PRAIA-2010 vai ser ocupado pelas comemorações dos quinhentos e cinquenta anos do achamento de Cabo Verde, dos trinta e cinco anos da independência do país e pela campanha eleitoral para as eleições legislativas de Janeiro de 2011. Vamos ler e ouvir algumas palavras: crise internacional, competitividade, futuro, credibilidade.
Em primeiro lugar, direi que é positivo reavivar a memória colectiva colocando, ao mesmo tempo algumas questões concretas, isto é, diagnosticando os problemas efectivos que a economia e a sociedade enfrentam. Importa, igualmente colocar a estrutura cabo-verdiana de exportações de mercadorias e de serviços em perspectiva, comparando-a com o observado a nível, por exemplo, de Singapura, que comemora no mês de Agosto quarenta e cinco anos de independência, através de indicadores de vantagem comparativa revelada (índice de Balassa).
Por outro lado, a sobreposição temporal destas efemérides com o décimo ano do governo José Maria Neves, recomendam uma atitude analítica e prospectiva, ajudando a ler o presente e a consciencializar da necessidade de uma política económica lúcida, a fim de reduzir os gigantescos défices orçamental e externo e o endividamento excessivo do País. Estamos perante grandes dificuldades à nossa frente.
Os últimos números do Banco de Cabo Verde (BCV) sobre a balança de pagamentos conduzem-nos a uma reflexão interessante à volta de uma identidade fundamental da teoria económica: (S - I) - (X - M) - (G - T) ≡ 0 .
Nesta relação, (X - M), corresponde ao saldo da balança de pagamentos, isto é, à diferença entre os recebimentos correntes do exterior e os pagamentos correntes ao exterior; (G - T) corresponde ao défice orçamental; (S - I) é a diferença entre as poupanças interna mais externa e o investimento.
Note-se que esta relação é uma identidade ou relação contabilística. Com efeito, a igualdade entre a soma da poupança externa (défice da balança de pagamentos) e da poupança interna e a soma do investimento e do défice orçamental verifica-se sempre e não apenas em circunstâncias particulares.
Em 2009, as necessidades líquidas de financiamento externo da economia cabo-verdiana em percentagem do produto interno bruto (PIB) diminuíram. As necessidades de financiamento externo da economia cabo-verdiana, que correspondem grosso modo ao défice conjunto das contas corrente e de capital da balança de pagamentos, situaram-se em 13669.5 milhões de CVE em 2008 e em 9030.5 em 2009, o que representa 7 por cento do PIB. Por seu lado, o défice da conta corrente diminuiu de 9.7 por cento do PIB em 2008 para 8.3 por cento do PIB em 2009, não obstante a evolução desfavorável de todas as rubricas da conta corrente, exceptuando as importações de mercadorias.
A queda em 4639 milhões de CVE no défice conjunto das contas corrente e de capital entre 2008 e 2009 tornou-se possível (a) por uma diminuição de 9% das importações de mercadorias (b) por um aumento de 7% das transferências de capital (MCA, ...). É uma melhoria frágil e não é devido, como recomendam os manuais, ao crescimento das exportações. Pelo contrário estas diminuíram em 2009.
Adicionalmente, estes dados provisórios da balança de pagamentos revelam um aumento de atrasados respeitante aos juros da dívida externa pública e um valor muito elevado (com sinal +) da rubrica erros e omissões para o ano de 2009.
Uma parte do défice conjunto da conta corrente e de capital foi coberto pelo investimento directo estrangeiro mas outra parte por empréstimos. Com a dramática redução do investimento directo estrangeiro (40 por cento entre 2008 e 2009!), grande parte do défice foi coberto por empréstimos, daí a forte subida da dívida pública externa líquida.
A dívida pública externa líquida (a assumida mais a disfarçada) ultrapassou em 2009 os 50% do PIB. Os perigos de um forte aumento no corrente ano são muito fortes e, adicionada com a dívida interna, a dívida pública total do País poderá aproximar dos 90% do PIB. É um valor muito preocupante.
Tendo presente a identidade macroeconómica fundamental atrás descrita e, assumindo que o investimento privado é exactamente igual à poupança privada, o défice orçamental acaba por se reflectir, em larga medida, no défice conjunto das contas corrente e de capital. São os chamados "gémeos quase idênticos". Assim, grande parte do aumento significativo da dívida pública externa é devido ao forte crescimento do défice orçamental. O défice orçamental passou de -1.6% do PIB em 2008 para -9.2% em 2009 e, o Orçamento do Estado para 2010 prevê um défice público de 12,2% do PIB. Quatro vezes superior ao valor de referência, previsto no Acordo de Cooperação Cambial (ACC) com a União Europeia.
O défice conjunto das contas corrente e de capital da balança de pagamentos reflecte também a muito fraca competitividade da economia cabo-verdiana e a incapacidade do Governo de criar, em nove anos de governação, as condições para o dinamismo das exportações de serviços como previsto no seu Programa de governo.EXPRESSO DAS ILHAS-POR PAULO MONTEIRO JR
Em Cabo Verde, como se pode ver na balança de pagamentos, dois sectores sobressaem nas exportações de serviços: os transportes aéreos e o turismo. No entanto, registou-se uma evolução muito decepcionante, observada nas exportações destes dois sectores neste período 2001-2009. Entrámos no ano dez do Governo José Maria Neves sem resolver os grandes problemas por que passam estes dois sectores. Pelo contrário, o sector do turismo, que está ainda no começo, é objecto de conflitos permanentes entre o Governo e as Câmaras Municipais sobre as Zonas de Desenvolvimento Turístico Integral (ZDTI). Há o perigo do alastramento dos conflitos para outros domínios, durante este ano eleitoral. Quanto aos transportes, a empresa pública TACV, continua numa situação de crise de tesouraria e de "quase" falência técnica. Durante nove anos o Governo foi incapaz de encontrar uma solução. Relativamente às restantes categorias, nomeadamente, os serviços financeiros, o seu peso nas exportações de serviços é quase inexistente. As exportações dos sectores da logística, do hub (gateway to Africa) e das TIC não passaram do papel. Todos estes sectores de serviços apresentam ainda índices de especialização muito inferior a 1 (quase nulo!).
As palavras não bastam e não fazem milagres. Daí ser simbólico na recente remodelação governamental a alteração do nome do Ministério da Economia Crescimento e Competitividade (MECC): é o reconhecimento público da perda das batalhas importantes da competitividade e do crescimento económico a dois dígitos.
Do mesmo modo a palavra futuro: o défice orçamental abissal de 12% do PIB e o aumento dramático da dívida pública (muito acima do valor de referência de 60% do PIB) significam hipotecar o futuro de todos nós em particular das gerações vindouras. É a consolidação orçamental que é a preparação do futuro. Outra grande batalha perdida pelo Governo José Maria Neves.
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