quinta-feira, 16 de julho de 2009

ENTREVISTA COM RENATO LIMA DA ARE CABO VERDE

JOÃO RENATO LIMA PRESIDENTE DA AGÊNCIA ARE DE CABO VERDE

PRAIA-Cabo Verde está encaminhado mas ainda há um longo caminho a percorrer na defesa da eficiência económica e protecção do consumidor.
João Renato Lima, 48 anos, presidente da ARE desde 2004, reclama que Cabo Verde tem das legislações sobre regulação energética mais evoluídas do mundo e recusa que os regulados vejam a agência como um monstro. Natural de Sal-Rei, na ilha da Boavista, formado em Gestão pela Universidade de Évora, Renato Lima saúda a aproximação entre as entidades de regulação lusófonas, mas adverte que há ainda um longo caminho a percorrer na defesa da eficiência económica e na protecção do consumidor. Portugal e Brasil são, no seu entender, os principais parceiros para apagar essas zonas-sombra.
Para que serve a ARE em Cabo Verde, aparentemente um país com um reduzido mercado?
A ARE é uma agência criada em 2003 na sequência de uma agência mal sucedida que se denominava Agência de Regulação Multissectorial.É uma agência também ela multissectorial, com a particularidade de ser uma agência de regulação económica, o que quer dizer que há aspectos técnicos de regulação que continuam noutros institutos e organismos centrais do Estado. Nós regulamos o sector do transporte colectivo urbano de passageiros, transporte marítimo de passageiros, o sector energético, incluindo a electricidade e combustíveis, além da água. Resumindo, o objectivo é tentar criar um clima de confiança, fomentar a eficiência económica e fazer com que os consumidores tenham um serviço de qualidade e a bom preço.
Sente que há uma ideia de que a ARE pode ser um "monstro"?
A regulação é uma tarefa difícil porque temos de harmonizar interesses divergentes.Temos os utilizadores dos serviços, as reguladas e o próprio Estado, além de, obviamente, dos consumidores, que procuramos pôr sempre no centro do sistema. Essa percepção de que a agência poderá estar a obstaculizar a actividade dos operadores pode estar relacionada com o facto de exigirmos rigor, nomeadamente na fixação de preços para que o consumidor não seja penalizado pelas ineficiências das empresas. Há um trabalho que, de facto, numa perspectiva se calhar simplista, um qualquer operador pode pensar que a regulação funcione como uma espécie de inimiga do mercado. Mas acho que isso é um contra-senso, porque se o cliente for bem servido a bom preço, isso é vantajoso também para quem presta o serviço. Terá a sua rentabilidade financeira assegurada, bem como os seus equilíbrios financeiros.
Mas essa mensagem está a passar?
A mensagem está a passar, ou está a passar aos poucos. Criámos recentemente um gabinete de comunicação e de apoio ao consumidor. Criámos um site que foi operacionalizado há relativamente pouco tempo e estamos a publicar um boletim informativo. Mas a dificuldade maior da regulação em todos os quadrantes tem a ver com as assimetrias da informação. Nesta fase de luta, de procurar saber o que de facto as empresas estão a fazer, há resistências que são naturais, mas que dificultam, em grande parte, o trabalho da ARE. Mas a agência terá de ser vista numa outra perspectiva: estamos aqui para ajudar a tornar o mercado atractivo e, em última instância, dar o nosso contributo para a competitividade do país.
A ARE alargou a sua área de actuação, com a junção dos aspectos técnicos... O que o governo decidiu recentemente foi juntar à regulação económica os aspectos puramente técnicos. Digamos que se fundiu a regulação económica e técnica. Há uma sobreposição de competências em quase todos os sectores que a ARE regula que dificulta o processo de decisão. Por exemplo, no sector da água, há atribuições que estão em institutos de gestão dos recursos hídricos e os próprios municípios acham que têm determinadas prorrogativas na fixação de preços. Há aqui aspectos que terão de ser clarificados para que a regulação seja mais fluida, para que não haja zonas-sombra.Em Cabo Verde, se calhar herdámos isso por questões culturais, gostamos muito de regular, ou de regulamentar, ou ainda de criar leis. Curiosamente, depois esquecemo-nos de revogar outras. Depois cria-se aqui uma confusão.
