BRASILIA-A divulgação do marco regulatório da exploração de petróleo da camada pré-sal, feita na segunda-feira (31 de Agosto), levantou uma enorme polêmica. O governo defende o modelo de partilha, no qual o Estado tem maior participação nos negócios, enquanto a oposição e empresários desejam manter o atual sistema de concessão, com mais espaço para o setor privado. Seja qual for o formato escolhido, se o potencial da província do pré-sal for confirmado – o que ainda não ocorreu – nos próximos anos o Brasil pode ficar diante de uma receita de grande monta e inédita para os padrões nacionais. Neste cenário, cabe uma óbvia questão: como o dinheiro do pré-sal será administrado e utilizado?
Um bom exemplo de como lidar com a sorte geológica vem da Noruega. O país escandinavo descobriu grandes jazidas de petróleo e gás natural em 1969 e começou a produzir em 1971. Apesar de as reservas não estarem nem entre as dez maiores existentes, os poços noruegueses têm alta produtividade e hoje o país é o terceiro maior exportador de petróleo do mundo, atrás apenas da Arábia Saudita e da Rússia. E a renda do setor representa cerca de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) norueguês. No caminho percorrido para se tornar uma potência energética, a Noruega conseguiu transformar a abundância de recursos naturais em melhores condições de vida para sua população, ao contrário de países do Oriente Médio e da África, e outros como Rússia, Bolívia e Venezuela. Enquanto muitos desses países vivem sob governos autoritários e regimes instáveis, os noruegueses desfrutam hoje de um dos mais altos padrões de vida do mundo.
O que permitiu à Noruega ser hoje uma referência neste aspecto foi a criação, em 1990, de um fundo no qual a renda oriunda da exploração do petróleo é depositada. Apenas os rendimentos são usados pelo governo, enquanto o valor bruto fica aplicado no exterior em títulos e ações com baixo risco, uma espécie de “poupança” para as futuras gerações. No fim de 2007, a conta já estava em US$ 373 bilhões, equivalente ao PIB do país.
No Brasil, o plano inicialmente divulgado pelo governo consiste em um sistema parecido, por meio do qual os rendimentos seriam usados em cinco áreas prioritárias – educação, combate à pobreza, ciência e tecnologia, meio ambiente e cultura. “Não podemos perder uma oportunidade histórica como essa”, diz Hélder de Queiroz Pinto Junior, professor do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A ideia do fundo nasce da percepção de que a aplicação dos royalties do petróleo que o Brasil já produz não foi feita da forma correta”, afirma. Nos últimos anos, inúmeros municípios brasileiros viram seus orçamentos reforçados pela renda do petróleo, mas isso não representou melhorias nos indicadores sociais, como mostra a reportagem de capa de ÉPOCA nesta semana. No âmbito federal, boa parte do dinheiro entrou no bolo do superávit primário – a economia feita pelo governo para pagar a dívida. Se o mesmo processo ocorrer com o pré-sal, a renda do petróleo pode ser desperdiçada sem trazer qualquer benefício para a população.
A entrada de petrodólares no Brasil também pode representar um risco para a economia do ponto de vista macroeconômico, pois a valorização do câmbio tiraria a competitividade de outros setores da indústria nacional, com potencial até de inviabilizar alguns deles. Esse fenômeno, comum em países ricos em recursos naturais, ficou conhecido como a “doença holandesa”. E é para evitá-la que o dinheiro dos fundos deve ser aplicado no exterior, como faz a Noruega. Isso impede um impacto negativo na economia e protege o país de futuros déficits fiscais causados pelo envelhecimento da população de pouco menos de 5 milhões de pessoas. Para o Fundo Monetário Internacional (FMI), esse formato é um modelo a ser seguido. Além da gestão de alto nível, há muita transparência. O Ministério das Finanças, dono do fundo, divulga regularmente quais são os objetivos a curto e longo prazo. O Banco Central, operador do fundo, publica os resultados dos investimentos trimestral e anualmente. Os ministérios do Meio Ambiente e da Pesca vigiam a exploração da natureza. E o Stortinget, o Parlamento, fiscaliza tudo.Fundos desse tipo são uma ferramenta para garantir a boa gestão da nova receita e evitar o desastre da degradação da indústria nacional. Mas o dinheiro do pré-sal, se realmente chegar em grandes quantidades, não pode ser encarado como uma panaceia para curar todas as mazelas de um país que tem sua história de cinco séculos marcada pela injustiça social. Para o fundo virar realidade, ainda deverá ser debatido e aprovado pelo Congresso, que terá de definir as diretrizes de administração e aplicação do dinheiro. Para que funcione de forma eficiente, também é necessária a participação ativa dos Legislativos, nos três níveis de governo. São eles que devem fiscalizar a forma como o Executico usa os recursos, como na Noruega. E neste aspecto o Brasil precisa percorrer um longo caminho. No Índice de Percepção da Corrupção publicado anualmente pela ONG Transparência Internacional, o Brasil aparece apenas no 80º lugar (a Noruega é a 14ª); a Petrobras, a estatal do petróleo, é investigada por supostas irregularidades em uma CPI no Senado; o Congresso vive sob a sombra do patrimonialismo, do nepotismo e cercado de escândalos; e administrações atuais carregam a péssima experiência de gastar o dinheiro do petróleo da forma errada. “Só fortalecendo os mecanismos de controle externo, zelando pela máxima transparência e capacitando órgãos como os Tribunais de Contas o Brasil vai ter sucesso com o pré-sal”, diz Pinto Júnior, da UFRJ. Por esse ponto de vista, parece positivo o fato de que a produção nas águas profundas só deva chegar ao auge em 2020. Mas são os políticos – e a sociedade de 2009 – que decidirão como ela será aproveitada.
ÉPOCA-Por José Antonio Lima
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