domingo, 16 de maio de 2010

CV(EXPRESSO):ENTREVISTA COM AMADEU CRUZ

Amadeu Cruz, Presidente da Câmara Municipal do Porto Novo


A propósito da recente investigação da polícia judiciária à Câmara Municipal de São Vicente e do congelamento dos registos de terrenos por parte do Governo, no Porto Novo, Amadeu Cruz considera que a justiça no País não é para todos e que, entre as autarquias, existe "discriminação em função da cor política".
Expresso das Ilhas: Qual tem sido o seu maior desafio enquanto presidente da câmara de Porto Povo?
Amadeu Cruz: A parte mais difícil tem sido gerir o desemprego, que atinge os jovens, as mulheres de uma forma geral, mas em particular, as mulheres chefes de família. Esse tem sido o grande desafio de Porto Novo, mas também, o grande desafio de Cabo Verde. Obviamente, que a resolução desta questão não depende somente da Câmara municipal, a questão do combate ao desemprego é uma incumbência e uma atribuição do Governo central, mas é claro que o presidente da câmara tem que estar preocupado quando no seu município há falta de emprego.
Qual é o sector mais importante para o desenvolvimento da ilha e do concelho?
O sector primário até agora tem sido o principal, com destaque para a agricultura, que tem sido em toda a ilha o principal motor da economia, é obvio que tem mais peso na Ribeira Grande e no Paúl do que propriamente no Porto Novo, mas mesmo no Porto Novo, tem uma importância grande. Por outro lado, destaca-se ainda, a pecuária e a pesca. Os três sectores juntos dominam a economia da ilha, para já. No concelho de Porto Novo é justo acrescentar os serviços ligados aos transportes marítimos, como sabe, a única porta de entrada da ilha é o Cais do Porto Novo. Além disso, regista-se actualmente um incremento da actividade bancária, das telecomunicações e também, como não poderia deixar de ser, alguma construção. Este sector vai empregando um número razoável de pessoas e aqui eu quero destacar os investimentos feitos pelos imigrantes cabo-verdianos oriundos de Santo Antão que investem em construção civil no Porto Novo.
A entrada em funcionamento do aeroporto internacional de São Vicente poderá potenciar ainda mais o desenvolvimento de Santo Antão?
Claro que a melhoria das ligações fará com que haja um incremento da procura de Santo Antão, que é uma ilha complementar a São Vicente. São Vicente pode oferecer diversão nocturna, por exemplo, e Santo Antão tem toda a sua beleza natural, e neste sector do turismo e dos transportes as duas ilhas têm de estar integradas enquanto um mercado regional único.
Santo Antão depende de São Vicente para se desenvolver?
E são Vicente também depende de Santo Antão. As duas ilhas são praticamente, um mercado integrado, e é óbvio que Santo Antão precisa do seu aeroporto, mas se por um lado, nós dependemos de São Vicente em matéria de transportes, já em produtos agrícolas, é São Vicente que depende de Santo Antão, em termos do seu abastecimento, e mesmo da pecuária. Continuaremos o intercâmbio humano, afectivo e económico com São Vicente, não considero como algo negativo. Há aqui uma interdependência entre as duas ilhas que deve ser até potenciada.
E entre as duas autarquias há boas relações?
Há uma relação de amizade com a senhora presidente da câmara a quem desejo sucessos na governação em São Vicente, desejo que ela rapidamente retome a normalidade nas actividades da câmara municipal e aproveito para me solidarizar com a Câmara Municipal de São Vicente no caso em que esteve recentemente envolvido com buscas da judiciária.
Considera que se tratou de um abuso de poder?
Num Estado de Direito as regras são para cumprir, a justiça deve ser feita e devemos procurar que haja esclarecimentos das situações menos claras. Assim como tem havido denúncias, de bases partidárias, em relação à CMSV, houve no passado denúncias em relação à Câmara Municipal da Praia, na altura liderada pelo Dr. Felisberto Vieira, tem havido denúncias igualmente em relação a membros do Governo e não se vê nada, não se vê nenhuma intervenção da polícia para desvendar os casos que envolvem pessoas ligadas ao partido do Governo. Portanto, aqui, se por um lado temos que dizer que a justiça deve ser feita, deve haver esclarecimentos, mas deve ser um acto igual para todos, não deve ficar em Cabo Verde, uma ideia de discriminação em função da cor política dos sujeitos. A Dra. Isaura tem feito um trabalho excelente, reconhecido por todos, e ela tem a minha solidariedade pessoal.
