BRUXELAS-O primeiro-ministro belga, Yves Leterme(foto), renunciou nesta quinta-feira, depois que um dos partidos de sua coalizão decidiu não mais apoiar o governo.
”Não havia outra solução”, disse o ministro de Finanças Didier Reynders à imprensa assim que o partido flamengo Open VLD deixou a coalizão, que era formada por cinco partidos.
O Open VLD está frustrado pela incapacidade de resolver uma antiga disputa sobre a divisão de 54 municípios na região bilingue de Bruxelas-Halle-Vilvoorde (BHV).
O problema se transformou em um amargo e complexo conflito entre políticos de língua francesa e holandesa, que mesmo muitos belgas têm dificuldade em compreender.
”É a crise mais absurda. É uma batalha estúpida de ego e poder e nós, belgas, não fazemos ideia do por quê”, diz Etienne Decie, um advogado que vive em Bruxelas.
Suzanne, uma professora, acredita que a crise é uma “velha história entre flamengos e valões”, mas que “não vem de nós, o povo, mas dos políticos. Temos que encontrar uma solução, de uma vez por todas, para vivermos juntos.”
Apartheid belga
O centro da disputa é a área conhecida como Bruxelas-Halle-Vilvoorde (BHV), que tem sido uma ferida aberta desde que a Bélgica foi dividida - um tanto desordenadamente - por uma fronteira de línguas, em 1963. O tema já desencadeou meia dúzia de crises nos últimos três anos, com políticos se confrontando a respeito de reformas para dividir a área em distritos eleitorais distintos, flamengos e valões.
Isso fez com que certos políticos locais promovessem um apartheid de fato em alguns municípios. No mais recente capítulo desta disputa, alguns falantes de francês foram proibidos de comprar propriedades em cidades flamengas.
”Lutarei até o fim”, promete Alexia Philippart de Foy, que teve sua oferta para comprar uma casa em Rhodes-Saint-Genèse recusada pelas autoridades flamengas. “Não pode ser que uma pessoa que é 100% belga seja proibida de comprar uma casa em seu próprio país.”
O conflito chegou até o pitoresco e tranquilo vilarejo de Gooik, logo ao sul da capital bilingue Bruxelas. Residentes flamengos do vilarejo falam em uma “invasão” de falantes de francês que tem que ser freada. “Queremos preservar o carácter flamengo deste lindo vilarejo”, diz o prefeito de Gooik, Michel Doomst.
O jovial Doomst conta com o apoio dos 11 mil residentes de Gooik, muitos dos quais se ressentem da afluência de falantes de francês. Um idoso que leva seu cachorro para passear explica: “Os flamengos aqui se sentem ‘espremidos’. As pessoas vêm de Bruxelas para viver aqui e nem sempre querem se adaptar e aprender holandês.”
Do lado de fora de um café, uma mulher esbraceja: “Por que os falantes de francês não nos deixam em paz? Esta é uma área flamenga que deveria continuar falando holandês.”
Impedimentos
O prefeito Michel Doomst agora está tratando pessoalmente do caso e impôs seu próprio mecanismo informal para impedir falantes de francês de se mudar para Gooik. “Temos um sistema que oferece incentivos a fim de dar prioridade a pessoas que têm uma ligação clara com esta comunidade. E sim, isto significa pessoas de origem flamenga.” Mesmo residentes que colocam suas casas à venda são ‘encorajados’ a vender para flamengos, ele diz, sem especificar exactamente como.
Mais adiante, na flamenga Rhodes-Saint-Genèse, as barreiras são mais formais. As autoridades impuseram um decreto chamado ‘Morar em sua própria região’, que estabelece condições claras para quem pretende comprar propriedades. Alexia Philippart de Foy explica: “O decreto diz que você não pode comprar uma casa, a não ser que tenha vivido ou trabalhado naquele município por seis anos ou tenha uma clara ligação com ele. Eu trabalho por todo o país, mas moro aqui há apenas dois anos com meu companheiro, que também trabalha aqui. Nossa filha frequenta a escola aqui. Mas isso não é suficiente para eles.”
”Absurdistão”
Os belgas já estão cansados desta constante tensão que quase provocou uma separação definitiva entre os seis milhões de flamengos e quatro milhões de valões há três anos. Eles se referem a seu país como “Absurdistão” e se perguntam se esta questão algum dia será resolvida.
Ecoando um sentimento comum, um falante de francês levanta os ombros e diz: “A maioria de nós ainda se dá muito bem num nível pessoal. Mas é muito triste que isso tenha chegado tão longe. Quais são as chances de criar uma Europa unida se não conseguimos isso nem mesmo na Bélgica?”
RNW-Por Vanessa Mock
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