domingo, 18 de abril de 2010

ENTREVISTA COM DAVID HOPFFER ALMADA NO JORNAL EXPRESSO DAS ILHAS

Hopffer Almada: Candidatura só com o apoio do PAICV

David Hopffer Almada, deputado eleito pelo PAICV e advogado, ainda não se assume como candidato às presidenciais, mas não nega a vontade que tem de ser o escolhido para ser apoiado pelo partido que representa na Assembleia Nacional. Hopffer Almada transmite uma imagem de rigidez, de seriedade. Fala de forma pausada, numa voz grave. Mas também tem sentido de humor, e mostrou, durante a entrevista, que gosta de rir.
Expresso das Ilhas - Já é candidato ou ainda só candidato a candidato?
David Hopffer Almada - Ainda não sou candidato. Sou um disponível para ser candidato, disponibilizei-me publicamente, há algum tempo, e já estou a fazer o meu caminho nesse sentido. Ou seja, não quero que esse convite me venha encontrar aqui, no meu gabinete de trabalho, mas quero ser eu a ir à procura. Quero ser eu a conquistar essa escolha.
Ainda só está a traçar o caminho?
Estou a fazer o meu caminho a ser candidato.
Porquê esta vontade, de ser candidato a Presidente da República?
Na vida, cada um tem o seu próprio percurso, muitas vezes fruto das circunstâncias, muitas vezes, independentes da vontade da própria pessoa. Tive a sorte, e agradeço a Deus por ter tido essa sorte, de viver todas as épocas importantes da história do meu pais. Vivi ainda na época colonial, vivi a fase da transição, vivi a fase da independência, vivi a transição para a democracia e vivo em democracia. Só posso considerar-me um felizardo. Nem todos têm essa sorte eu tive-a e agradeço-a.
E acha que é essa experiência que lhe dá uma certa vantagem enquanto candidato a Presidente da República?
Não digo que me dê uma vantagem, mas capacita-me para poder desempenhar bem as funções de Presidente da República, tendo em conta esta vivência e este percurso. Faz com que eu tenha um conhecimento global da vida do país, em todas as suas vertentes. Portanto, faz com que eu esteja, com a serenidade e a modéstia que devo ter, preparado para assumir essas funções.
Há vários nomes falados na esfera do PAICV. O que acha dos outros possíveis candidatos?
Há o Dr. Aristides Lima, o Eng. Manuel Inocêncio, o comandante Silvino da Luz e o comandante Frank Monteiro. Penso que são todos pessoas de mérito, com capacidades, e seguramente, não poriam em causa um papel tão importante como é o de Presidente da República. Todos têm legitimidade para se disponibilizarem, porque todos pretendem servir, a esse nível, o país. Encaro esses candidatos com naturalidade. E até podiam ser mais porque temos muitos quadros na nossa área com capacidade e competência para essas funções. Como o suponho na área do MpD, que há muitas pessoas com capacidades. Quem fica a ganhar é Cabo Verde, ao ter tantas pessoas capazes e qualificadas para ocuparem essa função. Agora, vai depender das escolhas do partido, partindo do princípio que quem for vai com apoio partidário. Depois, vai depender da decisão do povo.
Poderá haver primárias ou a escolha será do presidente do partido?
Como vem nos estatutos do partido, o candidato a ser apoiado será aquele que for aprovado pelo Conselho Nacional sob proposta da Comissão Política. Portanto, o processo será esse. Agora, é aguardar, serenamente, que isso venha a acontecer, sem muita pressão, porque o próprio partido tem o seu tempo definido, as suas prioridades e as suas urgências. Eu respeito isso, por isso, estou a fazer o meu trabalho de forma serena.
Se José Maria Neves disser "o PAICV apoia este candidato" e não for o seu nome o escolhido, avança sozinho?
Isso está fora de hipótese. Porque entendo que o apoio partidário é fundamental. Tenho defendido sempre a tese de que o apoio partidário não é suficiente, mas é fundamental. No meu caso, só o apoio partidário não me chegaria, porque quero ser um presidente que envolva os cabo-verdianos, no geral. Quero o apoio, naturalmente, do meu partido, mas quero um grande apoio da sociedade.
