Deputada holandesa defende que a ajuda a Cabo Verde não deve ser cortada abruptamente
“JÁ É TEMPO DE A EUROPA FAZER UMA BOA POLÍTICA DE IMIGRAÇÃO”
Mais uma interessante entrevista do nosso colaborador Norberto Silva, da Rádio Atlântico, na Holanda. A sua entrevistada, Kathleen Getrud Ferrier, é deputada no Parlamento holandês, há precisamente 2462 dias (16 de Fevereiro de 2009) e mostra-se profundamente conhecedora e comprometida com as dificuldades de integração das minorias na Holanda. Fala de Cabo Verde, mas também do MpD, que é da família do seu partido, o CDA, Partido Cristão Democrata da Holanda. Garante que gostaria de participar e de conhecer melhor a realidade cabo-verdiana
Roterdão, 16 Fevereiro - Kathleen Getrud Ferrier nasceu a 8 de Março de 1957 em Paramaribo, Suriname. É Casada e mãe de dois filhos. Professa a religião Protestante (Igreja Reformada Holandesa-Calvinista). Estudou Literatura na “Universidade de las Americas” em Cholula no México (1980) e depois licenciou-se em Letras em 1984 em Leiden (Holanda) com especialidade nas línguas de espanhol e Português e ainda cooperação e desenvolvimento. De 1981 a 1984 foi Professora Assistente de Cooperação e desenvolvimento em Leiden. Desempenhou várias funções importantes no seio de organizações não governamentais ligadas a igreja. Foi Secretária Geral para a cooperação das igrejas holandesas de 1994 a 2002. Foi membro da Associação das igrejas migrantes de 1996 a 1999. Trabalhou para a SOW (igrejas de Migrantes). Trabalhou em várias ONGS na América Latina nomeadamente no Chile e no Brasil.
No seu partido, o CDA, desempenhou várias funções de destaque de 2002 a 2006: foi Vice-presidente para implementação do programa do seu partido de 2002 a 2006. Vice-presidente da comissão para as relações Externas. Membro da Comissão permanente para Assuntos Sociais, Ensino, Mercado de Trabalho, Cultura, Educação e Ciências, Desporto etc. É porta-voz do Grupo Parlamentar do CDA para a área de Politica de Família, Cooperação e Desenvolvimento. É membro da comissão das relações externas do Parlamento. Membro da Fundação “SELOS” para protecção das Crianças. E ainda pertence ao Grupo de Trabalho para a democracia e religião; É Conselheira do Parlamento em questões relacionadas com a América latina.
Escreveu vários livros de entre os quais se destaca “Igrejas dos Imigrantes, confiança e Aceitação”.
Como Hobby a deputada gosta de ler, escrever, pintar e cozinhar juntamente com os filhos.
As fotos do texto são de Dirk Hol
Rádio Atlântico - CDA é o Partido do actual Primeiro-ministro Balkenende. Para os cabo-verdianos residentes na Holanda só a sigla “CDA” não significa muito. Quer resumidamente falar-nos do seu partido e da ideologia que professa?
Kathleen Ferrier - O meu partido é um partido cristão democrata. É um partido que reúne várias culturas cristãs; os protestantes e católicos. Antes eram três partidos diferentes que se juntaram para formar um só partido, CDA. O meu partido que é o maior na Holanda e que é também o partido do primeiro-ministro, é um partido que trabalha tendo como base o evangelho. O evangelho é que nos inspira. Mas é claro que tem também outros partidos aqui na Holanda que querem realizar o que está inscrito no evangelho na prática. O que nos distingue dos outros partidos é que o evangelho é inspiração no nosso trabalho. O que também é importante para o meu partido é a solidariedade mundial, o respeito pela natureza, o poder do povo, mas que não o do Estado ou da lógica do mercado mas o poder real do povo mesmo. Para nós, qualquer pessoa que se reconheça nos pilares elementares que estão na base da criação do nosso partido pode ser membro e ter a possibilidade de chegar a postos importantes dentro do partido. O nosso partido é aberto também a pessoas que professam outras religiões e é por isso que no seio do CDA temos membros muçulmanos, hindus, e eu posso dizer-lhe que tenho colegas dentro do parlamento que são muçulmanos ou Hindus.
RA - Parece um pouco em contradição com a origem do seu partido que é Judaico-Cristão….
