterdão, necessita préviamente de criar e reunir os necessários e indispensáveis consensos para o seu pleno funcionamento, sendo que os estatutos, são, incontornávelmente, um desses consensos.
RA - Mudando agora de assunto, a Parceira Especial entre a União Europeia e Cabo Verde para muitos representa um ganho muito grande para Cabo Verde. Que ganhos são esses?
FW: Decorrido um ano e meio sobre a aprovação da Parceria Especial, várias acções têm sido desenvolvidas com vista à implementação do seu Plano de Acção. Nessa base, várias reuniões têm ocorrido entre as Partes e estamos a trabalhar num programa de trabalho mais preciso. Mas, desde já lhe diria que um grande ganho está à vista e esse ganho é a natureza do diálogo político que Cabo Verde passou a ter de forma institucionalizada com a União Europeia.
Por outro lado, e em termos mais práticos, importa considerar que a Parceria Especial deve ser encarada como um processo e que faz parte desta necessidade de se empreenderem mudanças e adquirir novos procedimentos a nível das estruturas nacionais, sendo que é à Parte cabo-verdiana que compete decidir quais as mudanças que pretende ou se sente preparada para empreender. Trata-se, no fundo, de uma linha de actuação escolhida pelo Governo para o processo de desenvolvimento de Cabo Verde, na qual poderemos contar com apoios da Comissão e dos países da UE para, de forma coordenada e convergente, levar a cabo a modernização do país e da sua Administração. O objectivo é o de tornar Cabo Verde mais competitivo, reforçar o investimento externo e contribuir para a sua melhor inserção na economia internacional, nomeadamente, através de uma melhor integração económica na dupla perspectiva: países da CEDEAO; e, Regiões Ultraperiféricas europeias que nos são mais próximas.
Como pontos marcantes desta caminhada citar-lhe-ia: a realização da reunião ministerial da Troika entre a Cabo Verde e a UE realizada em Maio passado e a assinatura da Declaração Comum relativa à Parceria para a Mobilidade em Junho de 2008. Neste momento, estamos a preparar a próxima reunião com a Troika a nível ministerial que decorrerá na Praia em princípios do mês de Maio.
Concordaria consigo dizendo que se trata, sem dúvida, de um grande ganho para o país, não só ao nível político e diplomático, mas, também pelas repercurssões que a mesma terá no nosso desenvolvimento.
RA - É também Embaixador de Cabo Verde no Reino do Luxemburgo. Como classifica a relação entre os dois países?
FW: Classifico-a como excelente. Assim como excelente é o relacionamento entre os Governantes dos dois Países. Gostaria de realçar o contributo da Comunidade cabo-verdiana residente, a qual tem dado uma grande colaboração para que essas relações tenham atingido o actual nível de entendimento.
RA - Voltando novamente ao corpo diplomático cabo-verdiano, queria lhe colocar as seguintes questões: as nossas embaixadas e consulados na Europa têm pouco pessoal especializado. No seu caso acha suficiente o número de diplomatas que tem ao seu dispor?
FW: Estaria tentado a concordar consigo mas, a verdade é que Cabo Verde é um pequeno país com grandes limitações económicas. Logo, mais importante do que eu possa ou não achar, a realidade é que as missões diplomáticas nacionais são, pelas razões apontadas, reduzidas e é nessa base que temos que trabalhar.
Quanto ao pessoal especializado, lembro-lhe que em Cabo Verde todos os sectores têm falta deste tipo de colaboradores. Esta é uma dificuldade recorrente e, em certa medida, inerente ao nosso estado de desenvolvimento actual. Se quiser, é ainda uma das vulnerabilidades nacionais.
RA - A diplomacia cabo-verdiana é uma diplomacia de proximidade no sentido de envolver as comunidades diasporizadas e as ajudar a resolver os muitos problemas que se lhes deparam?
