LISBOA-"Quem Governará Cabo Verde: MPD, PAICV ou UCID?" foi o tema em discussão na terceira sessão do Ciclo de Tertúlias "Cabo Verde em Debate", que teve lugar na Livraria Trama, em Lisboa. Participado e emotivo, cabo-verdianos de todas as sensibilidades políticas disseram de sua justiça.
Com o objectivo de reflectir sobre a problemática e os contornos das próximas eleições legislativas em Cabo Verde, a organização do Ciclo de Tertúlias "Cabo Verde em Debate" convidou a jurista Mircéa Delgado para agir como facilitadora. Deste modo, ao final da tarde do passado sábado, algumas dezenas de cabo-verdianos, não se inibiram ao chamado e juntaram-se no centro de Lisboa para discutir, apaixonadamente, o futuro quadro político de Cabo Verde. A jurista Mircéa Delgado foi convidada a apresentar os aspectos gerais, relacionados com o tema em debate e tentou estimular a discussão, chamando a atenção para possíveis ângulos de abordagem do tema.
O estímulo dado pela jurista foi tão grande que, logo após ter começado, Helena Fontes, irmã da ministra da Defesa, Cristina Fontes Lima, insurgiu-se em voz alta contra a facilitadora. Na sala houve indignação, risos e uma advertência de Suzano Costa para haver respeito.
Mircéa Delgado começou por explicar que a resposta à pergunta "Quem Governará Cabo Verde?" era "uma espécie de exercício de futurologia, bastante previsível", porque para esta jurista, "os militantes e amigos do MpD, muito provavelmente, irão prognosticar uma vitória do seu partido e os do PAICV, naturalmente, esperarão um resultado diferente". Porém, explicou que, "afinal, talvez não fosse bem assim. Abordado com seriedade, o tema poderia ser rico e cheio de virtualidades."
"No momento exacto em que a vida política cabo-verdiana se manifesta com toda a sua intensidade e complexidade, é possível escalpelizar toda a governação do país, analisando se o partido que sustenta o Governo cumpriu o prometido e se merece continuar no poder ou, pelo contrário, se deve ceder o lugar a uma nova esperança", iniciou Mircéa Delgado.
Escrutínio à governação do PAICV
A jurista, dotada de documentação, segundo a própria, começou por analisar a situação económica do país, o programa "Casa para Todos", a comunicação social, as actuais infra-estruturas, o problema da insegurança e terminou com a temática do recenseamento.
"Segundo dados do BCV, a Balança de Pagamentos de Cabo Verde, no terceiro trimestre de 2009, foi deficitária, as remessas dos emigrantes também diminuíram na ordem dos 11% a nível de endividamento externo disparou", disse a facilitadora, questionando: "Será que este governo, depois de dois mandatos, terá forças e criatividade suficientes para enfrentar e superar esta situação?"
No que toca ao programa "Casa para Todos", Mircéa afirmou que o governo ao fazer o empréstimo que possibilita o desenvolvimento do programa "não acautelou os interesses de Cabo Verde, pois as grandes obras públicas têm sido adjudicadas, directamente a empresas estrangeiras, impedindo as empresas cabo-verdianas de participar. Assim, na execução desse programa as empresas cabo-verdianas só poderão participar se estiverem associadas a uma empresa portuguesa, não podendo a participação nacional ultrapassar os 20% do valor do contrato."
Relativamente à comunicação social, "actualmente há acusações contra o Governo, no sentido de que este manipula a comunicação social. A oposição acusa o Governo de ocupar quase todo o espaço noticioso nos órgãos pertencentes ao Estado", desenvolveu a jurista, explicando que "a revisão constitucional de Fevereiro último obriga à criação de uma autoridade independente para a regulação do sector. Nas vésperas da publicação no Boletim Oficial do texto revisto da Constituição o grupo parlamentar do PAICV apresentou uma proposta de lei ignorando todas as determinações da Constituição revista..."
Na infra-estruturação do país "construíram-se muitas estradas, portos e aeroportos e apesar disso o desemprego manteve-se nos dois dígitos, pondo em causa uma das principais promessas de campanha do partido PAICV", indicou. "Ninguém nega a importância da construção das estradas de nova geração, em asfalto, mas essa matéria-prima, bem como as máquinas para a aplicar, vieram todas de fora. O aeroporto de S. Vicente foi ampliado, mas continua às moscas e os hotéis da ilha ameaçam falência. As hortaliças, frutas e praticamente todos os produtos consumidos nos hotéis são importados. Fiambre, enchidos, queijos, tudo vem de fora", sustentou Mircéa Delgado.
