Ao fim de pouco mais de um ano na Casa Branca, o Presidente Barack Obama pode reclamar um extraordinário feito político que escapou aos seus antecessores nos últimos cem anos: a assinatura da mais profunda reforma do funcionamento do sistema de saúde norte-americano, que aproxima os Estados Unidos da cobertura universal em termos de cuidados médicos.
Pondo fim a um conturbado processo iniciado quase imediatamente após a tomada de posse de Obama, a maioria democrata da Câmara de Representantes votou ontem à noite para concretizar aquela que foi uma das promessas centrais da sua candidatura e a sua principal prioridade de política doméstica. Em bloco, a oposição republicana votou contra.
“Esta noite, depois de todos terem dito que não era possível, provámos que somos capazes de fazer grandes coisas e responder a grandes desafios. Respondemos à chamada da história e demonstrámos que o nosso governo funciona a favor de todos os americanos”, declarou Barack Obama, numa declaração na Casa Branca no final do processo, já quase à meia-noite.
Com 219 votos, os congressistas democratas aprovaram a proposta de reforma redigida e votada pelos seus contrapartes do Senado no final de 2009, e acrescentaram-lhe uma série de emendas, de forma a harmonizar a legislação produzida em ambas as câmaras do Congresso com os requerimentos da Casa Branca.
O resultado implica uma profunda reformulação do sistema de saúde, que hoje representa um sexto da economia americana, com um valor anual de 2,5 milhões de milhões de euros, ou seja, cerca de 16 por cento do Produto Interno Bruto.
“Não teríamos chegado aqui sem a extraordinária visão e liderança do Presidente Barack Obama. Temos de lhe agradecer o seu constante apoio e compromisso pessoal para a aprovação da reforma”, declarou a “speaker” do Congresso, Nancy Pelosi, cuja acção foi instrumental para garantir os votos necessários entre a diversa e indisciplinada maioria democrata.
“Este voto é histórico. Estamos a juntarnos à galeria da leis mais importantes para o progresso social dos Estados Unidos, a criação da Segurança Social [em 1935, por Franklin Roosevelt] e do Medicare [em 1965, por Lyndon Johnson]”, enumerou.
“Sei que este não foi um voto fácil para muita gente, mas foi o voto correcto”, retribuiu Barack Obama, que empenhou todo o seu capital político no processo – e passou o domingo a telefonar aos congressistas mais recalcitrantes para se certificar que a vitória não lhe escaparia.
Desde o republicano Theodore Roosevelt, que tomou posse em 1901, vários Presidentes norte-americanos colocaram a reforma do sistema de saúde como uma das suas prioridades: Harry Truman, Dwight Eisenhower, John F. Kennedy, Gerald Ford, George H. Bush e mais recentemente tanto Bill Clinton como George W. Bush. Mas nenhum deles conseguiu levar a sua avante.
A lei que Barack Obama vai assinar não alcança ainda a cobertura universal da população, mas alarga o sistema de forma a conter 95 por cento da população. Mais de 32 milhões de americanos que actualmente não dispõem de acesso a consultas, exames e tratamentos serão integrados na rede, que se manterá essencialmente na mão de fornecedores privados.
A partir de 2014, o governo obrigará todos os adultos a ter um seguro de saúde, ou através das apólices de grupo oferecidas pelos empregadores (e que hoje são a forma privilegiada de acesso ao sistema para cerca de 85 por cento da população) ou um mercado individual.
As famílias que tenham rendimentos superiores ao limiar da pobreza, mas que mesmo assim não disponham de recursos para suportar os custos dos seguros, terão acesso a subsídios governamentais. E as pequenas e médias empresas que cobrirem os seus funcionários serão recompensadas com créditos fiscais.
A nova legislação estabelece ainda novas regras para a actividade das companhias de seguro – e os efeitos dessas provisões serão tangíveis mesmo antes da entrada em vigor da reforma, daqui a quatro anos. Por exemplo, as seguradoras não poderão mais unilateralmente cessar as apólices como forma de evitar pagamentos nem impor um tecto máximo para reembolsos de despesas. Também deixarão de poder recusar clientes com base no seu histórico de saúde, garantindo que pessoas que já sofreram acidentes, foram submetidas a cirurgias ou que se debatem com doenças crónicas sejam incluídas nas apólices.
A factura a pagar pelo governo federal ascende aos 940 mil milhões de dólares nos próximos dez anos, de acordo com a avaliação do independente Gabinete de Orçamento do Congresso. A reforma é sustentada financeiramente através de um misto de poupanças com cortes e reajustes em programas federais e da recolha de novas receitas fiscais. Simultaneamente, contribuirá para a diminuição do défice federal em 143 mil milhões de dólares até 2020.
A minoria republicana lamentou a passagem da lei como “um erro de proporções históricas”, criticando a expansão das responsabilidades do governo na regulação dos prestadores de cuidados de saúde como uma redução dos direitos e da liberdade de escolha dos doentes.
Os conservadores alegam que a maioria do Congresso actuou contra a vontade da grande maioria da população americana, que segundo argumentam está absolutamente contra esta lei. As sondagens apontam para a divisão do eleitorado – 48 por cento opõem-se à lei, 45 por cento estão a favor e sete por cento não têm opinião, segundo os números da Gallup.
A sua expectativa é que a oposição à reforma (e de maneira geral, às iniciativas do Presidente Barack Obama) os coloque numa posição de vantagem para a vitória nas eleições intercalares do Congresso de Novembro.
Terão uma nova oportunidade para obstruir as medidas dos democratas na terça-feira, quando o pacote de emendas aprovadas na Câmara de Representantes voltar ao Senado, para ser votado, não em plenário mas antes seguindo o processo de reconciliação, que exige apenas uma maioria simples de 51 votos.
Numa declaração divulgada imediatamente após a votação de domingo, o líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid, garantiu que a sua bancada está preparada para “completar o trabalho e concluir este esforço histórico”.
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