LISBOA-A CPLP está em movimento e a ganhar peso a nível internacional, defende o seu secretário executivo, Domingos Simões Pereira, que destaca, por outro lado, alguns passos na consolidação interna nesta comunidade de oito Estados.
Principia amanhã em Lisboa a Assembleia Parlamentar da CPLP – Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Que matérias vão ser abordadas?
A Assembleia Parlamentar da CPLP é um órgão novo, criado em Abril de 2009 e esta é primeira reunião de trabalho. Espera-se que os participantes façam um ponto da situação no domínio da legislação e que reflictam sobre o papel que podem desempenhar numa organização multilateral. Espera-se que abordem a questão de circulação de pessoas e de cidadania. Está na mesa a aprovação do estatuto de cidadão da CPLP e a abertura das fronteiras no espaço da comunidade...
O que implicaria a harmonização de legislações...
Pelo menos que cada um dos países fizesse as adaptações necessárias nas suas leis de forma a não comprometer a promulgação do estatuto de cidadão da CPLP.
Ainda nesta semana decorre em Lisboa a reunião dos pontos focais. Que projectos de cooperação mais relevantes estão a ser desenvolvidos? Este mecanismo de cooperação não entra em choque com os projectos bilaterais de cooperação?
A reunião discute a aprovação de projectos e todos os mecanismos de cooperação que os oito Estado entendem levar em conjunto. Quanto à segunda questão, um projecto é considerado válido para o conjunto dos Estados membros se merecer o consenso dos oito. Fizemos uma revisão do aproveitamento dessas oportunidades e concluímos que falta alguma articulação entre os Estados membros e também aproveitamento de sinergias. Por exemplo, as lições aprendidas num país nem sempre são utilizadas noutro; por outro lado, o Secretariado deveria apoiar mais e assistir o processo de identificação até à implementação dos projectos. Mas não há riscos de colisão com projectos bilaterais; em nenhum momento a CPLP se posiciona para concorrer a programas de carácter bilateral.
Quais são neste momento os principais pontos focais?
Aquilo que representar o interesse dos oito passa a entrar na agenda CPLP. Encontra-se na lista de projectos uma variedade muito grande, desde a área ambiental à nossa ligação ao PAM, programas na área da saúde, nomeadamente o plano estratégico de cooperação para a saúde.
Que se concretiza de que forma?
Cada um dos Estados tem sempre uma mais valia. Por exemplo, no caso do dengue, por razões infelizes, Cabo Verde acumula toda uma memória relacionada com esta doença, mas que é um contributo a nível mundial e, em especial, entre os Estados da CPLP, ao nível da prevenção, tratamento e identificação. Quem acompanhou a situação em Cabo Verde, apercebeu-se que o principal problema foi chegar ao diagnóstico correcto, e isto hoje está adquirido devido ao trabalho feito em Cabo Verde. E é um património adquirido para todos.
No capítulo da saúde, a CPLP realiza a partir de 16 de Março em Lisboa o 3.º Congresso sobre sida. Esta é uma prioridade da organização?
Tem havido desde 2000 atenção ao tema e a partir de 2009 passámos a ter um plano estratégico, sendo objectivo do congresso estabelecer um programa de intervenção...
Com medidas práticas?
Sem dúvida. Por exemplo, o Brasil decidiu apoiar a criação de um laboratório para o fabrico de antiretrovirais em Moçambique. O mesmo esforço está a ser feito em Cabo Verde pelo Brasil como parte da CPLP, disponibilizando meios para um objectivo comum importante: cada mais-valia criada irradia para todos os membros.
Ainda em Março decorre em Lisboa a 1.ª Reunião dos Ministros dos Mar da CPLP. Espera-se a aprovação da estratégia dos Oceanos que está em discussão?
Essa reunião vai abordar o documento e espera-se a formulação de uma visão estratégica para a gestão dos nossos recursos marítimos. Isto não vai salvar a totalidade destes recursos, mas cada um dos Estados membros vai ter um conhecimento claro do que está em jogo.
Os oceanos não são apenas uma questão económica, são também um factor estratégico e diplomático. Essa é uma dimensão contemplada?
