terça-feira, 8 de setembro de 2009

TIMOR-LESTE:Xanana Gusmão da guerrilha à presidência

DILI-São dez anos que marcaram a radical transformação do território, que passou de antiga domínio colonial português a província indonésia e, finalmente, a nação independente. Figura central deste período é Xanana Gusmão, libertado das prisões de Jacarta a 7 de Setembro de 1999, uma semana após o referendo que abriu caminho ao novo Estado. Filho de luso-timorenses, viveu todas as metamorfoses políticas e sociais por que passou Timor-Leste, vivendo ele próprio várias transformações. Uma década após a libertação do "herói da resistência", Xanana é chefe de um Governo sob o fogo da oposição.
1946-1974
Timor-Leste é um território quase tranquilo na época, mas que terá algumas perturbações internas nos anos 50 e 60. É nesta altura que vão surgir os primeiros grupos partidários da independência.
Uma juventude timorense
A longa marcha do guerrilheiro
Surgem os grupos políticos, estando Xanana associado à Fretilin - que advoga a independência. A situação interna radicaliza-se: é a guerra civil que opõe principalmente Fretilin e UDT, a que se segue a invasão indonésia, em Dezembro de 1975. A Fretilin e parte da população procuram refúgio nas montanhas; principia a longa resistência em que Xanana, após a morte de uma série de dirigentes da Fretilin, entre eles o seu presidente, Nicolau Lobato, acaba por assumir a liderança. "De um grupo de quase 50 mil guerrilheiros, estávamos reduzidos a 700", dirá mais tarde. Nos anos 80, Xanana despartidariza a guerrilha e participa na criação de uma frente política, o Conselho Nacional de Resistência Maubere. O massacre do cemitério de Santa Cruz, a 12 de Novembro de 1991, em Díli, e a captura de Xanana, também na capital timorense, a 20 de Novembro do ano seguinte - num momento em que a guerrilha se encontrava extremamente fragilizada - vão marcar uma nova etapa do conflito. Timor-Leste nunca mais deixará de ser notícia nos media internacionais.
1992-1999
Vista como sério revés para a guer-rilha, a detenção de Xanana vai revelar-se importante instrumento na internaciona-lização do conflito, de que a atribui-ção do Nobel da Paz assinala novo ciclo.
Dias de Cipinang e do Nobel da Paz
Xanana é transferido para a prisão de Cipinang, em Java. No julgamento, em 1993, é acusado de "perturbação da vida pública em Timor Oriental"; o julgamento é acompanhado, com restrições, pelos media internacionais. Xanana é condenado a prisão perpétua por rebelião, tentativa de secessão (Timor-Leste é então a 27.ª província do país) e posse ilegal de arma. Num momento de crise da guerrilha, Xanana tinha obtido uma importante vitória: garantira a sua sobrevivência e a sua condição de líder da guerrilha num território sob ocupação faz confluir sobre si a atenção de entidades políticas e ONG internacionais. O fim da Guerra Fria marca uma mudança dos EUA perante Jacarta. Timor-Leste é uma questão de direitos humanos e regressa à agenda diplomática com contactos entre Portugal e Indonésia e desta com a resistência. Em 1996, dá-se a atribuição do Nobel da Paz ao bispo Ximenes Belo - a Igreja foi um dos pólos da resistência e um dos factores constitutivos da identidade timorense - e Ramos-Horta, o rosto da resistência no exterior.
1999-2000
Uma relação de solidariedade vai evoluir para uma relação de afecto. O apoio à resis- tência desenvolve-se em "paralelo" com a vida de Xa- nana e de Timor-Leste. A primeira primeira dama do novo Estado nas- ceu na Austrália.
A primeira dama que veio de fora
A época de Cipinang assinala também uma viragem na vida pessoal de Xanana. Conhece a australiana Kirsty Sword em 1994. Esta vai envolver-se no apoio à resistência timorense. A relação culmina no casamento de 7 de Fevereiro de 2000, cerimónia reservada apenas aos familiares do casal e que decorreu nos arredores de Díli. Pouco antes do casamento, Xanana divorciara-se da primeira mulher, Emília. O casal Xanana-Kirsty tem três filhos: Alexandre, Kay Olok e Daniel. Kirsty nasceu em 1966 no estado de Victória, na Austrália, considerando inicialmente uma carreira de bailarina clássica, para estudar depois italiano e indonésio - "em criança, apaixonei-me pela Indonésia", disse uma vez. Mas acabou por se tornar uma figura pública no novo país vizinho, vivendo a sua "vida em paralelo com [a de Xanana Gusmão] e a de Timor-Leste".
