quarta-feira, 8 de julho de 2009

CV:ARTIGO DO DEPUTADO AGOSTINHO LOPES SOBRE A ILUMINAÇÃO PÚBLICA EM CABO VERDE

A ILUMINAÇÃO PÚBLICA, A RÉS PÚBLICA E A BOA GOVERNANÇA

PRAIA
-No meu passeio dominical, dia em que comemorámos os 34 anos da nossa independência, reparei que algumas ruas e avenidas da cidade Praia, entretanto ultimamente iluminadas, estavam às escuras.
Lembrei-me da reacção do Governo, através da ministra da economia, crescimento e competitividade (MECC) apoiada por declarações do senhor primeiro-ministro (PM) a partir de Lisboa, a propósito da não aprovação da proposta de lei que estabelecia o imposto sobre iluminação pública.
A declaração me pareceu inoportuna no seu conteúdo e entendi-a como sendo feita de cabeça quente. Não queria acreditar que o Governo do meu país seria capaz de caucionar o corte de iluminação pública por parte da ELECTRA só para chantagear a população e tirar eventuais dividendos políticos de um acto da Assembleia Nacional.
E não queria acreditar por várias razões:
i) Deveria o Governo analisar a forma como trouxe a proposta ao Parlamento, a necessidade de se construir os consensos necessários para se criar maiorias requeridas para aprovação de determinadas medidas e a oportunidade de trazer para aprovação uma iniciativa que havia sido politicamente reprovada pelo senhor Presidente da Republica;

ii) Em democracia, há que aceitar a expressão da diferença e respeitar as instituições; a nossa Constituição impõe consensos alargados para criação de impostos e isto era do conhecimento do PM nas vezes que se apresentou ao eleitorado que lhe deu o seu voto, nesse quadro jurídico-legal. Se algum erro houve foi do próprio Governo e do partido que o suporta que não criaram as condições de aprovação da proposta.

iii) Em democracia não se pune a população. Nada justificaria um acto de retaliação do tipo;

iv) A iluminação pública é um dos factores preponderantes de combate à criminalidade e portanto de segurança das pessoas e bens, uma das funções primeiras do nosso Estado.
Passemos à questão:
A proposta não foi aprovada e o Parlamento, do meu ponto de vista, agiu bem.Agiu bem porque de contrário estaria a criar uma lei injusta, imoral, ineficaz e inoportuna.
i) Injusta porque não seria um imposto a ser pago por todos. A ELECTRA perde cerca de 30% de toda a electricidade que produz nas chamadas ineficiências técnica e de gestão. Isto significa que em cada cem consumidores, trinta não pagam. Ora o imposto justo deve ser pago por todos;Convém lembrar que só a energia que se perde (perdas na rede, roubo, etc.) representa cerca de 14 a 15 vezes o custo da iluminação pública;

ii) Imoral porque no orçamento de estado para 2009 o Governo prevê transferir para os privados mais de um milhão e setecentos mil contos. Esse montante que sai dos nossos impostos ou de compromissos que todos iremos pagar num futuro mais ou menos próximo, grande parte dele é para financiar associações de duvidosa eficácia social e muitas vezes conotadas com o partido no poder.Este montante daria para pagar mais de 13 anos de iluminação pública. Ora, um Governo que dá tanto a organizações privadas amigas, com os nossos impostos, não conseguiria assumir cento e vinte mil contos/ano para a iluminação pública?

iii) Ineficaz porque não iria servir os propósitos que presidiram à sua elaboração: não resolveria os problemas das dívidas de iluminação pública já existentes; não teria efeitos sobre a gestão da ELECTRA que vai continuar com os seus problemas de produção e distribuição de energia, que vai continuar com as dificuldades de investimentos fundamentais para a sua viabilização técnica; e, por fim, não resolveria os graves problemas de gestão causados por opções erradas assumidas, nos últimos anos, pelo Governo, no sector da energia.

iv) Inoportuna porque num momento de crise, em que as finanças das famílias e das empresas se encontram debilitadas por efeito de uma alta generalizada dos preços, em que o desemprego bateu à porta de muitos, em que as perspectivas de futuro ainda estão indefinidas, não pode o governo demitir-se das suas obrigações constitucionais e fazer crer que não tem responsabilidade nenhuma nesta matéria e que cabe aos cidadãos, e só a estes, assumir a questão da iluminação publica que é também, repito, uma questão de segurança.

