sábado, 19 de setembro de 2009

CV:O nervosismo de Neves-Por Daniel dos Santos


A forma como o presidente do PAICV comentou o regresso de Carlos Veiga à liderança do MpD anuncia dias crispados no relacionamento entre os dois maiores partidos políticos cabo-verdianos. A menos de um ano e meio das próximas eleições legislativas, para cujo sucesso é indispensável que todos contribuam, com um discurso pedagógico, nada fazia prever que José Maria Neves perdesse a cabeça e dissesse cobras e lagartos do seu principal opositor.
Foi, de resto, muito infeliz. Já antes o fora quando, muito recentemente, comparou a actual situação política do PAICV à do PAIGC, em 1973. É falsa a comparação. O PAICV não é o PAIGC e Neves, muito menos ainda, não é Amílcar Cabral.

Em 1973, o PAIGC era um barril de pólvora, o PAICV não o é, hoje, por mais profunda que seja a crise por que atravessa. Em 1973, a ausência de diálogo e de debate no seio do PAIGC acabou por desaguar no assassínio de Amílcar Cabral, não sendo esse, evidentemente, o caso do PAICV.
É um autêntico disparate comparar duas realidades que se mostram incomparáveis. Neves sabe-o bem, mas fê-lo, propositadamente, para daí tirar dividendos políticos. Nada mais fez do que usar uma técnica de marketing comercial, levada à política, com claro intuito de manipular a consciência das bases do PAICV. Em marketing, é muito comum que se utilizem anúncios publicitários para despertar apelos emocionais tanto negativos quanto positivos no público a atingir.
Philip Kotler, um dos maiores pensadores de marketing, ensina que os apelos emocionais negativos produzem o medo, a culpa, a vergonha, o pavor, a incerteza, a insegurança, entre outros efeitos da mesma igualha. Para o ilustrar, basta que nos recordemos, a título de exemplo, do spot abaixo, que, a espaços, as televisões mostram, um pouco por todo o lado: «A sida já matou milhões de pessoas. Quer ser a próxima vítima? Então, use a camisinha». Dito de outro modo, caso a não use, morre.
Que se deseja aqui? Simplesmente, a produção do medo como técnica de obtenção do consentimento ou de adesão a uma dada causa. Ao tentar mostrar que a falta de diálogo, no PAIGC, em 1973, levou à morte de Amílcar Cabral, Neves está apenas a amedrontar o povo tambarina, fazendo-o ver, também, que a ausência de debates no interior do PAICV poderá, de igual modo, conduzir a graves problemas. Pode até ser verdade, mas daí a comparar o presente momento do PAICV ao do PAIGC, em 1973, tamanha é a distância.
Ao colocar, em resultado desta estratégia, os tambarinas em estado de tensão e de choque, Neves aprisionou-os, tendo, em consequência, atingido o objectivo que o levou a gizá-la: apresentar-se como o único candidato à liderança do PAICV.