FW: Pelo menos é o que procuramos fazer. Uma das funções da diplomacia e das missões diplomáticas e postos consulares é a de apoio, protecção, defesa e promoção das comunidades na diáspora: ajudá-las a integrarem-se nas comunidades em que residem; ajudá-las a resolver os problemas que possam ter junto das autoridades locais; e, ajudá-las a resolverem questões em Cabo Verde. Todas essas acções fazem parte do quotidiano das nossas Representações. Acrescentaria ainda que também procuramos sensibilizar as comunidades emigradas no sentido de se envolverem cada vez mais no desenvolvimento de Cabo Verde.
Sei que, apesar dos esforços efectuados, há cidadãos na diáspora que se sentem insatisfeitos com o nosso desempenho, aliás, acredito que muitos possam até ter razões para o efeito. Estou igualmente consciente que importará fazer mais neste domínio, mas também é verdade que, mais uma vez, os recursos existentes são escassos. Mas gostaria de lhe dizer que o Governo está igualmente atento e consciente dessas dificuldades, tendo decidido que a informatização que se vem operando em Cabo Verde será igualmente introduzida nos Consulados e nas Representações Diplomáticas, o que nos irá permitir ganhar em breve uma melhoria substancial na qualidade do serviço que prestamos, nomeadamente, no caso do Consulado Geral em Roterdão.
O que gostaria de dizer de forma honesta e responsável é que procuramos fazer o melhor que sabemos e podemos, sendo certo que temos procurado introduzir melhorias nos serviços prestados, como seja o caso da melhoria significativa do atendimento no Consulado Geral. Isto não quer dizer que engeite as críticas. Penso, aliás, que elas são bem-vindas e essenciais para que a melhoria se possa operar.
RA - Para muitos é preciso rever o conceito da nossa diplomacia com a entrada de Cabo Verde nos países de desenvolvimento médio. Como é que a diplomacia tem que agir para acompanhar o país nos novos tempos?
FW: Com a saída de Cabo Verde do grupo dos Países Menos Avançados, abriu-se uma nova etapa de desafios mas, e é preciso dizê-lo, também de oportunidades, as quais requerem inovação, criatividade e, por vezes, uma certa dose de ousadia na gestão das nossas relações. Sublinharia que este desafio se impõe a todos e que, por razões óbvias, a diplomacia caboverdeana, para não ficar excluída, terá de acompanhar o rumo dos acontecimentos.
A nossa diplomacia tem sofrido mudanças e tem procurado adequar-se às novas circunstâncias, imprimindo, nomeadamente uma abordagem diferente junto dos seus parceiros.
Repare que um dos objectivos da actual diplomacia é a promoção de Cabo Verde e o estabelecimento de contactos com vista a incentivar a cooperação económica e empresarial, levando a que empresários e empresas possam interessar-se e investir no país nas mais diversas áreas, como, por exemplo: turismo; infra-estruturas; transportes, banca e seguros; energias renováveis etc. Importará, por outro lado, saber retirar dividendos dos bons resultados alcançados a nível da boa governação, do clima de segurança, da posição geoestratégica, das leis de protecção de investimento e, do nível de desenvolvimento humano entre outros.
No passado, este não seria seguramente um dos objectivos da nossa diplomacia que visava, essencialmente, a mobilização de recursos no quadro da ajuda pública ao desenvolvimento. Seguramente que o processo não está terminado, mas também lhe digo que nunca o estará, uma vez que o desenvolvimento é, por definição, dinâmico e a diplomacia tem que estar ao seu serviço.
RA - Muitos diplomatas têm sido chamados regularmente a ocupar cargos importantes no Governo e depois regressam novamente à diplomacia. Para muitos é eticamente reprovável. Qual a sua opinião nesta matéria?
FW: Não sei quem são os muitos a que se está a referir ou a que sectores pretende referir-se, aliás, não tenho conhecimento desse entendimento que, em abono da verdade, não deixa de me surpreender. Seja como fôr, em minha opinião, não vejo o que terá de éticamente reprovável um diplomata ser chamado a exercer funções no Governo. Antes de ser diplomata haverá seguramente um cidadão e não vejo, a não ser nos casos previstos na lei, porque é que um cidadão caboverdeano estaria impedido de exercer um cargo governativo no seu país.
Entrevista conduzida por Norberto B. C. Silva
publicado no Jornal online Liberal

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