KF - Não, não é uma contradição, mas é claro que dentro do partido como é evidente tem pessoas que são contra a inclusão de muçulmanos ou Hindus mas a maioria defende que o Cristo que é o nosso exemplo mostrou que qualquer um de boa vontade pode colaborar. O que é importante é que a pessoa reconheça os valores que estão na base da fundação do nosso partido. O verdadeiro cristianismo defende a abertura da pessoa e ao reconhecer valor em qualquer ser humano é isso que Jesus Cristo ensinou para nós não é verdade?
RA - Mudando agora de assunto. Uma das metas do milénio proposta pela ONU é a erradicação da fome no mundo até 2020. O que é que o seu partido, actualmente, integrante da coligação governamental pensa fazer no sentido de ajudar a erradicar a fome no mundo, principalmente nos países africanos?
KF - Para nós é um tema muito importante e posso-lhe adiantar que neste momento debate-se muito aqui na Holanda sobre como deve ser a assistência, a contribuição do País para o desenvolvimento. Para o meu partido é muito importante que a Holanda cumpra o que prometeu fazer em termos de ajuda aos países pobres que é dedicar uma certa quantidade dos ganhos do país na ajuda aos países mais pobres…
RA - E a Holanda cumpre isso neste momento?
KF - Sim a Holanda destina 0,8% do seu produto interno bruto para acções voltadas ao desenvolvimento e isso são valores dos mais elevados ao lado dos países nórdicos e Luxemburgo. E nós sempre interrogamos a países como Portugal, França ou Alemanha por exemplo sobre as suas contribuições que são menores que as nossas e relembramos a esses países que eles também prometeram dar mais ajuda mais não fazem nada disso. Mas também digo sempre que a solução para combater o problema dos países pobres não é somente dar dinheiro. É preciso sobretudo analisar a sua eficácia. O dinheiro tem que ser utilizado nesses países de uma forma a ter um impacto positivo na vida das pessoas e no desenvolvimento dos referidos países. Digo isso porque estamos a 50/60 anos neste processo de ajuda e dá para ver que se cometeram muitos erros.
Eu escrevi um livro sobre isso. Entrevistei quinze personalidades do Norte e do Sul (Países Ricos e Pobres) para dar a sua versão sobre a forma de atribuição da ajuda. A experiência me ensina que mais importante que dar dinheiro é ver como fazer realmente para que a ajuda financeira contribua para o desenvolvimento verdadeiro desses países.
Nós somos chamados países mais ricos porque temos mais riqueza, mais dinheiro… mas somos, por outro lado, mais pobres no tocante a outras coisas. Este nosso continente, o velho continente tem falta de coisas por exemplo que encontramos em África, na América Latina em grande abundância. Pessoas jovens que querem trabalhar, energia, luz….
RA - A Senhora é das que também acha que a política na Europa ou em particular na Holanda está “cinzenta’, sem ideias em termos por exemplo criativos ou do envolvimento da juventude…
KF - Eu acho que dentro da classe politica europeia em todos os partidos necessitamos de sangue novo e de novas ideias e o que é muito importante, de pessoas que falam mais sobre a perspectiva de que o nosso mundo é pequeno e que existe uma interdependência muito grande entre todos os países e entre todos os povos. Quando tem pobreza, tem fome por exemplo em África, isso tem um efeito imediato aqui na Europa…
RA - É então contra a actual política da União Europeia que restringe ou mesmo proíbe a entrada dos vizinhos pobres do sul na Europa?
KF - Olha eu acho que abrir as fronteiras não adianta nada. O que é importante é fazer uma política bem pensada e verdadeiramente europeia que resolva de vez essa situação da emigração para a Europa. O drama que acontece com os pequenos barcos que tentam chegar à Europa é algo que choca-nos a todos e não pode ser. Já é tempo de a Europa fazer uma boa política de imigração. Esta semana vamos falar com o ministro do desenvolvimento e da cooperação sobre a imigração e eu estou muito contente que ele iniciou alguns projectos que eu acho muito importante. Posso falar-lhe de um projecto dele que é o de migração circular e que estuda a possibilidade de receber os emigrantes vindo dos países em vias de desenvolvimento para estudarem ou trabalharem durante por exemplo seis meses na Europa e regressar aos seus países de origem com saber fazer que lhes permita usar em prol do desenvolvimento dos respectivos países.
Eu acho também muito importante a possibilidade do regresso de quadros oriundos dos países em desenvolvimento que estão aqui na Holanda às suas terras no sentido de trabalharem lá e compartilhar seus conhecimentos durante um certo tempo sem perder os seus trabalhos aqui. O que a Holanda também está a fazer é evitar a fuga de cérebros dos países pobres. O meu país quer que jovens com formação elevada fiquem nos seus países a ajudar no desenvolvimento. E para isso estuda-se actualmente a possibilidade de dar a esses quadros um salário digno de forma a ficarem nos seus respectivos países.
