Os taliban estão a vencer, por que haveriam de querer negociar?
Christina Lamb começou a trabalhar em Peshawar com apenas 21 anos e muito idealismo. Hoje é uma repórter consagrada com mais de duas décadas de experiência no Paquistão e no Afeganistão e uma enorme capacidade, por sempre ter tido a preocupação de falar com as pessoas comuns, de analisar os erros cometidos pelo Ocidente. O retrato que nos deixou é tudo menos optimista.
Há apenas seis meses, de uma das últimas vezes que esteve no Afeganistão, Christina Lamb procurou em Herat um grupo de mulheres com quem se encontrara pouco depois da derrota dos taliban. "Naquela cidade, desde sempre considerada a capital cultural do Afeganistão, famosa pelos seus escritores e poetas, encontrei-me então com um grupo de mulheres de uma imensa coragem", conta-nos esta jornalista inglesa do jornal The Sunday Times, várias vezes premiada pelo seu trabalho de reportagem. "Essas mulheres, mesmo durante o período dos taliban, tinham continuado a reunir-se, a ler poesia, a discutir Shakespeare, Dostoievski, até Virginia Woolf. Encontravam-se sob o pretexto de irem costurar, mas, debaixo das burqas, o que levavam era livros".Os olhos verde quase transparentes de Christina turvam-se por um momento quando recorda a sua última viagem a Herat. "Foi tão triste", desabafa. E compreende-se porquê. De todas as mulheres que encontrara há menos de oito anos, só uma continuava a escrever. Todas as restantes tinham desaparecido ou desistido: uma tinha sido morta pelo marido porque este não queria que escrevesse poemas; outra morrera na sequência de um acidente, apesar de não ter ficado muito ferida, apenas porque estava com outro homem e a família teve vergonha de a levar ao hospital; uma terceira preferira trocar o Afeganistão pelo Irão. Em Fevereiro, quando esteve em Herat, Christina já não era a jovem repórter que, aos 21 anos, viajara para Peshawar para cobrir a guerra entre os mujahedin e as tropas soviéticas que ocupavam o Afeganistão. Já não era a "ingénua e idealista" - como se descreve a si mesma - que procurava no jornalismo um pouco de aventura. Em Fevereiro, Christina Lamb já tinha o estatuto de especialista que leva a que participe, com frequência, em palestras para militares, decisores políticos e académicos. Mas o episódio de Herat reforçou a sua convicção de que o Ocidente está a perder o Afeganistão e não parece capaz de corrigir os muitos erros cometidos desde a intervenção para derrubar os taliban no final de 2001.Debandada e vazio"Bem sei que se passaram muitos anos, mas continuo a sentir que, para o Ocidente, para o Reino Unido, para os Estados Unidos, o Afeganistão continua a não ser visto como um país a reconstruir. Foi essa percepção que tive logo em 1989, quando as tropas russas deixaram o país, é essa percepção que mantenho ainda hoje", explica-nos.Em 1989, o choque da então jovem repórter foi o de verificar que, mal os russos saíram do Afeganistão, "todos se foram embora de Peshawar", a cidade paquistanesa mais próxima da fronteira afegã. "De um dia para o outro, desapareceram as centenas de diplomatas, de militares, de agentes humanitários, de jornalistas, até espiões, que só ali estavam porque se preocupavam com os russos, não com os afegãos." O resultado dessa debandada foi que ninguém ocupou o vazio deixado pela saída dos afegãos, deixando campo aberto aos diferentes "senhores da guerra", que depressa mergulhariam o país no caos e na guerra civil. Sem esse caos e essa violência, nunca os taliban teriam conseguido tomar conta do Afeganistão e serem bem recebidos por todos os que, simplesmente, estavam exaustos após tantos anos de caos.Para Christina Lamb, 2001 foi o momento da grande oportunidade perdida. Uma oportunidade que dificilmente se repetirá, pois os soldados que nessa altura foram vistos como libertadores começam hoje a ser olhados como instrumentos de potências ocupantes. "Em 2001, criaram-se muitas expectativas sobre um futuro melhor e essas expectativas não se materializaram. Pelo menos não se materializaram para a maioria dos afegãos", explica-nos. "Os afegãos acreditaram que se estavam a libertar dos taliban e também dos 'senhores da guerra', e até estes, quando viram chegar os B-52 e as tropas ocidentais, pensaram que os seus dias tinham acabado. Mas não foi isso que aconteceu. Permitiu-se que mantivessem as suas bases de poder, que continuassem a bloquear estradas e a extorquir dinheiro às pessoas. Foi um erro tremendo não se ter dado prioridade à reconstrução do país, antes ter dado toda a atenção às operações para