Dívida pública cabo-verdiana
PRAIA-A dívida pública tem uma má reputação. No presente contexto em que ela atinge um nível preocupante para uma economia com as características da cabo-verdiana, haveria vantagem em discutir não só sobre as causas da espiral ascendente da dívida externa cabo-verdiana mas também sobre a sustentabilidade da dívida pública do país.
Ainda que central, a discussão sobre a taxa de juro e o período de carência dos empréstimos não deveria abstrair-se da amortização do capital e do perfil temporal (maturidade) do stock da dívida pública. No que se refere à maturidade da dívida do nosso país, uma grande parte deste stock virá a pagamento na segunda década deste século. O Estado deverá adquirir até Agosto de 2018 não só os TCMF's (Títulos Consolidados de Mobilização Financeira) mas também pagar créditos externos multilaterais (Grupo Banco Mundial) e bilaterais (Agências de crédito à exportação, organismos privados). Nestes dois últimos anos o país situa-se numa trajectória crescente de endividamento externo de médio prazo.
O Programa do Governo para a VII legislatura na página 19 reza o seguinte: " Com eficácia, aprofundaremos a reforma em curso, prosseguiremos com a política de rigor na gestão das finanças públicas, mantendo o défice orçamental global e a dívida pública em níveis sustentáveis ao longo do ciclo económico.
A persistência nesta legislatura com a política de consolidação orçamental contribuirá também para o reforço da credibilidade e da confiança alcançadas no quinquénio transacto".
Ora, as despesas públicas cresceram de forma inconsiderada nesta VII legislatura. Com efeito, as despesas públicas atingiam 36,4 % da riqueza produzida (PIB) em 2005; elas atingem 40,8 % em 2010. Em cinco anos, aumentaram em cerca de 12 por cento. Nesta década, o peso do Estado na economia aumentou muito. O facto inquietante é que o aumento das despesas públicas, particularmente no biénio 2009-2010, traduziu-se num crescimento económico anémico e em défices público e da balança de pagamentos gigantescos.
A explosão ou o aumento inconsiderado da despesa pública total é o elemento determinante do aumento do endividamento público (cerca de 10%) neste segundo quinquénio de governação.
O governo tem estado a avalizar ou a garantir dívidas de empresas públicas ou de capitais públicos. O governo conhece perfeitamente a incapacidade de algumas delas (por exemplo, TACV, ELECTRA) liquidarem a dívida, e sabe também que não podem sequer garantir o pagamento de juros nem muito menos das amortizações. Sabendo que não há expectativas de lucro nem das suas privatizações produzirem receitas importantes para liquidar os montantes elevados em dívida, tornar-se-ia necessário em termos de transparência de contas (boa governação oblige!), que fossem feitos os devidos write off (abatimentos) e esses montantes fossem assumidos claramente como dívida pública. Ademais, a previsão do crescimento do produto interno bruto (PIB) em 2009 e 2010 apresentada pelo governo (6.5 % e 5 %, respectivamente) foi claramente exagerada. Como o leitor sabe, subindo o denominador o rácio baixa. Assim, a dívida pública cabo-verdiana, a assumida mais a disfarçada (avales e garantias de empresas públicas), deve estar, no final do corrente ano, acima dos 90 por cento do PIB, verificando-se um processo de clara divergência nominal em relação aos critérios de Maastrich. Habilidades como dizer que a taxa de juro é baixa (créditos concessionais) ou o período de carência é elevado para negar a gravidade da situação valem tanto como negar a evidência do fardo da dívida pública para os contribuintes e para as gerações futuras. Malabarismos como dizer que se tem credibilidade porque o Governo tem conseguido créditos externos significa consumir claramente mais do que a produção do país permite e a instalar-se a viver a crédito.
Com o tempo a credibilidade do Estado cai e, como S&P já advertiu, o rating da República está numa perspectiva negativa. Ou seja, simplesmente menos crédito e mais caro.
Parece óbvio que o programa do governo falhou na realização dos seus objectivos na frente crucial das finanças públicas. Vamos assim chegar no final de 2010 com um défice público gigantesco e um endividamento excessivo. Do total da dívida pública, cerca de 75% corresponde a dívida externa, o que implica, partindo do princípio que a população cabo-verdiana ronda os 500 mil, que cada cabo-verdiano residente "deverá" , no final do corrente ano, cerca de 170 contos ao estrangeiro. Em 2008, a dívida oficial de Cabo Verde para com Portugal era de 153 milhões de USD. Com o seu forte aumento no biénio 2009-2010, cada cabo-verdiano residente "deve" a Portugal, no final do corrente ano, um valor relativamente elevado!
É imperativo para o País um novo governo com uma abordagem fresca e capaz de empreender reformas estruturais para uma saída de crise e para o desenvolvimento económico sustentável.
Paulo Santos Monteiro Jr.
Expresso das Ilhas
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