Acredita que os problemas de saúde que ela viveu recentemente não a fragilizaram a nível político?
Não. A Dra. Isaura é uma mulher de fibra, é uma pessoa que está na política para servir o povo de São Vicente, mas também para servir Cabo Verde. Obviamente que, todos temos momentos de algum desgaste psicológico, físico, e isso é normal porque a vida de um presidente de câmara não é fácil, é uma vida de muita responsabilidade, pressão, de confronto directo e diário com questões sociais, políticas e, como sabe, a Câmara de São Vicente tem estado sob pressão enorme em termos políticos, creio que os adversários políticos querem, a todo o custo, desmoralizar a Dra. Isaura e desmoralizar a Câmara de são Vicente, mas eu acredito na sua capacidade e sei que ela vai ultrapassar esse momento. Ela não precisaria pessoalmente de ser presidente de câmara, é uma empresária de sucesso, ela está a servir São Vicente.
Voltando para Santo Antão, a relação entre os municípios também é salutar, com duas câmaras do MPD e uma do PAICV?
Em Santo Antão há mais até, temos que trabalhar em conjunto, promover a ilha nós os três, e portanto, para além da relação de amizade, há também engajamentos em projectos conjuntos para a ilha de Santo Antão. Na verdade, as três câmaras vêem a ilha de uma forma integrada e há uma relação profunda e profícua entre as câmaras que são verdadeiramente irmãs e que conseguem, mesmo na diversidade de opinião política, construir um discurso conjunto da ilha. Nós sabemos separar as coisas, uma coisa é sermos presidentes de câmaras com proveniências partidárias, eventualmente diferentes, outra coisa são os interesses comuns da ilha de Santo Antão, e nesses não entram factores de índole partidária, e isso não tem tido eco no nosso relacionamento a nível da Associação de Municípios de Santo Antão.
E a nível do Governo? Acha que por ser uma câmara do MPD, Porto Novo tem merecido menos atenção, ou tem sido feito o necessário para o desenvolvimento do município?
Temos que ser justos na apreciação que fazemos, e nesse sentido, não posso dizer que o Governo não tem feito nada em Santo Antão. Isso seria injusto. O Governo ao nível das infra-estruturas rodoviárias e agora, portuárias, mesmo em relação à agricultura, pelo menos no Vale do Paúl tem havido avanços, tenho que dizer com sinceridade e com justiça que o Governo faz alguma coisa em Santo Antão sim senhor. É de justiça reconhecer que há a estrada Porto Novo - Janela, é de justiça reconhecer que está em curso a 1º fase da estrada de Tarrafal de Montetrigo, que estão em curso, as obras da estrada do Vale da Ribeira da Torre e do Vale da Garça, terão tido inicio já, as obras de recuperação e ampliação do Cais de Porto Novo, tudo da responsabilidade do Governo, e a esse nível tenho que dizer que sim, o Governo tem feito alguma coisa. Mas, por outro, e na questão fundamental que é a questão do combate ao desemprego e na questão da promoção da ilha como destino de investimentos, o Governo tem falhado redondamente. Falhou e continua a falhar, em relação aos seus próprios objectivos: fazer a economia crescer acima dos 10% e reduzir o desemprego abaixo dos 10%. Nesse aspecto o Governo falhou a nível nacional e também no Porto Novo de uma forma que, diria, demonstra alguma irresponsabilidade.
É verdade que a concepção dos registos de terreno ficou parada por dois anos em Santo Antão?