encontrar as bases da Al-Qaeda e Bin Laden. Foi então que se recorreu aos 'senhores da guerra' como guias ou como apoios. Ou seja, voltou a dar-se poder aos que tinham criado o caos que abrira caminho aos taliban e lhes permitira serem vistos quase como libertadores e pacificadores."E não é por ter encontrado em Herat situações como a das mulheres-escritoras que Christina está pessimista: está pessimista porque se cansou de ir a conferências onde se mostravam gráficos sobre a utilização de telemóveis como se isso mostrasse que o país está a evoluir no bom sentido; está pessimista porque sabe que é cada vez mais difícil sair de Cabul e são cada vez menos os locais seguros onde se pode deslocar; está pessimista porque fala com as pessoas, com os afegãos. "Quando vou às aldeias do Sul, dizem-me que não sabem o que fazer", conta-nos. "Por um lado, não querem os taliban de volta, mas, por outro, não vêem nada que o Governo esteja a fazer para os proteger e melhorar o seu nível de vida. Quando muito, há por lá uns polícias, mas muitos são corruptos. É por isso que muitas aldeias estão presas entre duas más opções, e cedem aos taliban porque têm medo das suas ameaças e o Governo está muito longe."É este conhecimento do terreno que distingue esta repórter do Sunday Times de muitos dos "especialistas" enviados pelas potências ocidentais ou pelas agências humanitárias. É perceber, por exemplo, que nas aldeias do Sul e do Leste do país os taliban estão a recrutar combatentes: "Em todas as aldeias, há imensos jovens desempregados que não têm nada que fazer. Quando os taliban chegam, basta-lhes darem-lhes uma arma ou pagarem-lhes alguma coisa." Apesar do antigo ódio dos "estudantes de teologia" a tudo o que era tecnologia, os taliban utilizam hoje também as mais modernas tecnologias para difundirem a sua propaganda, "uma propaganda muito mais eficaz do que a da NATO": "A sua mensagem é simples e atraente: nunca fomos colonizados, nunca fomos conquistados, e estes soldados estrangeiros que cá estão querem de novo dominar-nos. Entram nas casas das nossas mulheres e bombardeiam os nossos casamentos. Se os taliban dissessem estas coisas em 2001, ninguém os teria escutado, mas a verdade é que os soldados se portaram muitas vezes de forma desastrada e foram perdendo o apoio inicial com que foram recebidos". Pior: ao contrário do que sucedeu em 2007 e 2008, no Iraque, quando o general Patraeus conseguiu estabelecer alianças com os líderes tribais para combater os extremistas, no Afeganistão "os líderes locais não se queixam hoje dos taliban, queixam-se é de quem os desiludiu".Mais: Christina, que ainda no tempo da guerra contra os soviéticos andou pelas montanhas do Afeganistão com Hamid Karzai, esteve em sua casa e conhece a sua família, não gosta de culpá-lo pelo que correu mal, mas reconhece que lhe faltam algumas das qualidades indispensáveis em tempos de crise. E explica porquê: "Karzai vem da região de Kandahar, onde, quando surge um problema, a tradição é chamar os chefes tribais, que podem ficar reunidos durante semanas, até encontrar um consenso. Essa tradição não favorece a emergência de líderes fortes, capazes de tomarem decisões difíceis rapidamente, o tipo de líder que o país necessitava depois da derrota dos taliban".E Abdullah Abdullah, o homem que parece estar a contrariar a hegemonia de Karzai nas eleições presidenciais? "Abdullah Abdullah tem muito apoio em Cabul, nomeadamente entre os estudantes, e é natural que não aceite os resultados eleitorais, sobretudo se não passar à segunda volta. Há mais de um mês que recebo mails da sua equipa a dizer que se está a preparar uma fraude, o que significa que está a preparar a opinião pública e que pode sonhar com repetir em Cabul o tipo de protestos a que assistimos em Teerão. Ora, em 2006, já houve tumultos em Cabul que colocaram o Governo de Karzai à beira de cair...", lembra Christina.Então, que fazer? Reforçar o contingente militar? Negociar com os taliban? A repórter mostra-se muito céptica relativamente a qualquer um destes caminhos. Na verdade, "ir falar agora com os taliban significará para eles que estamos a admitir a derrota, ou pelo menos que estamos a admitir que não podemos vencê-los; mostrará a nossa fragilidade". Pior: Christina não vê como se possa seguir a retórica de negociar com os moderados, pois ou se negoceia com os líderes - o que inclui o mullah Omar - ou não há ninguém com quem negociar. "Gordon Brown gosta de referir que vai falar com os moderados, mas era bom que dissesse quem são eles, onde estão. Eu não os conheço".