No quadro do mesmo plano, formalizou a intenção no dia em que Amílcar Cabral faria 85 anos de idade, se estivesse vivo. Não é inocente a atitude, mas Neves equivocou-se uma vez mais, porque Amílcar Cabral nunca deu votos, em Cabo Verde, por mais que explore a sua memória, que devemos respeitar.
Compreende-se que o líder do PAICV esteja nervoso. À beira do congresso tambarina, uma vez mais adiado, desta feita, por alegadas deficiências na sua organização, as coisas não lhe têm corrido bem. Todos o sabemos. O seu discurso triunfalista, desenhado pelos seus estrategos de última hora, esconde muitas coisas, a mais grave das quais mostra que, nos dias que correm, a paz no reino tambarina é uma excepção e a discórdia a regra.
É verdade que Felisberto Vieira recuou, por momentos, a pensar num eventual regresso em força, caso Neves venha a ser derrotado por Carlos Veiga nas legislativas de 2011. Já era expectável a postura do antigo edil da Praia, sabido que não logrou reunir os necessários apoios políticos para fazer face ao presidente do partido, que, não se sabendo a que custo, deu a volta ao texto, parecendo estar agora a controlar o curso dos acontecimentos depois de o ter perdido.
O nervosismo de Neves não o obriga a tentar apoucar Carlos Veiga, ainda que seja seu adversário, como o é, de facto. Afinal, quem parece ter «a cultura política de rabentolismo» é, precisamente, o chefe do PAICV. Ademais, «rabentola» não é sinónimo de rebentar. Podemos até tomá-lo, se forçarmos a nota, mas, a acontecer, terá de ser sempre em sentido figurado, como o são ainda «djô baka, djô», «ti lança», «xô pelada», «dismami já», entre outras expressões alegóricas que, espontaneamente, o povo constrói nas ruas em tempos de campanha eleitoral.
Já nos habituamos ao discurso de arruaça de Neves. Começou-o, em 1991, em Santa Catarina, quando chamou «drogados» a um grupo de jovens. Não emendou o erro, pois repetiu-o, também, na sua querida Assomada, com a frase que o celebrizou - «burros na ladera», em alusão aos militantes do MpD. Como se não bastasse, chamou mentiroso a Jorge Santos e perdeu as estribeiras, no parlamento, quando se confrontava, numa acesa polémica, com o líder da UCID.
Não há melhor exemplo que retrata a marginalidade política do que os casos acima expostos. Estamos por demais seguros de que não é este o porte de alguém que, por vontade dos cidadãos, exerce um cargo tão nobre quanto importante como o é o caso. Não podemos tolerar semelhante comportamento, que apenas serve para desacreditar a política e os políticos, cuja imagem não é de si famosa, entre nós, bastando para o comprovar que se ponha a exame a postura dos nossos deputados no parlamento.
Uma coisa é certa. Neves está a criar um clima de crispação com Carlos Veiga para apenas evitar que entre si haja qualquer possibilidade de debate quando nos aproximarmos da hora da verdade: as eleições legislativas de 2011. Por isso, entrou a matar, como se diz na gíria futebolística. Mas, desta vez, não haverá desculpas que o valham. Calculou mal os riscos. Por ventura, esqueceu-se de que abriu, em Outubro do ano passado, um precedente que o irá aconselhar a debater com Veiga?
Todos nos lembrámos do «debate que faz história», do jornal «A Semana». Se aceitou, então, discutir com Veiga o estado do desenvolvimento do país, na condição de ex-primeiro-ministro, não vemos motivos para o não voltar a fazer, logo agora que o estatuto deste se elevou ao de chefe da oposição. Muito em breve, apresentar-se-ão às urnas para disputar, ordeiramente, o título de inquilino do Palácio da Várzea e os cabo-verdianos estão, pacientemente, desta feita, à espera que debatam os seus problemas, dos mais corriqueiros aos mais complexos, com elevação e urbanidade.
Não nos furtamos à tentação de dar à estampa o excerto abaixo, dito por Neves, aquando do famoso encontro: «(...) Já é tempo de haver, em Cabo Verde, debates entre os principais actores políticos. Este é um vazio que ainda existe na nossa disputa política. Tanto nas eleições legislativas, como nas presidenciais e autárquicas, devemos promover debates, e as candidaturas e os partidos devem ter um papel mais pedagógico neste processo».
Em face do exposto, Veiga tem um só caminho a percorrer, ainda que longo: chamar Neves à pedra e trazê-lo à razão. São ambos necessários ao país e de nada lhes serve a via da confrontação pueril. Caso Neves insista na mesma senda, esperamos que o não faça, Veiga deve fazer jus ao prestígio que o guindou ao estrelato no tabuleiro político cabo-verdiano, sem perder de vista de que o país precisa de uma oposição apertada, acutilante, acirrada e dinâmica. A bem da democracia.
EXPRESSODASILHAS.CV-Por Daniel dos Santos

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