RA - A senhora já trabalhou em várias organizações de cariz social e hoje está aqui em Roterdão, num encontro sobre o papel que devem desempenhar as igrejas migrantes na sociedade holandesa. Que Importância têm as ONG`s no sentido de criar lobby para ajudar o chamado terceiro mundo a sair do ciclo da pobreza?
KF - Eu acho muito importante a existência das ONG`s. Em primeiro lugar porque elas são uma expressão da sociedade civil. Para falar dos lobby que o senhor falou, o que por exemplo as pessoas das igrejas falaram aqui hoje apresentando os seus problemas enfrentados e interrogando-nos a nos políticos aqui presentes sobre o que fazer é uma forma de fazer pressão sobre a classe politica, é fazer lobby. Encontros como este são importantes porque muitas vezes os políticos não estão a par do que acontece na rua, nas escolas, nas igrejas, no trabalho e não sabem por isso quais são os desafios que as pessoas da sociedade civil confrontam-se no seu dia a dia. Essas organizações não governamentais ao promoverem encontros do tipo fazem algo de muito importante no sentido de ligar políticos à sociedade civil. Mas também tenho que dizer que infelizmente tenho visto muitas ONG`s que apenas têm esse nome e que podiam colaborar um pouco mais para ajudar a resolver os problemas; precisam ser mais eficazes.
RA - Antes de vir para esta entrevista li o seu CV, vejo o seu desempenho no Parlamento e não tenho dúvidas de que a senhora é uma mulher muito inteligente e emancipada. Numa sociedade ainda dominada pelos homens nota-se que mesmo em países como a Holanda a mulher é ainda discriminada no mundo do trabalho. Por exemplo, o salário dos homens que desempenham cargos de chefia, são normalmente maiores do que o das mulheres. O que deve ser feito para se pôr termo a essa discriminação que as mulheres são sujeitas ainda nos países ditos desenvolvidos?
KF - Olha eu acho uma vergonha o que disse e a Holanda está fazendo ainda muito mal nesse sentido. Dentro da política está indo melhor. Nós mulheres somos quase metade do parlamento. Mas por exemplo nas ciências, nos ministérios, empresas, faltam mulheres nos postos mais altos. Fala-se muito aqui agora no sentido de ser obrigatória a inclusão de uma percentagem de mulheres nos lugares importantes dentro dos ministérios ou na direcção das empresas, mas eu acho que isso não funciona. Eu acho que a política deve dar o exemplo nomeando mulheres em lugares visíveis na tomada de decisões importantes e nós não chegamos ainda lá aqui na Holanda. Ainda bem que neste País existe uma organização importante que luta para acabar com isso e o nome é “Equlity” e por casualidade a minha irmã é directora (risos).
Eu acredito que uma sociedade só funciona melhor quando tem diversidade, eu acredito que o sistema de quotas para ter mulheres desempenhando certas funções não funcionam porque pode dar-se o caso de qualquer mulher ser nomeada para um posto mesmo sem ter capacidades intelectuais para isso. Sou por isso a favor da nomeação das mulheres quando elas mostrem que realmente são capazes de desempenhar determinadas funções de chefias com competência. Também é verdade que nós as mulheres também precisamos ser mais expressivas nesses assuntos e digo isso porque somos por vezes muito mais recatadas que os homens e não gostamos de expor-nos tanto.
RA - Das mulheres europeias para as africanas. A mutilação genital é um fenómeno que preocupa; frequentemente os mídias holandeses falam disso. O seu Partido tem uma opinião formada sobre o assunto? Os Pais que obrigam suas filhas a mutilarem-se devem ser criminalizados?
KF - Olha ainda não existe uma lei que criminalize os pais. Eu acho mais importante que criminalizar os pais é consciencializa-los. Eu conheço mulheres aqui na Holanda que realmente estão convencidas que elas fazem um favor às filhas ao fazer isso. Por isso penso que é muito importante trabalhar a consciência dessas famílias e ver o mesmo tempo como proteger as meninas. Estamos a conversar no parlamento holandês sobre a possibilidade de introduzir médicos dentro da escola que fazem exames corporal como já houve em tempos aqui na Holanda, de dois em dois anos e isso para todas as crianças identificando assim as crianças que necessitam de protecção e o Estado poder actuar em conformidade.
As mulheres grávidas frequentam centros de saúde pré natal e a consciencialização também podem ser feitos nesses centros médicos ainda antes das crianças, para que os médicos possam alertar os pais sobre os perigos da mutilação genital feminina.