Tempo para esperar
Depois resta saber se os taliban querem falar. "Sentem que estão a vencer e podem esperar o tempo suficiente até os países da NATO se cansarem." O que já está a acontecer: ao mesmo tempo que os chefes militares no terreno dizem que necessitam de 400 mil soldados para derrotar os taliban, a maioria dos países da NATO quer é sair, pois é cada vez mais difícil explicar às opiniões públicas por que se trava um combate tão longe, que custa tanto dinheiro e que causa tantas baixas. Christina pensa que "o Ocidente não se pode dar ao luxo de perder no Afeganistão", que sobretudo "a NATO não pode falhar, já que ninguém saberia o que lhe sucederia depois". Mas também reconhece que não se recorda de um só caso de um "país falhado" onde, até hoje, se tenha enfrentado e resolvido problemas como os que se vivem naquele imenso país. "Verdadeiramente, só vejo duas coisas positivas: a primeira é que a maioria dos afegãos quer realmente a paz e não deseja o regresso dos taliban; a segunda é que agora a comunidade internacional já reconhece que o Afeganistão está a transformar-se num grande problema, o que não reconhecia há um ano", conclui. O que, agora, que está de partida para Washington, onde vai chefiar a delegação nos Estados Unidos do The Sunday Times, faz com que parta na expectativa de poder voltar depressa à região onde se iniciou como jornalista há mais de duas décadas. E com a esperança de não sentir nem o mesmo choque que teve quando ainda era "ingénua e idealista" nem a mesma tristeza que a invadiu quando este ano regressou a Herat.
PÚBLICO-Por José Manuel Fernandes
Christina Lamb começou a trabalhar em Peshawar com apenas 21 anos e muito idealismo. Hoje é uma repórter consagrada com mais de duas décadas de experiência no Paquistão e no Afeganistão e uma enorme capacidade, por sempre ter tido a preocupação de falar com as pessoas comuns, de analisar os erros cometidos pelo Ocidente. O retrato que nos deixou é tudo menos optimista.
Há apenas seis meses, de uma das últimas vezes que esteve no Afeganistão, Christina Lamb procurou em Herat um grupo de mulheres com quem se encontrara pouco depois da derrota dos taliban. "Naquela cidade, desde sempre considerada a capital cultural do Afeganistão, famosa pelos seus escritores e poetas, encontrei-me então com um grupo de mulheres de uma imensa coragem", conta-nos esta jornalista inglesa do jornal The Sunday Times, várias vezes premiada pelo seu trabalho de reportagem. "Essas mulheres, mesmo durante o período dos taliban, tinham continuado a reunir-se, a ler poesia, a discutir Shakespeare, Dostoievski, até Virginia Woolf. Encontravam-se sob o pretexto de irem costurar, mas, debaixo das burqas, o que levavam era livros".Os olhos verde quase transparentes de Christina turvam-se por um momento quando recorda a sua última viagem a Herat. "Foi tão triste", desabafa. E compreende-se porquê. De todas as mulheres que encontrara há menos de oito anos, só uma continuava a escrever. Todas as restantes tinham desaparecido ou desistido: uma tinha sido morta pelo marido porque este não queria que escrevesse poemas; outra morrera na sequência de um acidente, apesar de não ter ficado muito ferida, apenas porque estava com outro homem e a família teve vergonha de a levar ao hospital; uma terceira preferira trocar o Afeganistão pelo Irão. Em Fevereiro, quando esteve em Herat, Christina já não era a jovem repórter que, aos 21 anos, viajara para Peshawar para cobrir a guerra entre os mujahedin e as tropas soviéticas que ocupavam o Afeganistão. Já não era a "ingénua e idealista" - como se descreve a si mesma - que procurava no jornalismo um pouco de aventura. Em Fevereiro, Christina Lamb já tinha o estatuto de especialista que leva a que participe, com frequência, em palestras para militares, decisores políticos e académicos. Mas o episódio de Herat reforçou a sua convicção de que o Ocidente está a perder o Afeganistão e não parece capaz de corrigir os muitos erros cometidos desde a intervenção para derrubar os taliban no final de 2001.Debandada e vazio"Bem sei que se passaram muitos anos, mas continuo a