quarta-feira, 2 de junho de 2010

CV DIÁSPORA HOLANDA:BETÚ RENDE-SE À HOMENAGEM DOS CABO-VERDIANOS NA HOLANDA

 Entrevista com Adalberto Higino Silva-BETÚ

ROTTERDAM-Um dos mais prestigiados compositores cabo-verdianos da actualidade, Adalberto Silva mais conhecido por Betú foi homenageado, na Holanda, pela Fundação Rádio Minis de Djarmai.
BETÚ Escreveu muitas composições memoráveis uma que pessoalmente mais gosto é a morna “MANÚ” escrita em 1980 e tornada celebre por Ildo Lobo mas também já gravado por vários outros artistas e grupos musicais, entre os quais “Os Tubarões”, em 1980 e Nancy Vieira em 1998.
Segundo o próprio compositor maiense essa Morna foi inspirada na emigração. Emigração um “drama” conhecido por todos nesse caso o evasionismo tantas vezes relatados pelos nossos poetas: “querer ficar mais ter que partir” relata a história de um filho que com a morte do Pai, vê-se obrigado a emigrar para sustentar a família.
Aproveitamos a estadia do músico cabo-verdiano na Holanda para ter uma conversa esta quarta-feira, 2 de Junho de 2010.
RADIO ATLÂNTICO: O que representa para si esta homenagem?
ADALBERTO SILVA: Apesar de não ser a primeira vez que me vejo agraciado com esse gesto de reconhecimento, esta iniciativa teve um sabor especial por várias razões: ao contrário das anteriores que foram de instituições ou entidades de carácter público, de um certo modo “obrigadas” a uma maior atenção aos valores culturais, esta foi uma iniciativa de uma instituição privada, descomprometida, portanto mais autêntica. Mas a razão principal tem a ver com o facto de se tratar de um gesto que vem da diáspora, particularmente maiense, o que significa que a minha música estará também a contribuir para o fortalecimento desta nação diasporizada.
RA:O que mas lhe marcou na homenagem do dia 29 de Maio em Roterdão? Sentiu-se emocionado?
AS: Penso que a homenagem ultrapassou todas a expectativas. A organização fez um bom trabalho, tendo conseguido o envolvimento não só da comunidade maiense, como também de cabo-verdianos das outras ilhas. Foi uma festa de toda a comunidade cabo-verdiana na Holanda.
RA: Durante a curta estadia teve tempo para conhecer alguns músicos cabo-verdianos que residem na Holanda?
AS: Sim, vários. O Carlos Matos e o seu grupo, Grace Évora e outros artistas que não conhecia e que participaram na homenagem.
RA: Queria perguntar-lhe também se na sua família tem músicos que o influenciaram. Em caso positivo podias citar algum?
AS: Na minha família há músicos, mas não sei dizer se houve influência directamente...
RA: Que grau de parentesco tem com o famoso músico americano de Jazz Horace Silver? Teve algum contacto físico com ele?
AS: Horace Silver é primo do meu pai, meu tio. Cheguei a conhecê-lo na década de 80 em Portugal, numa das edições do festiva de jazz de Cascais.
RA: Pensa regressar a Holanda para um novo espectáculo/visita?
AS: Para espectáculo duvido porque, como já disse antes, sou "músico de casa" e não "músico de palco".
RA: Que impressão leva da comunidade cabo-verdiana radicada na Holanda?
AS: Já conhecia a comunidade aqui da Holanda, sempre hospitaleira, tanto que a gente tem dificuldade em atender a todos o convites!
RA: As suas composições têm muita beleza estética. Sente-se melhor na pele de músico, compositor ou poeta?
AS: Sou mais considerado como compositor, que cria umas melodias a que junta umas letrinhas. Poeta não, porque não basta ter algumas ideias poéticas para se considerar poeta. Em português diria que sou, quando muito, um letrista.
RA: As tuas canções falam muito de amor, amor por Cabo Verde, pela tua mãe, pelas mulheres, da tua vida pela vida em si. O que te inspira para escrever música? A mulher cabo-verdiana? A ilha do Maio? Cabo Verde?
AS: O tema preponderante nas minhas músicas é sem dúvida o amor, tanto no sentido restrito como no sentido lato. E nessa temática entram, obviamente, Maio, Cabo Verde e crioula. Através do amor se pode abordar toda a realidade humana e as possibilidades poéticas são imensas.