Já disse antes, noutras entrevistas, "sinto uma onda dentro e fora do PAICV, em torno da minha candidatura" também já disse que estava "moderadamente optimista", hoje o que diria?
Repito, continuo moderadamente optimista, porque cada dia que passa tenho mais gente a manifestar-me o seu apoio, gente da sociedade e gente ligada aos partidos políticos. Sinto o engrossar dessa onda e continuo moderadamente optimista. Não quero tirar os pés do chão. Já tenho suficiente experiência política para não me iludir. Para não exagerar.
Mas não acha que ao apresentar essa disponibilidade tão cedo, pode vir a sair com um certo desgaste de imagem?

Todos os que estão a querer têm dito o mesmo, por isso não seria só eu a desgastar a imagem, seríamos todos (risos). Mas não creio que isso aconteça. Hoje, o que me parece é que as pessoas já esperavam que eu declarasse essa disponibilidade. Antes de o dizer já muita gente me perguntava quando avançava. Ainda agora quando passei por Portugal notei ansiedade, as pessoas esperam que eu me declare candidato, eu é que não o quero fazer. Já insistiram muito com isso, cá, nos países por onde passo, todos querem que me assuma e me declare candidato. Mas não o vou fazer antes do tempo, nem antes que estejam preenchidas todas as condições para tal. É uma questão de princípio.
Não há o perigo de uma cisão interna?
Não creio. Acho que somos todos suficientemente maduros, e o PAICV é um partido suficientemente maduro, para saber resolver esta questão da melhor maneira.
Quando disse há pouco que sente que o seu caminho político o trouxe aqui, ser Presidente da República seria o final perfeito?
O futuro só a Deus pertence, mas penso que nesta etapa da minha vida, depois de tudo o que já fiz, acho que seria normal que eu quisesse candidatar-me. Faço isto um bocado por uma atitude cívica, por um dever patriótico e um sentido de prestação de sentido público. Porque eu digo, já tenho este percurso, andei por várias áreas, desempenhei diversas funções. E as pessoas dizem-me, David, agora devias ir para presidente. Eu analiso-me e vejo se tenho condições, ou não, para o fazer. Se, à partida, sinto que tenho condições para o fazer, acho que seria cobardia, ou preguiça, ou muito comodismo, dizer não, agora não quero esse tipo de problema. Era fugir. Porque ser presidente não é só ter o cargo, é suportar as responsabilidades de ser Presidente da República. Perderei a calma que a minha vida actual tem. Portanto, é um dever patriótico e um sentido de cumprir um serviço público.
Até há a possibilidade de tanto Portugal como Cabo Verde terem dois presidentes poetas.
Pode acontecer. Somos um país de cultura, de músicos, poetas, portanto casava-se bem (risos).
Há presidentes cujas palavras servem para inspirar um país, por exemplo Barak Obama. Sentia-se à vontade nesse papel?
Acho que sim. Porque acho que uma das formas de mobilizar um povo é sobretudo através das palavras, e o Presidente da República, em Cabo Verde, deve utilizar o exemplo e a palavra para mobilizar, para sensibilizar e para ter o povo sempre pronto, ávido e orgulhoso de si próprio. O Presidente da República deve assumir o seu papel, sobretudo em termos simbólicos. Deve mobilizar o povo para os desígnios da nação.
Há outro tipo de presidente, o presidente-profeta, género Lula da Silva, no Brasil.
Cada país, cada povo e cada época histórica, têm, ou devem ter, o presidente apropriado para cada época. O Lula aparece no momento em que era preciso um presidente como ele. Obama aparece também num momento de viragem história, e muda o mundo. Assim também, pode acontecer em todo o lado. Quem se assume como presidente de todos pode ter esse efeito. O exercício da presidência, mais do que o poder efectivo que possa ter, é essencialmente na carga simbólica desse poder que vai mobilizar o povo.
E Cabo Verde, que presidente precisará em 2011?
Será difícil responder porque não sei quem será o presidente que o povo vai escolher.
Faço a pergunta de outra maneira, que presidente gostava de ver em Cabo Verde, sem juízos de valor com quem ocupa o lugar.