Quem é responsável por quem?
Há um trabalho de arrumação legal a fazer e clarificar estratégias, mas estamos convencidos de que será uma batalha ganha a médio/longo prazo.
A legislação actual é suficiente ou há ainda um longo caminho a percorrer?
Quanto ao enquadramento legal, se calhar Cabo Verde tem dos quadros mais evoluídos quase que a nível mundial. Mas isto está longe de ser suficiente e quando nos associamos com outros países, como Portugal, Brasil e outros, estamos à procura de crescer um pouco mais: partir de leis gerais para chegar a regulamentos que estão mais próximos e ajustados às respostas que os consumidores e utilizadores esperam no dia-a-dia. Por mais bonitas que sejam as leis, acabamos por, em determinadas situações, não ter capacidade de resposta porque ainda não regulamentámos, ainda não definimos determinados códigos e algumas balizas estão por definir.
E a Associação dos Reguladores de Energia dos Países de Língua Oficial Portuguesa (RELOP), de que a ARE é fundadora, é esse caminho?
A RELOP, no sector energético, sim, é o caminho que pretendemos fazer. Mas antes da RELOP (criada em 2008) já tínhamos relações bilaterais com praticamente todas as agências (sete) que a integram. Mas decidimos que é preciso definir programas, capacitar pessoal, ter o apoio técnico das agências do Brasil, da ERSE (Entidade Reguladora do Sector Energético de Portugal, cujo presidente, Vítor Santos, lidera também a RELOP), na feitura dos regulamentos. Se formos todos para as consultorias internacionais, o processo será muito mais lento e eventualmente desajustado à realidade de cada Estado. Pertencendo a uma mesma família, teremos um espaço de diálogo mais distendido e haverá respostas mais concretas e ajustadas à realidade.
E em que medida uma boa regulação pode ajudar a atrair o investimento interno e externo?
A economia, hoje, funciona numa base de confiança. Parece um cliché, mas é uma verdade eterna. Se não houver confiança, segurança, um quadro legal bem definido, se um operador não tiver a certeza de que, em determinadas circunstâncias, pode ter as condições que lhe permitam o normal retorno dos investimentos, então é evidente que não aparecem investidores. E isto acaba por prejudicar o país. Por isso, a regulação visa transmitir essa confiança. Para isso, terá de estar dotada e de ter uma certa pujança para que a sua afirmação possa ser feita pela qualidade das decisões que tomar.
Está numa posição privilegiada para uma análise da qualidade do investimento português que faz em Cabo Verde?
Portugal é, reconhecidamente, o melhor parceiro de Cabo Verde na cooperação e nas trocas comerciais. Todos os dados apontam neste sentido. Há um sentimento de confiança no país e acho que este fluxo de investimento poderá ganhar contornos mais interessantes com o fim deste pequeno ciclo de crise que estamos a viver. Mas há outras razões que justificam que os investidores portugueses estejam a procurar Cabo Verde: somos um país estável, com segurança, geograficamente bem situado e localizado e a pequenez do nosso mercado pode parecer uma coisa estranha para quem investe, mas Cabo Verde pode servir de placa giratória para atingir outros mercados com maior expressão, como a costa ocidental de África, ou mesmo para exportar para países de outros quadrantes geográficos. Cabo Verde é um país seguro, jovem, de poucos anos (34), mas com uma democracia consolidada, com as instituições a funcionar, muitas vezes com algumas falhas que são normais neste processo de crescimento. Mas, de facto, há um clima propício para o investimento em Cabo Verde, sobretudo porque as suas instituições têm credibilidade.
Agência LUSA-Por José Sousa Dias

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