Eu posso também dizer para você que sou directora de um projecto que atribui prémios para grupos migrantes que realizam trabalhos importantes e vários prémios já foram atribuídos a mulheres africanas que vivem aqui na Holanda e fazem esse trabalho de consciencialização sobre a mutilação genital.
RA - Falando agora sobre a cooperação entre a Holanda e Cabo Verde. Como avalia essa cooperação?
KF - Eu entendi da parte do ministro da cooperação e o do desenvolvimento da Holanda que vamos terminar a nossa relação de cooperação com Cabo Verde porque neste momento Cabo Verde faz parte do grupo dos países de desenvolvimento médio e a renda per capita do país justifica essa tomada de posição. Mas eu disse para o ministro que apesar de ter uma renda suficiente ainda existe muita pobreza em Cabo Verde e falei na possibilidade de muitas empresas holandesas sobretudo na área do turismo que têm interesse em investir em Cabo Verde. Eu não estou de acordo em cortar a ajuda assim abruptamente mas sim gradualmente talvez deixar uma fase de transição que pode ir de quatro a oito anos e não terminar assim de um dia para o outro.
RA – O CDA tem muitos membros de origem cabo-verdiana? António da Silva é o rosto da CDA para os cabo-verdianos aqui. Tem conhecimento de outros cabo-verdianos activos no seu Partido? Como vê o interesse dos cabo-verdianos no seu partido?
KF - Para nós o António é muito importante no partido CDA e sei que temos mais cabo-verdianos que são membros do nosso partido. Não posso quantificar o número exacto mas sei que temos. Como eu falei anteriormente, o meu partido reconhece o valor da importância da diversidade no seu seio. Eu mesma nasci no Suriname e acho importante que vozes de pessoas oriundas de outros países e com outras culturas sejam escutadas dentro do partido. Justamente no momento em que o debate no país sobre a multiculturalidade tem ganho um tom negativo, eu vejo muitas coisas positivas na diversidade e digo mais que precisamos dos cabo-verdianos dentro do nosso partido nessa linha de ideias. Quero dizer também que acho muito importante que o CDA tenha contacto mais frequente com o nosso partido irmão de Cabo Verde, o MpD, para reforçarmos mais os nossos laços de cooperação.
RA - Falou no MpD (Partido da mesma família politica que o CDA ) que já foi governo em Cabo Verde e agora está na Oposição. Segundo informações avançadas pelos mídias cabo-verdianos esse Partido vai realizar a sua nona Convenção ainda este ano. Caso for convidada está disposta a participar no Congresso?
KF - Olha se eu fosse convidada seria algo de fantástico. Mas é preciso ver as nossas agendas ou ver ainda se outras pessoas dentro do Partido CDA pudesse também participar talvez gente do directório do Partido…
RA - Mas a senhora tem a vantagem de expressar em várias línguas entre os quais o português…
KF - Sim isso é verdade, então eu devia ir como tradutora (risos).
RA - Ter uma pessoa do seu calibre apenas como tradutora seria um desperdício (risos)…
KF – Mas, agora a sério, gostaria sim de participar de conhecer melhor a realidade cabo-verdiana.
RA - Gostaria de lhe pedir para avaliar o actual governo de centro esquerda no poder aqui na Holanda no tocante sobretudo à relação entre os dois maiores partidos: CDA e o PvdA. A relação é boa?
KF - Como você sabe, a Holanda é um país de coligação e nunca um partido governa só. E para formar qualquer governo de coligação é preciso que haja negociações por vezes demoradas. Neste momento a coligação é formada por três partidos e isso significa que nem todos os desejos e sonhos dos três partidos podem ser realizados. É preciso dar um pouco mais, também ceder um pouco, receber um pouco, etc.
Mas nós deputados do CDA não temos problemas em criticar, às vezes, o governo de coligação na forma como realizam ou não os nossos sonhos, as nossas propostas… Como é evidente nunca uma relação num governo de coligação é sempre um mar de rosas; existem, por vezes, fricção pelo simples facto de serem partidos diferentes. Não esqueça que fricção dá brilho.
RA - Mas classificaria o desempenho actual de positivo…
KF - Sim eu acho positivo o desempenho até porque com a crise económica que o mundo atravessa a que a Holanda não está imune, não admite veleidades de membros da coligação entrar em grandes brigas por exemplo.
RA - Obrigado senhora deputada pelo seu tempo disponível.
KF - Agradeço e foi um grande privilégio para mim falar com o senhor.