Cabo Verde tem tido bons presidentes, cada um na sua época e cada um assumindo o seu papel dentro do contexto histórico em que viveu. Não quero tomar uma posição numa altura em que não há candidatos assumidos.
Foi ministro durante o partido único, foi candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2001, é deputado desde 2006, como caracteriza o seu percurso político?
Para mim foi um grande acumular de experiências. Vivi épocas muito interessantes da vida do meu povo. Fui ministro na altura mais difícil, porque tivemos de fazer tudo de novo. Mas foi um grande orgulho ter participado em todos esses processos. Mesmo quando não estive envolvido na política, estive envolvido nos problemas da sociedade, quer trabalhando em lugares culturais, quer desportivas. É o meu feitio. Sou militante das causas sociais, culturais, movimentos. Desde a juventude. Quando saí do seminário e fui para o liceu, e pouca gente sabe disto, das primeiras coisas que fiz foi criar um grupo chamado GEA, Grupo Estudantil de Assomada, estávamos na Praia, um grupo de rapazes de Santa Catarina e o grupo desfez-se porque houve uma denuncia à PIDE que estávamos a ter reuniões de cariz político. Foi das primeiras iniciativas em que estive envolvido. Portanto, a minha participação na política, formalmente ou informalmente, deriva da minha forma de estar na vida. Quero ser um actor das mudanças sociais e da sociedade que quero ver construída.
Causas sociais, culturais, são mais conotadas com a esquerda. É um homem de esquerda?
Não gosto de catalogações, mas se formos a ver os meus valores podemos dizer que sou um homem de esquerda. Essas dicotomias, esquerda/direita, não me agradam porque o mundo também não é a preto e branco. Mas, pelos valores que defendo e pelo projecto de sociedade que tenho, estou mais alinhado com o que se diz ser a esquerda do que a direita, mas quero sobretudo a participação de todos para o progresso de Cabo Verde.
Coimbra foi importante para a sua formação política?
Foi muito importante. Estive lá cinco anos e cheguei no ano lectivo em que houve a crise de 68/69. Estive envolvido no processo, inclusive na chamada "greve dos estudantes". Fui preso, julgado, condenado, depois fomos amnistiados. Estive envolvido nisso tudo, e mesmo assim consegui terminar os meus estudos. Entrei a 24 de Outubro de 1968, conclui a 20 de Julho de 1973. Coimbra marcou-me muito, porque lá é que comecei a educar-me, em muitos sentidos da vida, mas principalmente em termos políticos.
Tem uma noção da imagem pública que tem junto dos cabo-verdianos?
(risos) Espero ter uma imagem razoável. Espero que os cabo-verdianos me vejam bem porque há muito me vêem na vida pública. Acho que nunca desiludi os meus conterrâneos, nem aqueles com quem trabalhei nos diversos ministérios. Sempre tive uma relação próxima com todos os funcionários, cheguei a conhecer todos pessoalmente, quando estava no ministério da justiça, mas também o país era pequeno ainda e os funcionários eram poucos.
Li numa crítica à sua obra "Vivências" que era um livro assumidamente autobiográfico e que deixava perceber a preocupação nacionalista, a afirmação identitária e os desafios de uma sociedade em mutação. O que é ser cabo-verdiano?
(risos) É uma pergunta com uma resposta complicada. Ser cabo-verdiano é assumir-se como ... (silêncio) Assumir-se como um ser multicultural. Temos de ter a consciência que somos a mistura de muitos povos e culturas. Nenhum de nós é puramente isto ou aquilo, somos o exemplo concreto do que é o crioulo, não a língua mas o povo. Somos o exemplo concreto do que é o mundo do futuro. Estive em algumas cimeiras, a representar o chefe de estado cabo-verdiano, e estava muitas vezes com o presidente Senghor [Léopold Sédar Senghor, presidente do Senegal entre 1960 e 1980.