RA: Uma vez ouvi uma entrevista sua que ao contrário de que muita gente pensa tem poucas composições. Isso corresponde à verdade? Será uma aposta na qualidade?
AS: Eu tenho pouco mais de três dezenas de composições que, em princípio, não é pouco. Mas se levar em conta que comecei há cerca de três dezenas de anos, a média de produção é baixa. Mas não me preocupo com isso. O que importa é compor músicas que possam ser apreciadas e, neste aspecto, não me posso queixar.
RA: Prefere que as suas composições sejam cantadas por uma voz feminina ou masculina?
AS: Depende: há músicas que podem ficar melhor numa voz tenor e outras numa soprano, mas isso é teoria. O importante mesmo é a interpretação.
RA: O que sente quando grandes nomes da música cabo-verdiana interpretam as suas composições?
AS: A possibilidade de a minha música ser apreciada por muito mais gente...
RA: Quais são, para ti, as mais importantes referências em termos de música e quais os músicos cabo-verdianos que lhe influenciaram positivamente?
AS: Todas as grandes referências que me precederam e outras que me são contemporâneas têm influência na minha música.
RA: Para o BETÚ qual a verdadeira música de Cabo Verde, a tradicional ou o estilo novo chamado zouk love?
AS: Não existe mais ou menos música de Cabo Verde. A música é cabo-verdiana se for um género de criação cabo-verdiana, seja tradicional ou moderna. Eu, como músico, alinho mais na música tradicional porque é aquela que aprendi, mas reconheço como cabo-verdiana alguma da chamada música moderna, quando não é apenas reprodução de géneros de outras paragens. Quero dizer que há música moderna, criação de cabo-verdianos, e que é tão cabo-verdiana como a tradicional. É evidente que não entram nessa categoria as músicas que são meras reproduções de géneros estrangeiros, ainda que cantadas em crioulo.
RA: Os admiradores do Betú esperam um CD seu. Para quando teremos no mercado um trabalho do BETÚ?
AS: Eu já tive uma breve experiência de estúdio há uns vinte anos atrás, mas num trabalho de grupo. Para trabalhos a solo, como intérprete, devo confessar que não me sinto com os mínimos olímpicos para o efeito. Por isso nunca pensei nisso. Contento-me com o meu estatuto de fornecedor de músicas para os outros interpretarem.
RA: Cabo Verde perdeu nos últimos anos grandes nomes da sua cultura na sua vertente musical. Qual foi a perda que mais lhe tocou e porquê?
AS: O desaparecimento de figuras relevantes da nossa cultura é sempre uma grande perda porque neste campo não há possibilidade de reposição de pedras, devido à singularidade de cada artista. Mas há perdas que pessoalmente sentimos mais, devido à intensidade de relação que desenvolvemos na nossa actividade artística. No meu caso devo reconhecer que o desaparecimento físico do Ildo Lobo representou uma grande perda pessoal, tendo em conta que foi através dele que as minhas músicas passaram a ser mais conhecidas.
RA: Segue a música produzida pelos cabo-verdianos na Holanda? em caso positivo qual a sua opinião no tocante a qualidade?
AS: No passado a maior parte dos discos cabo-verdianos eram gravados na Holanda. Actualmente poderá não ser assim, mas não há dúvida de que na Holanda continua a produzir-se muita música cabo-verdiana. Aliás, se não estou enganado, a chamada música moderna terá tido origem na nossa comunidade ali radicada. Estou-me a lembrar dos Livity, do Gil Semedo, que seguem uma linha diferente da tradicional, mas muito cabo-verdiana e com qualidade.
RA: Tem contactos com músicos cabo-verdianos residentes na Holanda?
AS: Não. Em matéria de contactos com outros músicos sou uma nulidade, devido à minha condição de "músico de casa" e não "músico de palco".
BETU NA POLÍTICA
RA: Para além de músico o BETÚ foi Deputado da Nação..
AS: Sim, por três vezes, eleito pelo círculo do Maio, embora só no último mandato tenha exercido a tempo inteiro.
RA: Como classifica essa incursão na Política? Que ensinamentos tirou da sua passagem pelo parlamento cabo-verdiano?
