As eleições presidências de hoje na Polónia decorrem sob o signo da tragédia de Smolensk, a 10 de Abril, em que morreram o antigo Presidente Lech Kaczynski e mais 94 polacos, quando viajavam para Katyn, na Rússia. As sondagens apontam como favorito o liberal Bronislaw Komorowski, à frente do nacionalista Jaroslaw Kaczynski, o gémeo de Lech. É provável que haja a necessidade de uma segunda volta, de desfecho incerto. O que está em curso é mais um confronto entre as "duas Polónias".
As sondagens dão Komorowski como o favorito (Agenja Gazeta/Reuters)
O primeiro-ministro, Donald Tusk, declarou recentemente: "Uma vitória de Jaroslav Kaczynski seria um inferno político."
Na Polónia, o Presidente não governa, mas tem direito de veto sobre as leis, nomeia o presidente do banco central e chefes militares, tem alguns poderes em política externa. Lech Kaczynski bloqueou algumas das reformas económicas do primeiro-ministro, Donald Tusk, e protelou longamente a assinatura do Tratado de Lisboa da União Europeia.
"Mais do que nunca, estão em confronto duas visões do Estado e da própria civilização", declarou à agência AFP o politólogo Edmund Wnuk-Lipinski.
Os liberais representam uma Polónia aberta e europeísta. Kaczynski encarna uma Polónia nacionalista, eurocéptica e culturalmente retrógrada.
As sondagens
Komorowski, 58 anos, historiador, antigo ministro da Defesa e presidente da câmara baixa do Parlamento, substituiu interinamente Lech Kaczynski na chefia do Estado, após o acidente de 10 de Abril. Resistente anticomunista nos anos 70 e 80, pertence à Plataforma Cívica (PO, centro liberal), o partido de Donald Tusk.
Jaroslaw Kaczynski, 61 anos, jurista, também veterano do Solidariedade e antigo primeiro-ministro, lidera o partido Direito e Justiça (PiS, direita nacionalista). É um eurocéptico e representa a face mais conservadora da Polónia.
As últimas sondagens atribuem a Komorowski entre 41 e 48 por cento das intenções de voto contra entre 32 e 35 para Kaczynski.
Grzegorz Napieralski, líder da Aliança da Esquerda Democrática (SLD, pós-comunista), recolheria entre nove e 12 por cento dos votos. Os outros sete candidatos, todos abaixo dos dois por cento, não têm expressão.
Estes números permitem antecipar uma vitória do candidato liberal numa segunda volta, onde poderia somar 60 por cento dos votos, graças ao apoio dos democratas de esquerda.
Mas os analistas são prudentes. Nas presidenciais de 2005, Tusk esteve sempre em vantagem nas sondagens e perdeu inesperadamente para Lech Kaczynski na segunda volta.
Uma abstenção elevada penalizaria sobretudo Komorowski, visto o eleitorado do PiS ser muito mais "mobilizado". A segunda volta, que se realizaria a 4 de Julho, coincide com o início das férias.
Depois de ter perdido de forma humilhante as legislativas de 2007, Jaroslaw Kaczynski era um dos mais impopulares políticos polacos. O "martírio" do irmão permitiu a sua ressurreição política.
A tragédia teve um efeito emocional explosivo e gera uma vaga de simpatia para com a família Kaczynski. Jaroslav surge como garante do legado do irmão "mártir". Logo que se candidatou assumiu uma imagem muito diferente da que era a sua.
Em lugar do político da provocação e da exasperação, surge como um candidato moderado e conciliador, que quer unir a nação. Já não ataca Berlim, Moscovo e Bruxelas. É uma viragem ao eleitorado do centro, pois o eleitorado da direita não lhe assegura a vitória.
Os trunfos de Kaczynski
Conta com o apoio activo de parte do episcopado, apesar de a maioria dos bispos, sob liderança do novo cardeal primaz, Jozef Kowalczyk, se opor à intervenção partidária da hierarquia. Mas, de facto, "há uma sinergia entre a Igreja Católica e o PiS", explica o politólogo Kazimierz Kik.
"A decisão da Igreja de sepultar o Presidente defunto na prestigiosa catedral de Wawel, em Cracóvia, foi um primeiro gesto em direcção à oposição conservadora dirigida pelo seu irmão."
Se Jaroslaw fez uma campanha cordata, na retaguarda os seus homens asseguraram o "trabalho sujo". Ironicamente, uma das suas tribunas é a televisão pública, a TVP1, controlada por um conselho nacional da rádio e televisão (KRRiT) dominado desde 2005 pelo pessoal político do PiS.
A sua especialidade, escreve o enviado de Le Monde, é a insinuação de que Komorowski e Tusk são agentes de Berlim, de Moscovo ou da UE trabalhando contra os interesses nacionais da Polónia. Há, inclusive, insinuações de cumplicidade com os russos no acidente que vitimou o antigo Presidente.
Os liberais têm como primeiro capital uma governação que, até agora, tem poupado a Polónia aos principais efeitos da crise financeira internacional.
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