NORBERTOB.C. SILVA
“JÁ É TEMPO DE A EUROPA FAZER UMA BOA POLÍTICA DE IMIGRAÇÃO”
Mais uma interessante entrevista do nosso colaborador Norberto Silva, da Rádio Atlântico, na Holanda. A sua entrevistada, Kathleen Getrud Ferrier, é deputada no Parlamento holandês, há precisamente 2462 dias (16 de Fevereiro de 2009) e mostra-se profundamente conhecedora e comprometida com as dificuldades de integração das minorias na Holanda. Fala de Cabo Verde, mas também do MpD, que é da família do seu partido, o CDA, Partido Cristão Democrata da Holanda. Garante que gostaria de participar e de conhecer melhor a realidade cabo-verdiana
Roterdão, 16 Fevereiro - Kathleen Getrud Ferrier nasceu a 8 de Março de 1957 em Paramaribo, Suriname. É Casada e mãe de dois filhos. Professa a religião Protestante (Igreja Reformada Holandesa-Calvinista). Estudou Literatura na “Universidade de las Americas” em Cholula no México (1980) e depois licenciou-se em Letras em 1984 em Leiden (Holanda) com especialidade nas línguas de espanhol e Português e ainda cooperação e desenvolvimento. De 1981 a 1984 foi Professora Assistente de Cooperação e desenvolvimento em Leiden. Desempenhou várias funções importantes no seio de organizações não governamentais ligadas a igreja. Foi Secretária Geral para a cooperação das igrejas holandesas de 1994 a 2002. Foi membro da Associação das igrejas migrantes de 1996 a 1999. Trabalhou para a SOW (igrejas de Migrantes). Trabalhou em várias ONGS na América Latina nomeadamente no Chile e no Brasil.
No seu partido, o CDA, desempenhou várias funções de destaque de 2002 a 2006: foi Vice-presidente para implementação do programa do seu partido de 2002 a 2006. Vice-presidente da comissão para as relações Externas. Membro da Comissão permanente para Assuntos Sociais, Ensino, Mercado de Trabalho, Cultura, Educação e Ciências, Desporto etc. É porta-voz do Grupo Parlamentar do CDA para a área de Politica de Família, Cooperação e Desenvolvimento. É membro da comissão das relações externas do Parlamento. Membro da Fundação “SELOS” para protecção das Crianças. E ainda pertence ao Grupo de Trabalho para a democracia e religião; É Conselheira do Parlamento em questões relacionadas com a América latina.
Escreveu vários livros de entre os quais se destaca “Igrejas dos Imigrantes, confiança e Aceitação”.
Como Hobby a deputada gosta de ler, escrever, pintar e cozinhar juntamente com os filhos.
As fotos do texto são de Dirk Hol
Rádio Atlântico - CDA é o Partido do actual Primeiro-ministro Balkenende. Para os cabo-verdianos residentes na Holanda só a sigla “CDA” não significa muito. Quer resumidamente falar-nos do seu partido e da ideologia que professa?
Kathleen Ferrier - O meu partido é um partido cristão democrata. É um partido que reúne várias culturas cristãs; os protestantes e católicos. Antes eram três partidos diferentes que se juntaram para formar um só partido, CDA. O meu partido que é o maior na Holanda e que é também o partido do primeiro-ministro, é um partido que trabalha tendo como base o evangelho. O evangelho é que nos inspira. Mas é claro que tem também outros partidos aqui na Holanda que querem realizar o que está inscrito no evangelho na prática. O que nos distingue dos outros partidos é que o evangelho é inspiração no nosso trabalho. O que também é importante para o meu partido é a solidariedade mundial, o respeito pela natureza, o poder do povo, mas que não o do Estado ou da lógica do mercado mas o poder real do povo mesmo. Para nós, qualquer pessoa que se reconheça nos pilares elementares que estão na base da criação do nosso partido pode ser membro e ter a possibilidade de chegar a postos importantes dentro do partido. O nosso partido é aberto também a pessoas que professam outras religiões e é por isso que no seio do CDA temos membros muçulmanos, hindus, e eu posso dizer-lhe que tenho colegas dentro do parlamento que são muçulmanos ou Hindus.
RA - Parece um pouco em contradição com a origem do seu partido que é Judaico-Cristão….
KF - Não, não é uma contradição, mas é claro que dentro do partido como é evidente tem pessoas que são contra a inclusão de muçulmanos ou Hindus mas a maioria defende que o Cristo que é o nosso exemplo mostrou que qualquer um de boa vontade pode colaborar. O que é importante é que a pessoa reconheça os valores que estão na base da fundação do nosso partido. O verdadeiro cristianismo defende a abertura da pessoa e ao reconhecer valor em qualquer ser humano é isso que Jesus Cristo ensinou para nós não é verdade?
