Quando quinta-feira entrou nos estúdios da ITV, em Manchester, para o primeiro de um inédito ciclo de debates eleitorais, dois em cada três britânicos não seriam capazes de o reconhecer na rua. "Nick Quem?", ironizou o "Financial Times" no perfil que traçou do líder dos Liberais Democratas.
Mas 90 minutos bastaram para Nick Clegg se transformar "no líder partidário mais popular desde Winston Churchill", segundo uma sondagem divulgada ontem pelo "Sunday Times", e tornar mais provável a hipótese de um Governo de coligação após as legislativas de 6 de Maio.
"Não deixem que vos digam que a vossa única escolha é entre dois velhos partidos que têm dividido entre si o Governo há 65 anos e que continuam a fazer e a quebrar as mesmas velhas promessas", disse Clegg na abertura do debate.
A frase terá atingido, certeira, muitos eleitores, descrentes numa classe política que ainda não se refez do escândalo com as despesas dos deputados que, durante anos, usaram dinheiros públicos para reformar mansões ou comprar dispendiosas tampas de sanita. No auge do escândalo, Clegg foi o primeiro a pedir a demissão do líder do Parlamento e viu outros partidos darem-lhe finalmente razão sobre a necessidade de reformar um sistema político que reduz a representação parlamentar e, com ela, a voz dos pequenos partidos.
Ironicamente, foi este défice de notoriedade que lhe permitiu surgir como novidade num debate frente a dois líderes desgastados - Gordon Brown pelos 13 anos no Governo, David Cameron pela implacável propaganda trabalhista que o rotulou de inexperiente e elitista. "Nick Clegg é a nova Susan Boyle" do concurso de talentos da política britânica, escreveu o colunista conservador Gerard Warner no "Telegraph", comparando a surpresa dos seus adversários ao assombro com que o júri do programa Britain Got Talent (o equivalente a Ídolos) ouviu a estreante cantora escocesa.
"É verdade que tinha o papel mais fácil, mas desempenhou-o com mestria", contrapôs Lance Price, ex-assessor de Tony Blair, no "Guardian". O líder dos lib-dem, escreveu, "tirou o máximo partido da oportunidade de ouro" que Cameron e Brown lhe deram quando, ao fim de meses, aceitaram um debate a três na televisão. Discutiu de igual para igual, ganhou a empatia do público e teve o seu melhor momento quando culpou os dois rivais pelo bloqueio às reformas no Parlamento.
Um desempenho que catapultou Clegg, eleito deputado em 2005, dois anos antes de chegar à chefia do partido. Segundo o inquérito do Times, a sua taxa de aprovação é agora de 72 por cento, superior à de Tony Blair no auge da sua popularidade. E por toda a imprensa multiplicam-se perfis deste ex-funcionário da Comissão Europeia e eurodeputado, casado com uma advogada espanhola e pai de três filhos pequenos.
Apesar das cautelas dos analistas, inquéritos divulgados ontem aproximam os lib-dem dos 30 por cento, a curta distância dos tories. E poderá mesmo superar o Labour, a quem dois estudos colocam em terceiro lugar. Uma "corrida a três" como não se via na política britânica desde 1920, quando os Liberais, sob a chefia de Lloyd George, eram ainda um partido de poder.
Tories ao ataque
Numa boa noite eleitoral, escreveu Michael White, director adjunto do "Guardian", "os lib-dem podem sonhar com cem lugares" nos Comuns, acima dos 63 conquistados em 2005 quando o partido angariou os votos dos opositores à guerra do Iraque.
O surgimento de um terceiro protagonista em palco é, antes de mais, prejudicial para o Partido Conservador. A subida dos lib-dem não só os distancia da ambicionada maioria absoluta (326 deputados) como aumenta as hipóteses de o Labour (mais favorecido pelo sistema uninominal) eleger mais deputados, o que lhe permitiria manter-se no Governo em coligação, ou com o apoio informal dos centristas, repetindo uma fórmula que vigorou entre 1977 e 1978.
Os tories admitem, em privado, que foram apanhados de surpresa, mas preparam o contra-ataque para o próximo debate, estando a passar a pente fino o programa eleitoral dos lib-dem - que prevê cortes nos impostos para as famílias de menores rendimentos e a não- renovação da frota de submarinos nucleares. E enquanto vários dirigentes recordam que o partido apoia a adesão ao euro ou amnistias para os imigrantes ilegais, Cameron tem repetido à exaustão que um voto nos lib-dem é um voto "por mais cinco anos de Brown".
Para os trabalhistas, qualquer tiro na direcção da frota conservadora merecerá o seu aplauso discreto, desde que "a onda liberal-democrata não se transforme num tsunami" capaz de arrasar os bastiões trabalhistas, lembrou o "Guardian". O primeiro-ministro demonstrou-o quinta-feira, repetindo, por sete vezes, aquela que é já a mais célebre frase da campanha: "Concordo com o Nick".
Clegg continua a esconder o jogo sobre o que fará depois de 6 de Maio. Durante meses disse apenas que "o partido que obtiver o maior mandato é aquele que tem o direito de governar". Os analistas consideram improvável uma coligação com os tories (indisponíveis para as reformas políticas da sua agenda), mas admitem um entendimento informal. Os apoiantes preferem uma coligação com o Labour, um acordo que, segundo alguns responsáveis, só será possível mediante o afastamento de Brown, um primeiro-ministro que Clegg já declarou "fazer parte do passado".
PUBLICO.PT-Por Ana Fonseca Pereira
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