sentir que, para o Ocidente, para o Reino Unido, para os Estados Unidos, o Afeganistão continua a não ser visto como um país a reconstruir. Foi essa percepção que tive logo em 1989, quando as tropas russas deixaram o país, é essa percepção que mantenho ainda hoje", explica-nos.Em 1989, o choque da então jovem repórter foi o de verificar que, mal os russos saíram do Afeganistão, "todos se foram embora de Peshawar", a cidade paquistanesa mais próxima da fronteira afegã. "De um dia para o outro, desapareceram as centenas de diplomatas, de militares, de agentes humanitários, de jornalistas, até espiões, que só ali estavam porque se preocupavam com os russos, não com os afegãos." O resultado dessa debandada foi que ninguém ocupou o vazio deixado pela saída dos afegãos, deixando campo aberto aos diferentes "senhores da guerra", que depressa mergulhariam o país no caos e na guerra civil. Sem esse caos e essa violência, nunca os taliban teriam conseguido tomar conta do Afeganistão e serem bem recebidos por todos os que, simplesmente, estavam exaustos após tantos anos de caos.Para Christina Lamb, 2001 foi o momento da grande oportunidade perdida. Uma oportunidade que dificilmente se repetirá, pois os soldados que nessa altura foram vistos como libertadores começam hoje a ser olhados como instrumentos de potências ocupantes. "Em 2001, criaram-se muitas expectativas sobre um futuro melhor e essas expectativas não se materializaram. Pelo menos não se materializaram para a maioria dos afegãos", explica-nos. "Os afegãos acreditaram que se estavam a libertar dos taliban e também dos 'senhores da guerra', e até estes, quando viram chegar os B-52 e as tropas ocidentais, pensaram que os seus dias tinham acabado. Mas não foi isso que aconteceu. Permitiu-se que mantivessem as suas bases de poder, que continuassem a bloquear estradas e a extorquir dinheiro às pessoas. Foi um erro tremendo não se ter dado prioridade à reconstrução do país, antes ter dado toda a atenção às operações para encontrar as bases da Al-Qaeda e Bin Laden. Foi então que se recorreu aos 'senhores da guerra' como guias ou como apoios. Ou seja, voltou a dar-se poder aos que tinham criado o caos que abrira caminho aos taliban e lhes permitira serem vistos quase como libertadores e pacificadores."E não é por ter encontrado em Herat situações como a das mulheres-escritoras que Christina está pessimista: está pessimista porque se cansou de ir a conferências onde se mostravam gráficos sobre a utilização de telemóveis como se isso mostrasse que o país está a evoluir no bom sentido; está pessimista porque sabe que é cada vez mais difícil sair de Cabul e são cada vez menos os locais seguros onde se pode deslocar; está pessimista porque fala com as pessoas, com os afegãos. "Quando vou às aldeias do Sul, dizem-me que não sabem o que fazer", conta-nos. "Por um lado, não querem os taliban de volta, mas, por outro, não vêem nada que o Governo esteja a fazer para os proteger e melhorar o seu nível de vida. Quando muito, há por lá uns polícias, mas muitos são corruptos. É por isso que muitas aldeias estão presas entre duas más opções, e cedem aos taliban porque têm medo das suas ameaças e o Governo está muito longe."É este conhecimento do terreno que distingue esta repórter do Sunday Times de muitos dos "especialistas" enviados pelas potências ocidentais ou pelas agências humanitárias. É perceber, por exemplo, que nas aldeias do Sul e do Leste do país os taliban estão a recrutar combatentes: "Em todas as aldeias, há imensos jovens desempregados que não têm nada que fazer. Quando os taliban chegam, basta-lhes darem-lhes uma arma ou pagarem-lhes alguma coisa." Apesar do antigo ódio dos "estudantes de teologia" a tudo o que era tecnologia, os taliban utilizam hoje também as mais modernas tecnologias para difundirem a sua propaganda, "uma propaganda muito mais eficaz do que a da NATO": "A sua mensagem é simples e atraente: nunca fomos colonizados, nunca fomos conquistados, e estes soldados estrangeiros que cá estão querem de novo dominar-nos. Entram nas casas das nossas mulheres e bombardeiam os nossos