RA - Mudando agora de assunto. Uma das metas do milénio proposta pela ONU é a erradicação da fome no mundo até 2020. O que é que o seu partido, actualmente, integrante da coligação governamental pensa fazer no sentido de ajudar a erradicar a fome no mundo, principalmente nos países africanos?
KF - Para nós é um tema muito importante e posso-lhe adiantar que neste momento debate-se muito aqui na Holanda sobre como deve ser a assistência, a contribuição do País para o desenvolvimento. Para o meu partido é muito importante que a Holanda cumpra o que prometeu fazer em termos de ajuda aos países pobres que é dedicar uma certa quantidade dos ganhos do país na ajuda aos países mais pobres…
RA - E a Holanda cumpre isso neste momento?
KF - Sim a Holanda destina 0,8% do seu produto interno bruto para acções voltadas ao desenvolvimento e isso são valores dos mais elevados ao lado dos países nórdicos e Luxemburgo. E nós sempre interrogamos a países como Portugal, França ou Alemanha por exemplo sobre as suas contribuições que são menores que as nossas e relembramos a esses países que eles também prometeram dar mais ajuda mais não fazem nada disso. Mas também digo sempre que a solução para combater o problema dos países pobres não é somente dar dinheiro. É preciso sobretudo analisar a sua eficácia. O dinheiro tem que ser utilizado nesses países de uma forma a ter um impacto positivo na vida das pessoas e no desenvolvimento dos referidos países. Digo isso porque estamos a 50/60 anos neste processo de ajuda e dá para ver que se cometeram muitos erros.
Eu escrevi um livro sobre isso. Entrevistei quinze personalidades do Norte e do Sul (Países Ricos e Pobres) para dar a sua versão sobre a forma de atribuição da ajuda. A experiência me ensina que mais importante que dar dinheiro é ver como fazer realmente para que a ajuda financeira contribua para o desenvolvimento verdadeiro desses países.
Nós somos chamados países mais ricos porque temos mais riqueza, mais dinheiro… mas somos, por outro lado, mais pobres no tocante a outras coisas. Este nosso continente, o velho continente tem falta de coisas por exemplo que encontramos em África, na América Latina em grande abundância. Pessoas jovens que querem trabalhar, energia, luz….
RA - A Senhora é das que também acha que a política na Europa ou em particular na Holanda está “cinzenta’, sem ideias em termos por exemplo criativos ou do envolvimento da juventude…
KF - Eu acho que dentro da classe politica europeia em todos os partidos necessitamos de sangue novo e de novas ideias e o que é muito importante, de pessoas que falam mais sobre a perspectiva de que o nosso mundo é pequeno e que existe uma interdependência muito grande entre todos os países e entre todos os povos. Quando tem pobreza, tem fome por exemplo em África, isso tem um efeito imediato aqui na Europa…
RA - É então contra a actual política da União Europeia que restringe ou mesmo proíbe a entrada dos vizinhos pobres do sul na Europa?
KF - Olha eu acho que abrir as fronteiras não adianta nada. O que é importante é fazer uma política bem pensada e verdadeiramente europeia que resolva de vez essa situação da emigração para a Europa. O drama que acontece com os pequenos barcos que tentam chegar à Europa é algo que choca-nos a todos e não pode ser. Já é tempo de a Europa fazer uma boa política de imigração. Esta semana vamos falar com o ministro do desenvolvimento e da cooperação sobre a imigração e eu estou muito contente que ele iniciou alguns projectos que eu acho muito importante. Posso falar-lhe de um projecto dele que é o de migração circular e que estuda a possibilidade de receber os emigrantes vindo dos países em vias de desenvolvimento para estudarem ou trabalharem durante por exemplo seis meses na Europa e regressar aos seus países de origem com saber fazer que lhes permita usar em prol do desenvolvimento dos respectivos países.
Eu acho também muito importante a possibilidade do regresso de quadros oriundos dos países em desenvolvimento que estão aqui na Holanda às suas terras no sentido de trabalharem lá e compartilhar seus conhecimentos durante um certo tempo sem perder os seus trabalhos aqui. O que a Holanda também está a fazer é evitar a fuga de cérebros dos países pobres. O meu país quer que jovens com formação elevada fiquem nos seus países a ajudar no desenvolvimento. E para isso estuda-se actualmente a possibilidade de dar a esses quadros um salário digno de forma a ficarem nos seus respectivos países.