Sobre os níveis de insegurança, a jurista atendeu aos dados provenientes da Polícia Nacional que apontam para um aumento da criminalidade em 2009 na ordem dos 5,5 % num total de 29.967 crimes. "O tráfico e consumo de drogas e a lavagem de capitais constituem hoje uma realidade desafiadora em Cabo Verde. Neste âmbito, o Departamento de Estado norte-americano classifica o arquipélago como um ‘importante país de trânsito' da cocaína sul-americana com destino à Europa", declarou.
A facilitadora terminou a sua intervenção com uma chamada de atenção para o período de eleições que se aproxima, lembrando que "um deputado da oposição acusou o governo de querer inscrever 41 mil pessoas ‘à força e a jeito' para manipular o processo eleitoral na diáspora. O governo quer legalizar à pressa um grande número dessas pessoas, segundo vozes, vindas da oposição com objectivos eleitoralistas."
Debate quente
Após a intervenção introdutória de Mircéa, o espaço foi aberto à intervenção do público e fervorosamente foram dando as suas perspectivas. Nuno Lopes, estudante universitário e militante do PAICV fez uma leitura oposta à da facilitadora, explicando que "apesar dos condicionalismos económicos de Cabo Verde, o governo, ao longo destes últimos 10 anos, tem tido muita criatividade na obtenção de receitas. Essa diversificação tornou a Bolsa de Valores de Cabo Verde numa das melhores de todos os PALOP". Desse modo, o jovem militante pensa que "o povo cabo-verdiano saberá escolher correctamente e escolherá o PAICV."
Na opinião de Nelson Brito, dirigente do MpD em Portugal "o governo do PAICV falhou nas metas do desemprego, segurança e crescimento económico. Actualmente o crescimento do país faz-se às custas das remessas dos emigrantes", apontou.
Ulisses Vieira, estudante universitário, preferiu não pressagiar quem irá governar Cabo Verde em 2011, mas sim consciencializar os presentes acerca do crescimento económico e da segurança. "Actualmente Cabo Verde está imerso nas profundidades da crise económica, que afectou o cenário global. Desta forma, tem de haver bom senso e uma atitude de princípio ética e moral, porque todos sabemos que esta crise proveio da destituição do princípio ético-moral", afirmou.
A comparação entre a governação de Carlos Veiga e de José Maria Neves foi inevitável ao longo da tertúlia, contudo, Rony Moreira, funcionário público, afirmou não ser justo comparar estas duas as governações, porque os períodos foram distintos. Daniel Santos partilhou da mesma ideia afirmando que "comparar as expectativas de hoje às de há 20 anos é uma falácia. Hoje as expectativas devem ser diferentes e de maior ambição."
Com duas horas de debate quente, a tertúlia terminou com uma longa lista de inscritos e com os ânimos ao rubro. Na opinião de Suzano Costa, "foi um debate extremamente estimulante e participativo, contudo, quando a temática é a governação, há sempre uma tentativa de partidarização do olhar que se tem sobre a avaliação governativa. A sociedade cabo-verdiana é extremamente partidarizada, havendo uma cultura em relação aos partidos muito clubística e isto acaba por ter automaticamente implicações ao nível das avaliações feitas e por gerar alguns distúrbios nos debates."
Estrutura e Organização
O Ciclo de Tertúlias "Cabo Verde em Debate" tem uma periodicidade mensal e está aberta à participação de todos, independentemente da proveniência social, orientação política ou credo religioso. Segundo os promotores da iniciativa, este ciclo de tertúlias pretende ser um fórum debate aberto, reflexão intelectual e de crítica intersubjectiva entre jovens universitários e pretende discutir questões estruturantes, e quiçá fracturantes, atinentes à governação política, social, económica e cultural de Cabo Verde, assim como aspectos relacionados com a actualidade política internacional.
De acordo com o coordenador, Suzano Costa, esta iniciativa constitui um "espaço de engajamento cívico, reflexão crítica e de participação cidadã susceptível de empoderar a juventude cabo-verdiana e desencadear um olhar autocrítico sobre problemáticas transversais à realidade do arquipélago".
JPC, Expresso das Ilhas
http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/detail/id/17489
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