casamentos. Se os taliban dissessem estas coisas em 2001, ninguém os teria escutado, mas a verdade é que os soldados se portaram muitas vezes de forma desastrada e foram perdendo o apoio inicial com que foram recebidos". Pior: ao contrário do que sucedeu em 2007 e 2008, no Iraque, quando o general Patraeus conseguiu estabelecer alianças com os líderes tribais para combater os extremistas, no Afeganistão "os líderes locais não se queixam hoje dos taliban, queixam-se é de quem os desiludiu".Mais: Christina, que ainda no tempo da guerra contra os soviéticos andou pelas montanhas do Afeganistão com Hamid Karzai, esteve em sua casa e conhece a sua família, não gosta de culpá-lo pelo que correu mal, mas reconhece que lhe faltam algumas das qualidades indispensáveis em tempos de crise. E explica porquê: "Karzai vem da região de Kandahar, onde, quando surge um problema, a tradição é chamar os chefes tribais, que podem ficar reunidos durante semanas, até encontrar um consenso. Essa tradição não favorece a emergência de líderes fortes, capazes de tomarem decisões difíceis rapidamente, o tipo de líder que o país necessitava depois da derrota dos taliban".E Abdullah Abdullah, o homem que parece estar a contrariar a hegemonia de Karzai nas eleições presidenciais? "Abdullah Abdullah tem muito apoio em Cabul, nomeadamente entre os estudantes, e é natural que não aceite os resultados eleitorais, sobretudo se não passar à segunda volta. Há mais de um mês que recebo mails da sua equipa a dizer que se está a preparar uma fraude, o que significa que está a preparar a opinião pública e que pode sonhar com repetir em Cabul o tipo de protestos a que assistimos em Teerão. Ora, em 2006, já houve tumultos em Cabul que colocaram o Governo de Karzai à beira de cair...", lembra Christina.Então, que fazer? Reforçar o contingente militar? Negociar com os taliban? A repórter mostra-se muito céptica relativamente a qualquer um destes caminhos. Na verdade, "ir falar agora com os taliban significará para eles que estamos a admitir a derrota, ou pelo menos que estamos a admitir que não podemos vencê-los; mostrará a nossa fragilidade". Pior: Christina não vê como se possa seguir a retórica de negociar com os moderados, pois ou se negoceia com os líderes - o que inclui o mullah Omar - ou não há ninguém com quem negociar. "Gordon Brown gosta de referir que vai falar com os moderados, mas era bom que dissesse quem são eles, onde estão. Eu não os conheço".
Tempo para esperar
Depois resta saber se os taliban querem falar. "Sentem que estão a vencer e podem esperar o tempo suficiente até os países da NATO se cansarem." O que já está a acontecer: ao mesmo tempo que os chefes militares no terreno dizem que necessitam de 400 mil soldados para derrotar os taliban, a maioria dos países da NATO quer é sair, pois é cada vez mais difícil explicar às opiniões públicas por que se trava um combate tão longe, que custa tanto dinheiro e que causa tantas baixas. Christina pensa que "o Ocidente não se pode dar ao luxo de perder no Afeganistão", que sobretudo "a NATO não pode falhar, já que ninguém saberia o que lhe sucederia depois". Mas também reconhece que não se recorda de um só caso de um "país falhado" onde, até hoje, se tenha enfrentado e resolvido problemas como os que se vivem naquele imenso país. "Verdadeiramente, só vejo duas coisas positivas: a primeira é que a maioria dos afegãos quer realmente a paz e não deseja o regresso dos taliban; a segunda é que agora a comunidade internacional já reconhece que o Afeganistão está a transformar-se num grande problema, o que não reconhecia há um ano", conclui. O que, agora, que está de partida para Washington, onde vai chefiar a delegação nos Estados Unidos do The Sunday Times, faz com que parta na expectativa de poder voltar depressa à região onde se iniciou como jornalista há mais de duas décadas. E com a esperança de não sentir nem o mesmo choque que teve quando ainda era "ingénua e idealista" nem a mesma tristeza que a invadiu quando este ano regressou a Herat.
PÚBLICO-Por José Manuel Fernandes
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