RA - A senhora já trabalhou em várias organizações de cariz social e hoje está aqui em Roterdão, num encontro sobre o papel que devem desempenhar as igrejas migrantes na sociedade holandesa. Que Importância têm as ONG`s no sentido de criar lobby para ajudar o chamado terceiro mundo a sair do ciclo da pobreza?
KF - Eu acho muito importante a existência das ONG`s. Em primeiro lugar porque elas são uma expressão da sociedade civil. Para falar dos lobby que o senhor falou, o que por exemplo as pessoas das igrejas falaram aqui hoje apresentando os seus problemas enfrentados e interrogando-nos a nos políticos aqui presentes sobre o que fazer é uma forma de fazer pressão sobre a classe politica, é fazer lobby. Encontros como este são importantes porque muitas vezes os políticos não estão a par do que acontece na rua, nas escolas, nas igrejas, no trabalho e não sabem por isso quais são os desafios que as pessoas da sociedade civil confrontam-se no seu dia a dia. Essas organizações não governamentais ao promoverem encontros do tipo fazem algo de muito importante no sentido de ligar políticos à sociedade civil. Mas também tenho que dizer que infelizmente tenho visto muitas ONG`s que apenas têm esse nome e que podiam colaborar um pouco mais para ajudar a resolver os problemas; precisam ser mais eficazes.
RA - Antes de vir para esta entrevista li o seu CV, vejo o seu desempenho no Parlamento e não tenho dúvidas de que a senhora é uma mulher muito inteligente e emancipada. Numa sociedade ainda dominada pelos homens nota-se que mesmo em países como a Holanda a mulher é ainda discriminada no mundo do trabalho. Por exemplo, o salário dos homens que desempenham cargos de chefia, são normalmente maiores do que o das mulheres. O que deve ser feito para se pôr termo a essa discriminação que as mulheres são sujeitas ainda nos países ditos desenvolvidos?
KF - Olha eu acho uma vergonha o que disse e a Holanda está fazendo ainda muito mal nesse sentido. Dentro da política está indo melhor. Nós mulheres somos quase metade do parlamento. Mas por exemplo nas ciências, nos ministérios, empresas, faltam mulheres nos postos mais altos. Fala-se muito aqui agora no sentido de ser obrigatória a inclusão de uma percentagem de mulheres nos lugares importantes dentro dos ministérios ou na direcção das empresas, mas eu acho que isso não funciona. Eu acho que a política deve dar o exemplo nomeando mulheres em lugares visíveis na tomada de decisões importantes e nós não chegamos ainda lá aqui na Holanda. Ainda bem que neste País existe uma organização importante que luta para acabar com isso e o nome é “Equlity” e por casualidade a minha irmã é directora (risos).
Eu acredito que uma sociedade só funciona melhor quando tem diversidade, eu acredito que o sistema de quotas para ter mulheres desempenhando certas funções não funcionam porque pode dar-se o caso de qualquer mulher ser nomeada para um posto mesmo sem ter capacidades intelectuais para isso. Sou por isso a favor da nomeação das mulheres quando elas mostrem que realmente são capazes de desempenhar determinadas funções de chefias com competência. Também é verdade que nós as mulheres também precisamos ser mais expressivas nesses assuntos e digo isso porque somos por vezes muito mais recatadas que os homens e não gostamos de expor-nos tanto.
RA - Das mulheres europeias para as africanas. A mutilação genital é um fenómeno que preocupa; frequentemente os mídias holandeses falam disso. O seu Partido tem uma opinião formada sobre o assunto? Os Pais que obrigam suas filhas a mutilarem-se devem ser criminalizados?
KF - Olha ainda não existe uma lei que criminalize os pais. Eu acho mais importante que criminalizar os pais é consciencializa-los. Eu conheço mulheres aqui na Holanda que realmente estão convencidas que elas fazem um favor às filhas ao fazer isso. Por isso penso que é muito importante trabalhar a consciência dessas famílias e ver o mesmo tempo como proteger as meninas. Estamos a conversar no parlamento holandês sobre a possibilidade de introduzir médicos dentro da escola que fazem exames corporal como já houve em tempos aqui na Holanda, de dois em dois anos e isso para todas as crianças identificando assim as crianças que necessitam de protecção e o Estado poder actuar em conformidade.
As mulheres grávidas frequentam centros de saúde pré natal e a consciencialização também podem ser feitos nesses centros médicos ainda antes das crianças, para que os médicos possam alertar os pais sobre os perigos da mutilação genital feminina.