Nos últimos anos, em mais de uma ocasião, o casal afirmou-se publicamente cansado da política e na expectativa de uma vida longe das atenções dos media. Tudo indica que este desejo está longe de se concretizar.
1999-2002
A História vive-se a alta velocidade. Apesar da vio- lência inicial das milícias, Timor-Leste escolhe a independência, uma Constituição, um Governo e um Presidente (eleito com mais de 80% dos votos) - tudo em mil dias.
O referendo, a Fretilin e Xanana
A ocupação indonésia entra na fase final. A queda de Suharto, em Maio de 1998, acelera o processo de transição em Timor-Leste. Jacarta aceita a realização de um referendo para a autodeterminação; ao mesmo tempo, é activado um plano de apoio aos sectores integracionistas e são formadas milícias com o objectivo de desestabilizar o processo. O referendo é a 30 de Agosto de 1999 e os resultados são claros: quase 80% dos eleitores querem a independência. A campanha de violência, iniciada antes da votação, atinge o auge - registam-se mais de mil mortos, meio milhão de deslocados e a destruição de quase todas as infra-estruturas do território. Xanana, sob prisão domiciliária em Jacarta, é libertado a 7 de Setembro - momento em que as milícias controlam ainda o território; só regressará em Outubro. A ONU assume a administração em Fevereiro de 2000 e prepara eleições para a Assembleia Constituinte ganhas pela Fretilin; esta vai dirigir o primeiro Governo, dirigido por Mari Alkatiri. As presidenciais de Abril de 2002 são ganhas por Xanana, com 83% dos votos.
2002-2007
Timor-Leste é o mais recente Estado da comunidade internacional: ade- re à ONU e à CPLP, mas os sinais de crise interna demonstram a sua fragilidade e as tensões entre diferentes forças políticas.
Timor-Leste nasce como Estado a 19 de Maio de 2002. "Queremos ter orgulho em sermos nós próprios, como povo e como nação", dirá Xanana na cerimónia da independência. Como povo e nação, os timorenses têm um longo caminho a percorrer, como desde cedo se torna evidente - no plano interno e internacional. Os anos de Xanana como Presidente vão assistir ao acumular de factores de tensão interna, à normalização das relações com a Austrália, com a delimitação das fronteiras marítimas no Mar de Timor, e o desenvolvimento de uma relação com a Indonésia (apesar do passado), hoje entendida como essencial aos dois países. Mas é a crise de 2006 que vem pôr em causa as palavras de Xanana em 2002 e podem marcar o seu legado político. Uma dura luta política entre Xanana e a Fretilin vai culminar com a saída desta do Governo, a desagregação das forças de segurança com a crise dos peticionários e a chegada de forças internacionais - australianas, neozelandesas, malaias e portuguesas - ao território. Em 2007, Ramos-Horta é eleito Presidente e Xanana lidera Governo de coligação.
2007-2009
Xanana dirige-se a um grupo de revoltosos de 2006, num campo em Díli. Os dois últimos anos assistiram a importantes mudanças em Timor-Leste, entre elas o do próprio estatuto de Xanana.
Resultado das eleições de Junho de 2007, o Governo de Xanana baseia-se numa aliança de formações anti-Fretilin, apesar de o partido ter sido o mais votado. Os posteriores desenvolvimentos políticos assinalam a transformação do "herói da resistência" em mais um actor político, revestido de importantes poderes e influência, mas alvo também de dúvidas e suspeitas. O relacionamento com o revoltoso Alfredo Reinado, as acusações deste, os acontecimentos de 11 de Fevereiro de 2008 (ataques a que Xanana sobrevive incólume), entre outros, afectam a imagem daquele que deteve um estatuto especial na sociedade timorense - "a pessoa mais extraordinária que conheci ao longo da minha vida, e já encontrei muitas extraordinárias" (Ramos-Horta, 2000). Os resultados da formação que dirige (24% do voto e 18 em 65 deputados) são sinal disso. Alvo de críticas da oposição, o seu Governo resolveu algumas das questões na origem da crise de 2006, mas o que está hoje em causa é o legado de Xanana.
DN.PT-Por ABEL COELHO DE MORAIS

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