terça-feira, 29 de novembro de 2011

SOCIEDADE:O SONHO AMERICANO FICOU NA FRONTEIRA

A caminho dos Estados Unidos, muitas migrantes centro-americanas acabam trabalhando como prostitutas em bares mexicanos, usando o corpo como forma de pagamento - o chamado ‘bodycard’.

É uma triste realidade que, em alguns casos, representa uma opção real e até aceita, justificada pela cada vez mais difícil conquista do ‘sonho americano’.
Karen, antes de sair de Honduras, você havia escutado sobre o caminho, como era duro?
“Bom, sim. diziam -me que era muito perigoso, que havia ladrões… mas nunca imaginei que seria como foi.”
Fria, distante, como os que não querem recordar mas são obrigados, Karen relata a um assistente social no YouTube como foi violada pelo bando dos Zetas no México quando ia para os Estados Unidos.
Mãe de dois filhos e em busca de trabalho no país do norte, Karen  faz parte dos 75% das mulheres migrantes que não têm consciência dos riscos que terão que enfrentar durante o trajecto até os EUA. “No caminho, as mulheres estão expostas a qualquer tipo de abuso, não só das autoridades, mas também de pessoas dos lugares por onde passam, que vêm nelas dinheiro e também uma mercadoria sexual. Só este ano registamos 490 denúncias de violações sofridas pelas migrantes”, conta Gemayel Fuentes, do gabinete dos direitos humanos da Casa del Migrante Tecún Umán em San Marcos, Guatemala.
Contraceptivos
Os perigos a que se expõem as guatemaltecas, salvadorenhas e principalmente as hondurenhas são inumeráveis, e por isso algumas tentam tomar precauções de antemão. Quase resignadas ao facto de que serão violadas ou terão que utilizar o seu corpo como mercadoria, cada vez mais mulheres se submetem a tratamentos contraceptivos antes de iniciar a viagem. “Nosso médico aqui disse isso, que elas vêm com dispositivos vaginais ou com injecções de seis meses”, explica à Rádio Nederland o padre Flor Maria Rigani, da Casa Migrante Belén em Tapachula, México.
Diminuição da migração
Entretanto, “o número de migrantes para os Estados Unidos baixou devido à queda do mercado de trabalho norte-americano”, comenta o padre Rigani. “Além disso, o país  tornou-se mais xenófobo e os imigrantes decidem voltar porque, como me dizia um hondurenho que passou por aqui, nos Estados Unidos uma pessoa não morre tanto por uma bala, mas pela discriminação e solidão que faz com que você se sinta um animal asqueroso.”
Pagando com o ‘bodycard’
Estas razões explicam por que muitos migrantes centro-americanos decidem ficar no México. E as aspirações de alguns migrantes, sobretudo mulheres, tomam outro rumo. “Muitas mulheres já vêm com a ideia de se vender no México. Psicólogas que trabalham como voluntárias nos contaram que muitas mulheres usam o ‘bodycard’, quer dizer, não têm passaporte, não têm cartão de crédito, mas têm um corpo que vale como um cartão de crédito”, diz o sacerdote.
De que tipo de sociedade estamos falando quando alguém prefere sair de seu país e se prostituir, assumindo conscientemente este tipo de situação? Onde estão os limites da pobreza? “Acredito que a mulher não tem que chegar a isso, a vender seu corpo para sair da pobreza. Que alguns tabus caiam, estou de acordo, mas que se utilize a prostituição como válvula de escape, pessoalmente não estou de acordo”, opina o padre.
Informação e prevenção
A partir dos centros de atendimento ao migrante, tanto o padre Rigani como Gemayel Fuentes desempenham trabalhos fundamentais de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e saúde reprodutiva para quem decide continuar o caminho. “Para contribuir com a erradicação dessa problemática, damos três palestras ao dia para migrantes que estão hospedados na casa, explicamos os riscos e perigos da migração e como podem fazer valer seus direitos”, diz Fuentes. “Depois destas conversas nós também lhes damos alguns preservativos e fazemos exames de HIV. Mas não podemos fazer mais que isso, pois, mesmo que conheçam os riscos, vão de qualquer maneira”, diz o padre Rigani.
Um caminho que, como o de Karen, não é fácil, mas que lamentavelmente é justificado por uma simples esperança: um futuro melhor para elas e seus filhos.
Por Anna Karina Rosales e Marta Garrido
Foto:Internet

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