Eu posso também dizer para você que sou directora de um projecto que atribui prémios para grupos migrantes que realizam trabalhos importantes e vários prémios já foram atribuídos a mulheres africanas que vivem aqui na Holanda e fazem esse trabalho de consciencialização sobre a mutilação genital.
RA - Falando agora sobre a cooperação entre a Holanda e Cabo Verde. Como avalia essa cooperação?
KF - Eu entendi da parte do ministro da cooperação e o do desenvolvimento da Holanda que vamos terminar a nossa relação de cooperação com Cabo Verde porque neste momento Cabo Verde faz parte do grupo dos países de desenvolvimento médio e a renda per capita do país justifica essa tomada de posição. Mas eu disse para o ministro que apesar de ter uma renda suficiente ainda existe muita pobreza em Cabo Verde e falei na possibilidade de muitas empresas holandesas sobretudo na área do turismo que têm interesse em investir em Cabo Verde. Eu não estou de acordo em cortar a ajuda assim abruptamente mas sim gradualmente talvez deixar uma fase de transição que pode ir de quatro a oito anos e não terminar assim de um dia para o outro.
RA – O CDA tem muitos membros de origem cabo-verdiana? António da Silva é o rosto da CDA para os cabo-verdianos aqui. Tem conhecimento de outros cabo-verdianos activos no seu Partido? Como vê o interesse dos cabo-verdianos no seu partido?
KF - Para nós o António é muito importante no partido CDA e sei que temos mais cabo-verdianos que são membros do nosso partido. Não posso quantificar o número exacto mas sei que temos. Como eu falei anteriormente, o meu partido reconhece o valor da importância da diversidade no seu seio. Eu mesma nasci no Suriname e acho importante que vozes de pessoas oriundas de outros países e com outras culturas sejam escutadas dentro do partido. Justamente no momento em que o debate no país sobre a multiculturalidade tem ganho um tom negativo, eu vejo muitas coisas positivas na diversidade e digo mais que precisamos dos cabo-verdianos dentro do nosso partido nessa linha de ideias. Quero dizer também que acho muito importante que o CDA tenha contacto mais frequente com o nosso partido irmão de Cabo Verde, o MpD, para reforçarmos mais os nossos laços de cooperação.
RA - Falou no MpD (Partido da mesma família politica que o CDA ) que já foi governo em Cabo Verde e agora está na Oposição. Segundo informações avançadas pelos mídias cabo-verdianos esse Partido vai realizar a sua nona Convenção ainda este ano. Caso for convidada está disposta a participar no Congresso?
KF - Olha se eu fosse convidada seria algo de fantástico. Mas é preciso ver as nossas agendas ou ver ainda se outras pessoas dentro do Partido CDA pudesse também participar talvez gente do directório do Partido…
RA - Mas a senhora tem a vantagem de expressar em várias línguas entre os quais o português…
KF - Sim isso é verdade, então eu devia ir como tradutora (risos).
RA - Ter uma pessoa do seu calibre apenas como tradutora seria um desperdício (risos)…
KF – Mas, agora a sério, gostaria sim de participar de conhecer melhor a realidade cabo-verdiana.
RA - Gostaria de lhe pedir para avaliar o actual governo de centro esquerda no poder aqui na Holanda no tocante sobretudo à relação entre os dois maiores partidos: CDA e o PvdA. A relação é boa?
KF - Como você sabe, a Holanda é um país de coligação e nunca um partido governa só. E para formar qualquer governo de coligação é preciso que haja negociações por vezes demoradas. Neste momento a coligação é formada por três partidos e isso significa que nem todos os desejos e sonhos dos três partidos podem ser realizados. É preciso dar um pouco mais, também ceder um pouco, receber um pouco, etc.
Mas nós deputados do CDA não temos problemas em criticar, às vezes, o governo de coligação na forma como realizam ou não os nossos sonhos, as nossas propostas… Como é evidente nunca uma relação num governo de coligação é sempre um mar de rosas; existem, por vezes, fricção pelo simples facto de serem partidos diferentes. Não esqueça que fricção dá brilho.
RA - Mas classificaria o desempenho actual de positivo…
KF - Sim eu acho positivo o desempenho até porque com a crise económica que o mundo atravessa a que a Holanda não está imune, não admite veleidades de membros da coligação entrar em grandes brigas por exemplo.
RA - Obrigado senhora deputada pelo seu tempo disponível.
KF - Agradeço e foi um grande privilégio para mim falar com o senhor.
NORBERTOB.C. SILVA
Publicado no Liberal dia 16 de Fevereiro 09
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