AS: Embora desde cedo me tenha interessado por causas públicas, nunca me fascinou muito a actividade política de forma tão directa. Mas na altura das mudanças políticas em Cabo Verde acabei por me envolver directamente, mais pelo facto de na época pensar que podia ser a melhor forma de contribuir para o desenvolvimento do Maio. Depois de entrar fica difícil sair. Mas em 2006, por vontade própria, retirei-me. Hoje penso e quero que seja possível contribuir para o desenvolvimento de Cabo Verde e do Maio em particular sem me envolver directamente na actividade política, sobretudo pela forma como o político é tratado no nosso país, muitas vezes por culpa de grande parte dos próprios políticos que entram para a política, não por ideias e causas públicas, mas por ser uma via fácil para a notoriedade ou para a defesa de interesses particulares.
Mas de todo o modo devo reconhecer que a passagem pelo Parlamento foi uma experiência enriquecedora, sobretudo no último mandato.
RA: Já agora acha que Cabo Verde está no bom caminho rumo ao desenvolvimento?
AS: Cabo Verde tem-se desenvolvido continuamente desde a sua Independência. Mas eu penso que, apesar de desprovido de recursos, devia estar muito melhor se a democracia tivesse chegado há mais tempo e se as políticas de desenvolvimento fossem conduzidas com a preocupação central de libertar os cabo-verdianos da forte dependência do Estado.
RA: E a sua Ilha natal? O que falta uma ilha com potencialidades com a do Maio, dar o salto como já fizeram Boavista e Sal, por exemplo?
AS: De facto, das três ilhas ditas turísticas só o Maio ainda não arrancou. Penso que a existência de um aeroporto internacional é uma grande vantagem, uma vez que os empreendimentos turísticos só se realizam com a existência dessa infra-estrutura. Foi com esse entendimento que a Sociedade de Desenvolvimento Turístico da Boavista e do Maio, de cuja Administração faço parte, já promoveu a elaboração do Plano Director do novo aeroporto do Maio e aguarda a decisão do Governo para a sua construção. O Maio está atrasado relativamente ao Sal e à Boavista no tocante ao desenvolvimento turístico, mas terá a vantagem de arrancar com os Planos elaborados e com a possibilidade de evitar os aspectos negativos de um turismo não planeado.
RA: Vamos contar com Betú novamente nas listas para deputados em 2011?
AS: Não, isso está fora de questão.
RA: Brevemente, vai começar o Recenseamento eleitoral no estrangeiro. Porque que os cabo-verdianos não residentes devem recensear-se na sua opinião?
AS: Porque têm o mesmo direito de participar na construção dos destinos de Cabo Verde, como os cabo-verdianos que vivem no país.
PERFIL
ADALBERTO HIGINO TAVARES SILVA, vulgo BETÚ, nasceu na Vila do Porto inglês, Ilha do Maio, a 07 de Junho de 1961. É casado e pai de dois filhos.
Licenciou-se em Economia pela Universidade do Porto/Portugal e conta com um Mestrado em FINANÇAS – pelo Instituto Universitário de Posgrado, Espanha.
Foi, de entre muitos cargos desempenhados, Deputado da Nação e actualmente desempenha funções de: Administrador não executivo da SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO DAS ILHAS DE BOAVISTA E MAIO (2006…) e de Administrador residente do BANCO INTERNACIONAL DE INVESTIMENTOS, instituição financeira internacional (2006…)
Como actividade artística relevante do BETÚ podemos destacar o seguinte:
Compositor de música tradicional cabo-verdiana, com maior incidência no género morna, foram gravadas mais de duas dezenas de músicas por vários intérpretes (Os Tubarões, Ildo Lobo, Cesária Évora, Miri Lobo, Simentera, Lena França, Betina Lopes, Tonecas Marta, Nancy Vieira, Mayra Andrade, Dudú Araújo, Maria de Barros, Fantcha, etc.)
Autor musical do Hino Nacional “Cântico da Liberdade”;
Contemplado com o Prémio B.LEZA (composição do ano) pela música “Maio Nha Terra” em 1989;
Vida e obra como objecto de estudo pelo sociólogo César Monteiro, publicado em Caderno Especial do jornal Horizonte a 6 de Dezembro de 2002;
Galardoado com o 1º Grau da Medalha de Mérito Cultural, pelo Governo – 2005;
Galardoado com a 1ª Classe da Medalha do Vulcão, pelo Presidente da República – 2006;
Homenageado pela Câmara Municipal do Maio no Festival de Bichirótcha – 2007.
Por Norberto Silva
Com a Rádio Atlântico-Roterdão

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