A Câmara desenhou, desde a primeira hora, uma estratégia de crescimento e desenvolvimento económico do Porto Novo, e que tinha como meta reduzir drasticamente o desemprego. Infelizmente, o programa de atracção e fixação de investimentos sofreu um interregno de mais de dois anos, dos finais de 2007 a 2009, devido ao congelamento dos registos de solos urbanos, e isso condicionou e paralisou as iniciativas de investimento privado, geradoras de emprego e de rendimentos. Foi uma situação completamente inaceitável, do ponto de vista do desenvolvimento económico. O Governo tomou essa decisão de congelar os registos de terrenos urbanos, que são a responsabilidade da Câmara, numa medida unilateral e mesmo abusiva, que afastou os investidores de Santo Antão. O Governo deve, por isso, ser responsabilizado pela questão do desemprego e pela não concretização dos investimentos em Santo Antão e, nisso eu culpo, de forma clara, o Governo.
Na sua opinião, a que se deveu este congelamento dos terrenos por parte do Governo?
Eu penso que o PAICV tem uma matriz ideológica que é contra o investimento privado. O Governo tenta disfarçar isso com um discurso diferente, mas na prática, há elementos afectos ao Governo, que são ortodoxos nessa filosofia e procuram a todo o custo inviabilizar investimentos produtivos do sector privado. Por outro lado, sendo uma Câmara do MPD, o PAICV, mais do que o Governo, tem interesse em demonstrar que a Câmara não está a fazer nada e por isso procura travar. A isto chama-se politiquice. Há uma atitude "politiqueira" de entravar o desenvolvimento de Porto Novo, no caso concreto. Eu acho que o Governo deve retroceder e tem de fazer mais, em prol do tecido empresarial nacional, na atracção de investimentos e tem de definir uma estratégia para Santo Antão, em termos de desenvolvimento económico, ou então, tem de deixar a Câmara do Porto Novo com a sua própria estratégia. Se o Governo nos deixar trabalhar, nós temos uma estratégia para o desenvolvimento de Porto Novo.
Pode nos avançar algumas medidas que fazem parte desse plano estratégico?
Nós temos o Plano Director Municipal, o PDM, aprovado há mais de um ano, que define um conjunto de questões em termos do meio rural, da floresta, bem como do espaço urbano. Porto Novo é o segundo maior município do país a seguir à Boavista, por isso, obviamente que temos população rural, mas a nossa projecção é de crescimento do Porto Novo urbano. Com isso, temos que apostar nas infra-estruturas, desenvolver acções para novas urbanizações, feitas pela câmara Municipal ou em parceria com o sector privado, promover a protecção ambiental e da orla marítima, desenvolver o turismo, descrito no PDM como um sector que pode ser a locomotiva da economia regional, modernizar a agricultura, a pecuária e as pescas, por um lado, para fixarmos as populações no meio rural e terem acesso a rendimentos, mas por outro, para podermos fornecer ao mercado emergente da hotelaria e restauração. Há ainda a questão das reservas naturais, temos algumas e no âmbito do nosso PDM a zona de Escurralete e de Tarrafal de Montetrigo também são consideradas reservas ecológicas, temos a projecção da constituição de pelo menos 4 ZDTI's em Santo Antão, o que poderá induzir a atracção de investimentos. Temos ainda, um deficit muito grande em termos de produção e distribuição de energia eléctrica, há várias localidades que não estão ligadas à rede pública, mas na Câmara, temos geradores, e, neste momento estamos a trabalhar num projecto de energias renováveis cujo o financiamento a Câmara conseguiu através da União Europeia, e que está em curso em Tarrafal e em Montetrigo. A nível da educação, temos apostado nos mais diversos níveis de escolaridade, desde a pré-primária até ao ensino superior, e apoiamos vários alunos de Porto Novo com bolsas de estudo. Na área social, temos um programa de construção de habitações essencialmente para mulheres chefes de família, e aqui há uma discriminação assumida, favorecemos quase sempre as mulheres de famílias e temos um programa de melhoria de condições das habitações, associada à adopção de casas de banho em habitações que não a têm. Quanto à água, a cidade de Porto Novo tem, neste momento, água de qualidade, há redes de distribuição de água em quase todas as localidades com concentração mínima de habitações, e neste momento está em curso o projecto de abastecimento de água a Ribeira das Patas, com o financiamento da Cooperação Espanhola.
EXPRESSO DAS ILHAS-Por Susana Rendall Rocha

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