Como escritor, desenvolveu a Négritude, movimento literário que exaltava a identidade negra, lamentando o impacto negativo que a cultura europeia teve junto das tradições africanas] e ele dizia sempre que o futuro da humanidade está na miscigenação, e apontava para mim. Nós somos esse exemplo e o mundo é cada vez mais isso. Cada vez mais somos a mistura de gente que vem, de gente que vai e vem casado, de estrangeiros que vêm e ficam cá, por isso temos tanta abertura para o mundo, não só porque estamos no meio do mar mas porque a nossa natureza é essa. Somos um povo novo que apareceu no mundo. Por isso, defendo também o reconhecimento do nosso património imaterial, a crioulidade devia ser elevado a património da humanidade. Porque do cruzamento nasceu este novo povo, esta nova forma de estar, uma nova civilização. Se já valorizamos o património material - a Cidade Velha - devíamos também consagrar a crioulidade. E parto do principio que tudo de bom que havia nos outros (risos) ficou em nós.
Não teme a exposição que dá nesses poemas autobiográficos?
Há poemas em que escrevo os meus sentimentos e as minhas vivências. Mas, por exemplo, nos meus ensaios escrevo sobre outros temas. Portanto, não há assim um mostrar tão íntimo. Às vezes mostro a desilusão de quem se preocupou com a luta. Temos de saber que o sofrimento todo valeu a pena. E eu canto isso também nos meus poemas.
Mas, o facto de escrever esse género de poesias, às vezes gritos de raiva, poderemos falar de psicanálise literária?
(risos) Não sei, se calhar. Muitas vezes quando me sinto magoado, escrevo. É uma forma de escape. Escrevo o que sinto, a revolta que tenho com as injustiças. Marcou-me muito a minha educação no seminário. Bebi muitos valores durante esse tempo. Foi uma época com muita disciplina e rigor e isso decidiu o meu rumo de vida. O comportamento que sempre tenho, ainda hoje. E quando entrei acreditava que seria mesmo padre.
Mas acabou por não ser?
Acabei por não ser. Quando decidi sair levei muito tempo a pensar. Falei com o reitor, na altura ele pediu-me para meditar, uma vez que era dos mais velhos e que seria um choque. Pensei durante um ano e depois saí. Por uma razão simples, porque dentro do meu quadro do que seria um bom padre eu não o seria, e para isso não quis ser padre. É por isso que em todas as coisas em que me meto procuro fazê-las bem. Quis ser bom governante. Quero fazer bem o meu trabalho e ser um exemplo. Posso não ser o melhor, afinal tenho as virtudes e os pecados dos seres humanos, mas se não for para fazer bem, não me meto.
Quando chega de Coimbra, junta-se ao grupo de poetas cabo-verdianos que surge no pós 25 de Abril, foi mesmo incluído no grupo dos poetas nacionalistas. Aceita esta classificação?
Aceito como algo normal, mas também circunstancial. Fui um homem do meu tempo. Queríamos mobilizar, participar através da caneta. Quem tivesse jeito para a poesia escrevia. Aliás, eu escrevia já há muitos anos, mesmo no seminário, na altura com outros valores. Inclusive perdi poemas porque quando fui para Coimbra, e isto pouca gente sabe, a minha mãe descobriu poemas meus, abriu a parede de casa e escondeu-os por causa da PIDE, e muitos desses textos perdi.
Por falar em palavra e poder, Mandelstam [Osip Mandelstam, poeta russo que morreu num campo de prisioneiros em 1939], quando estava a ser levado para o campo de concentração, disse "a poesia é o poder", concorda?
Concordo, porque grandes mobilizações fazem-se através da palavra. Principalmente da palavra poética.
Então porquê perder tempo com outros tipos de poder?
(risos) Bem, se for eleito, espero levar a poesia comigo.
O facto de ser poeta pode ser um trunfo na sua candidatura?
Não sei se será. Já temos 35 anos de independência, 20 anos de vivência em democracia, o povo já está maduro o suficiente para saber escolher, já sabe quem quer e para quê. Para escolher o seu presidente, o seu governo, os eleitores já sabem avaliar. Não digo que a componente poesia não faça também parte, mas não creio que isso seja a parte mais importante.
Quais são as relações entre o poeta e o político?
Comigo convivem bem. Eu digo muita poesia com intenção política e outra que nada tem a ver com política. Também gosto de escrever sobre o amor.
E faz política de forma poética?
Se calhar, eu acho que os políticos, quase todos, para sonharem e venderem os sonhos, muitas vezes têm de (risos) fazer política de forma poética.
JM, Expresso das Ilhas

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