Todos os domínios estão em consideração. O domínio diplomático é importante e quando dispomos de um organismo multilateral como a CPLP, devemos fazer uso desta para entendermos as questões e pesarmos mais nos conflitos que possam surgir. Por outro lado, pretende-se que haja uma visão estratégica concertada entre os oito deste património que são os oceanos.
Essa visão estratégica tem de passar também pela afirmação do português nas organizações internacionais, na ONU por exemplo, e no reforço do ensino do português nos Estados membros?
A utilização do português na ONU é uma exigência e não posso deixar de referir o particular esforço feito pelos Chefes de Estado, tendo o Presidente Cavaco Silva à cabeça, quando em 2008, à margem da 63.ª Assembleia Geral promoveu um encontro para debater o tema. Assisti ao encontro e posso dizer que os Presidentes questionaram de forma directa os embaixadores da ONU sobre as estratégias a seguir e entraram em detalhes específicos para saber como colocar o português como língua oficial da ONU. Na 63.ª Assembleia Geral, como na 64.ª, todos os Presidentes falaram em português.
Mas esse objectivo continua distante?
Não podemos olhar apenas às Assembleias Gerais da ONU. A utilização do português já se verifica em organizações regionais como a União Africana, mas não basta isso. O problema é que chegamos às reuniões e, por vezes, não há tradutores.
Como ultrapassar esse problema?
A solução passa pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), que está em fase de reestruturação e uma das vertentes a privilegiar é a formação de tradutores.
Que papel pode ter o IILP na afirmação do idioma comum no mundo?
Achei muito interessante uma constatação feita por um especialista inglês em que este afirmava que a maioria das línguas quer concorrer com o inglês, quando isso já não faz sentido. O inglês é algo básico. Assim, devemos pensar, em termos da CPLP, que aquele que recruta no mercado de trabalho procura para além do inglês. O português tem uma oportunidade muito grande; além do número de pessoas que o falam, é a sua localização geográfica em todos os continentes. E há coisas extraordinárias, por exemplo, no Senegal, há permanentemente 15 mil pessoas a aprenderem o português...
Por motivos económicos....
Ainda bem que é assim. Isto significa que temos algo que desperta a atenção dos mercados. O português está a tornar-se uma mais-valia económica. E podemos falar disso com mais propriedade: em 2009, o Instituto Camões promoveu um estudo sobre o valor económico da língua e concluiu que 17% do Produto Interno Bruto de Portugal está relacionado com ganhos da língua. São transacções económicas dependentes da língua. Por isso, é importante que os decisores e a sociedade civil entendam que a língua não é só uma questão de nostalgia, de afecto, é mais do que isso, são ganhos económicos efectivos. E ainda há muito que não sabemos aproveitar, por exemplo, os Estados da CPLP continuam em muitos casos a praticar a dupla tributação, continuamos a ter problemas com a exportação de capitais, não temos liberdade de circulação generalizada de pessoas que procuram trabalho. Por exemplo, pode existir aqui mão-de-obra em excesso enquanto essa mesma especialidade falta num outro Estado e não temos uma solução para isso no âmbito da CPLP.
O Brasil é actualmente membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas; Portugal prepara uma candidatura. Seria importante a CPLP ter sempre um membro presente neste órgão da ONU?
Seria excelente. Uma das coisas que a CPLP tem conseguido nos últimos é a concertação política de esforços, seja a nível da ONU seja a nível das organizações regionais, seja ao nível de candidaturas a cargos de entidades internacionais, é importante compreendermos que valemos mais quando falamos a uma só voz. Oito votos é um peso importante em reuniões internacionais e não é por acaso que a Austrália, Marrocos, a Ucrânia e a Indonésia, por exemplo, procuram a aproximação à CPLP. O princípio de que uma oportunidade para um é uma oportunidade para todos, é algo a preservar. Por exemplo, Angola e Brasil foram convidados a estarem presentes na recente reunião do G20 e pouco depois vimos a Guiné-Bissau a presidir a uma Assembleia Geral da ONU. Quem é que nos diz que uma coisa não teve a ver com a outra?
DN-Entrevista conduzida por Abel Coelho de Morais
PUBLICADO NO DN-DIA 07 DE MARÇO
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