“O maior desafio na liderança é convencer”
Carlos Tavares, o português que é vice-presidente da Nissan, diz que liderar uma empresa com 220 mil pessoas é um privilégio e que, dessa grande diversidade cultural, resulta um factor de competitividade extraordinário.
Como avalia as empresas portuguesas em termos de liderança estratégica?
Antes de mais, tenho de realçar que o meu conhecimento das empresas portuguesas não é assim muito grande, mas considero que há uma imagem positiva lá fora. Há um potencial que pode ser aproveitado. A história do País e o facto de Portugal ter estado sempre voltado para o estrangeiro de várias formas ao longo da sua história, inclusive da sua história recente, demonstra que há um espírito pioneiro, uma capacidade de adaptação e de compreensão de outros povos(...) Obviamente, a estratégia é importante: ter uma compreensão de quais são as expectativas dos mercados e preparar-se para isso, mas, além dela, a parte que respeita à execução é fundamental. Na Nissan temos o hábito de dizer que preparar a estratégia é 5%, executá-la é 95%. Empresas com boas estratégias há muitas pelo mundo fora, mas muitas falham por serem incapazes de executarem rigorosamente essas estratégias.
Que desafios enfrenta diariamente como vice-presidente da Nissan, uma empresa que afirma a sua competitividade à escala global?
Há vários tipos de desafios, mas diria que o primeiro é a capacidade de convencer. É preciso convencer todos os colaboradores de que esta ou aquela decisão, de que esta ou aquela direcção, de que este ou aquele projecto é ganhador.
Quando se atinge um determinado nível na hierarquia de uma empresa compreende-se que não basta apenas ter uma boa ideia. Uma boa ideia que não seja partilhada pelos elementos mais importantes da empresa não tem qualquer valor, nunca passará de uma ideia. Portanto, o desafio maior é convencer, criar adesão às ideias, sejam elas do comité executivo, do patrão, dos directores, de forma a conseguir que essas ideias possam, de alguma maneira, convergir com as ideias base da empresa.
Uma empresa com mais de 220 mil pessoas tem uma capacidade extraordinária de criar ideias. Há que conseguir aproximar, com êxito, a criatividade que vem de baixo com as ideias estratégicas que geralmente vêm do topo. Como se consegue essa convergência de forma a dar dinamismo à empresa? Aí está o desafio mais importante da liderança.
Como é liderar uma equipa multi-cultural espalhada por várias geografias?
O ponto mais importante é eu reconhecer que é um grande prazer trabalhar com um nível de diversidade de pessoas tão grande. Tomando como exemplo as Américas, pelas quais sou responsável actualmente, há no meu comité de direcção, (obviamente) americanos, mas também há japoneses, ingleses e franceses e um português. Esta diversidade é, de facto, excelente no que diz respeito à criação de ideias. Um dos aspectos em que, nos últimos 10 a 15 anos, modifiquei a minha liderança foi na minha capacidade de escutar as pessoas. Considero que o mais importante é escutar. E porque é o mais importante? Porque a diversidade dos colaboradores e das suas origens culturais é um enorme factor de competitividade. Logo, há que saber escutar para poder tirar o melhor partido disso.
Quais são as dificuldades da liderança?
Além da dificuldade de convencer e explicar o que há a fazer na empresa, diria que a principal dificuldade é escolher objectivos que sejam ambiciosos, mas a um nível de ambição alcançável. Se, por um lado, tomar objectivos que não são verdadeiramente ambiciosos é perder competitividade, pelo outro, tomar objectivos inatingíveis pode ser desencorajador. O que é difícil na liderança, além de convencer as pessoas a trabalhar numa determinada direcção, é equilibrar o nível de tensão que se vai criar entre o estado actual da empresa e o objectivo certo a perseguir no período certo.
O facto de dirigir uma multinacional japonesa alterou a sua forma de liderar?
Em 2004, quando tomava conta da família Megane-Scenic, de que fui director de projecto durante cinco anos, antes de partir para o Japão beneficiei de um certo número de treinos e de conselhos de pessoas que conheciam a cultura asiática, e a cultura japonesa em particular. Ao fim de três, quatro semanas senti-me esmagado... Quando cheguei ao Japão em 2004, e, mais recentemente, quando cheguei aos EUA, a única regra que decidi observar foi a do respeito. Respeito pelas pessoas, respeito pela diferença. A palavra-chave é respeito.
Qual a importância deste prémio para si? Em que medida pode ser um estímulo para outros líderes menos reconhecidos?
Sinto-me também, de certa forma, responsável por contribuir para a imagem do meu País no estrangeiro, um país com uma cultura e uma história muito ricas. Sinto-me honrado e faz aumentar, em mim, a responsabilidade daqui para a frente em relação a Portugal.
PERFIL
Carlos Tavares nasceu em Lisboa em 1958, filho de um contabilista e de uma professora. Estudou no reputado liceu francês Charles Lepierre até aos 17 anos, depois seguiu para França, onde cursou Engenharia, constituiu família, começou a trabalhar e se tornou um gestor de topo mundial. O ingresso na Renault, em 1981, foi o início de uma vida profissional totalmente dedicada à indústria automóvel que o levou para o Japão em 2004 e para os EUA em 2009, onde, enquanto vice-presidente da Nissan, assume a responsabilidade do mercado das Américas. "Sou um português de nacionalidade única", sublinha orgulhoso. No seu vastíssimo painel de realizações, o gestor contabiliza o lançamento de mais de 25 modelos de automóveis em todo o mundo, a concepção do carro eléctrico e o desenvolvimento
do veículo low cost da Nissan, concebido para os países emergentes.
OJE-Por Almerinda Romeira
http://oje.sapo.cv/gente-e-negocios/entrevistas/o-maior-desafio-na-lideranca-e-convencer
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