O Governo não analisou a questão como devia; não equacionou todas as soluções possíveis; não consultou soluções adoptadas em outras latitudes como forma de enriquecimento da análise; não discutiu com os municípios, como devia, a assumpção política da iluminação pública como factor de desenvolvimento urbanístico; não quis saber das prestações devidas pela ELECTRA e outras empresas, públicas e privadas reguladas, pelo uso de espaços municipais;Pode-se concluir que a proposta é também inoportuna porque não foi suficientemente amadurecida e nem consistentemente analisada em todas as suas vertentes, com estudos e discussões que se impunham.
Que alternativas?
Todos os argumentos apresentados anteriormente justificam a não aprovação, mas não resolvem o problema. Continuamos com a questão do financiamento da iluminação pública por resolver.
Aqui e à semelhança do que acontece em outras latitudes, há que definir papéis.
A ELECTRA é uma empresa de produção e distribuição de energia e água. Não lhe cabe a responsabilidade de fornecer, sem contrapartidas, energia para iluminação pública. Fá-lo como uma prestação de serviço que deve ser compensada.
O Governo é quem gere os nossos impostos (administra os daqueles que devendo pagam e persegue aqueles que devendo não pagam).Tem responsabilidades pela prestação dos serviços públicos e este é, sem dúvida, um serviço público.Pode, por lei, transferir esta responsabilidade para os municípios (e é recomendável que o faça) mediante contrapartidas que podem ser financeiras ou não. Considero que a transferência deve ser total, começando pela faculdade de definir políticas de iluminação pública, terminando pela assumpção dos pagamentos devidos à produtora de energia.
Os municípios têm sob sua responsabilidade a gestão dos espaços municipais. Gerem receitas públicas que obtêm por cobrança directa ou por transferências do Estado ou por outras formas.Em todo o caso não podem alhear-se da responsabilidade que devem ter nesta problemática. É assim em outras latitudes.
Do nosso ponto de vista, o cabo-verdiano já paga impostos a um nível bastante elevado. Seria pouco compreensível exigir-se-lhe o pagamento de mais um imposto quando a taxa de esforço que lhe é requerido está ao nível dos países da OCDE aonde os estados têm um nível de prestações sociais e económicas muito superior ao nosso.No entanto nada impede ao Governo de ter uma intervenção a nível de taxas, por prestação de serviço que os possam justificar. A pergunta que se impõe é porque terá o Governo insistido na criação de um imposto quando tinha outras soluções legais. Esta questão não ficou esclarecida no debate parlamentar já que a MECC não a respondeu.
No quadro das soluções prováveis, acho que o governo deveria estudar soluções já implementadas em países da União Europeia, com quem assumimos uma normalização legislativa, por via do acordo de parceria especial.
Alguns exemplos:
Caso 1:
Os municípios são responsáveis pela iluminação pública. O financiamento é feito por ajuste de contas:

i) os municípios devem a energia consumida na iluminação e a(s) empresa(s) produtor(as)/distribuidor(as) de energia devem pelo uso dos espaços municipais utilizados na produção e transporte;

ii) do jogo de contas muitas vezes os municípios recebem excedentes.A situação é devidamente regulada por leis do Estado;
Caso 2: Os municípios são responsáveis pela iluminação pública (por transferência de competências). O Estado, no quadro das transferências financeiras que faz, inclui montantes previamente fixados (de preferência por acordo) para pagamento da iluminação pública.Na maioria desses casos os municípios acabam por cobrir os excedentes.
Caso 3: O Estado assume a iluminação pública de forma directa e, no quadro da legislação fiscal já existente, encontraria, por arbitragem orçamental, as fontes de financiamento para pagar a ELECTRA pelo fornecimento de energia. Sugiro as seguintes hipóteses:

i) Que a atribuição de subsídios (que estão previstos no orçamento) seja feita por compensação pela energia fornecida para o efeito;

ii) Que parte das transferências previstas no orçamento do estado para as organizações privadas (até o montante de dez mil contos por mês) seja entregue à ELECTRA como compensação pela energia fornecida para a iluminação pública;

iii) Que da taxa do IVA sobre o turismo seja cativado 1% para financiar a iluminação pública. Seria uma forma de a população sentir de forma directa os benefícios do desenvolvimento turístico de Cabo Verde, já que desse desenvolvimento já arca com várias consequências negativas, também de forma directa.
Reacção da Associação Nacional dos Municípios
Ouvimos também o presidente da Associação Nacional dos Municípios de Cabo Verde (ANMCV) a pronunciar-se a favor da proposta de solução apresentada pelo Governo, num discurso de quase condenação do parlamento pela recusa da proposta.Neste aspecto convém esclarecer o seguinte:

i) Não pode haver confusão de papéis! O Parlamento não tem que seguir as opções dos autarcas sobre a matéria; sobretudo quando é evidente, como é o caso, que a acção é ditada por motivos utilitários e conjunturais. Estão a ser acossados pelo Governo para pagarem as dívidas de iluminação pública nos seus municípios e a solução encontrada, de facto, iliba-os disto. Até aqui é compreensível!O que já não é compreensível é esta confusão de papéis institucionais. Os autarcas não podem pretender julgar actos da Assembleia Nacional e muito menos qualificá-los ou sugerir que, por sua mera influência, decisões de hoje serão mudadas amanhã. Não é assim que funcionam as relações institucionais em Democracia;

ii) Os deputados respondem pelos seus actos e omissões perante o povo e não podem ser responsabilizados pelos dos outros;

iii) O Presidente da ANMCV não terá estudado o assunto com a profundidade exigida e terá sido levado a assumir, com o Governo, compromissos que não vinculam os deputados.

Sinto muito que, como representante dos autarcas e presidente de uma câmara municipal, tenha ficado decepcionado com a não aprovação da Lei. Lamento muito, pois considero fundamental que cada um de nós deve cumprir o seu papel, nesta missão comum de servir os cabo-verdianos.
Agostinho António Lopes, Deputado da Nação.

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