terça-feira, 22 de setembro de 2009

G20: Reforma da regulação põe em cheque lucros da banca

Pittsburgh será o palco de um encontro em que o aperto da supervisão financeira à escala global estará sobre a mesa, para afastar de vez o fantasma do Lehman Brothers.Os principais líderes mundiais reúnem-se esta semana na tentativa de alcançar um acordo em torno da mais ampla reformulação da regulação financeira desde os anos 30 do século passado. No entanto, as medidas em equação podem ameaçar os lucros e a cotação bolsista da banca.
O presidente norte-americano Barack Obama recebe em Pittsburgh os seus homólogos do G20 entre quinta e sexta-feira para solidificar um plano que visa forçar os bancos a controlarem o seu grau de endividamento, a deterem mais capital social e a manterem uma maior carteira de activos facilmente transaccionáveis. Limitar os salários e os bónus dos banqueiros e reduzir os desequilíbrios no comércio e nas poupanças são outros pontos na agenda, com os intervenientes a procurarem moldar um entendimento que previna uma repetição da mais grave crise desde a Grande Depressão e que alicerce uma recuperação sustentada. Como se alertou no início, ao limitarem a margem dos bancos para investir e negociar, as autoridades podem colocar em cheque indicadores como os 22% de valorização do Índice Financeiro Standard & Poor's 500 registados este ano.Na balança do deve e do haver, este pode ser um preço que os governos estão dispostos a pagar para prevenir as jogadas de risco que desencadearam o colapso do Lehman Brothers há um ano e, subsequentemente, uma recessão à escala global e resgates de instituições financeiras financiados com dinheiro dos contribuintes.A este propósito, Andrew Clare, professor na Cass Business School de Londres e antigo funcionário do Banco de Inglaterra, declarou à agência financeira Bloomberg que "a regulação vai tornar os bancos menos lucrativos, ao aumentar o custo da actividade", sem deixar de acrescentar que "se a banca vai beneficiar da generosidade dos contribuintes, então tem de agir de uma forma que não prejudique esses mesmos contribuintes ou a economia".
A cimeira de Pittsburgh, que conta, entre as presenças mais destacadas, com o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e o presidente chinês, Hu Jintao, vai ainda debater formas de promover a recuperação económica, evitar o proteccionismo, melhorar as normas contabilísticas e tornar mais eficiente a acção do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Os líderes do G20 vão também tentar definir um modelo que permita gerar uma economia mundial mais equilibrada, assente em maiores poupanças nos EUA, investimento na Europa e procura interna na China.Recorde-se que os dirigentes políticos se deslocam para a cidade norte-americana tendo como pano de fundo a contestação dos seus cidadãos, após os governos terem recorrido aos cofres públicos para salvar bancos que, na sua maioria, regressaram rapidamente aos lucros e voltaram a reservar milhares de milhões de euros para pagar bónus aos seus responsáveis. A título de exemplo, 73% dos britânicos inquiridos este mês pela YouGov mostraram-se favoráveis à aplicação de um imposto sobre todos os bónus acima de 10 mil libras (11.065 euros). No mesmo sentido, uma sondagem da Gallup revelou em Junho que 59% dos norte-americanos defendem medidas para conter os salários dos executivos.Dando voz ao sentimento popular, Barack Obama afirmou, em entrevista à Bloomberg no passado dia 14 de Setembro, que "tem prevalecido uma cultura que recompensa a visão a curto-prazo, que usou a alavancagem para assumir riscos exorbitantes que eram insustentáveis para o sistema como um todo. É esta a cultura que penso que temos de inverter".Segundo um relatório dos analistas do JPMorgan Chase datado de 9 de Setembro, esta tomada de posição disciplinadora pode baixar a rentabilidade em um terço na Goldman Sachs, no Barclays e no banco de investimento do Deutsche Bank. A taxa de rendibilidade dos capitais próprios, ou return on equity (ROE), do Deutsche Bank sofrerá provavelmente o maior tombo de entre os principais bancos de investimento mundiais, recuando para 6,7% em 2011 contra os 10% actuais, acrescenta o documento. O ROE da Goldman vai regredir 4,4 pontos percentuais e o do Barclays 4,3%.Em equação na cimeira do G20 estará a exigência aos bancos para que ampliem as suas reservas de capital para melhor cobrirem o risco, para que retenham mais ganhos e respeitem um rácio de alavancagem financeira. "As revisões aos requisitos de capital vão afectar claramente as actividades dos bancos", defende, a propósito, Alessandra Mongiardino, analista da Moody's.Por outro lado, também os investidores podem sofrer se as instituições financeiras tiverem de emitir mais capital, relembra Charles Goodhart, ex-responsável do Banco de Inglaterra e actual professor da London School of Economics. "Os bancos vão ter que arrecadar mais capital através da emissão de mais capital social, portanto as acções existentes vão, em geral, desvalorizar", avançou Goodhart. Refira-se que o FMI estimava, em Abril, que os bancos norte-americanos e europeus precisam de 875 mil milhões de dólares (594,9 mil milhões de euros) de capital extra.A Goldman Sachs demonstrou recentemente que um capital mais elevado e uma alavancagem mais baixa nem sempre significam lucros reduzidos. A empresa, que destinou um montante recorde de 11,4 mil milhões de dólares (7,75 mil milhões de euros) para recompensas e bónus no primeiro semestre, cortou o seu rácio de total de activos para o capital ordinário para 16 vezes no segundo trimestre, em comparação com 26 vezes um ano antes. A Goldman estabeleceu ainda um novo recorde de lucros em Wall Street este ano, ganhando 3,4 mil milhões de dólares (2,3 mil milhões de euros) com base em 13,8 mil milhões de dólares (9,38 mil milhões de euros) de receita nos três meses terminados em Junho.Certo é que as novas regras devem levar alguns anos a entrar em efeito, bastando atentar no facto de o secretário do Tesouro norte-americano, Timothy Geithner, propor que as novas exigências de capital sejam implementadas até ao final de 2012.Apesar de tudo, desde a falência marcante do Lehman Brothers, alguns bancos já tomaram a iniciativa de reduzir a alavancagem, aumentar o capital através da venda de acções e conservar um portfólio mais vasto de activos líquidos, mais fáceis de alienar.É este o caso do Morgan Stanley, o sexto maior banco dos EUA em termos de activos, que encaixou 6,92 mil milhões de dólares (4,7 mil milhões de euros) através da venda de títulos promovida em Maio e Junho e cortou o seu rácio de activos totais para capital ordinário para 18,3 vezes no final de Junho, face às 30,9 registadas um ano antes. As medidas tomadas por iniciativa própria levam mesmo muitos economistas a considerar que é improvável que o G20 possa impor um aperto adicional quanto ao reforço da liquidez ou à redução da alavancagem.É também interessante verificar que um eventual acordo pode ser mais nocivo para os bancos europeus do que para os seus congéneres norte-americanos, o que pode motivar a oposição de Nicolas Sarkozy e da chanceler alemã, Angela Merkel. A explicação é simples: os bancos sediados na Europa podem ter de vender mais acções do que os seus concorrentes do outro lado do Atlântico para satisfazerem as novas regras de capital, uma vez que têm contado com títulos híbridos para respeitarem as exigências actuais. "Seria paradoxal se os bancos europeus fossem penalizados em termos de concorrência com os bancos norte-americanos, dado que a crise teve origem nos EUA", observa Baudouin Prot, CEO do BNP Paribas, o maior banco francês. Talvez por este motivo, Bruxelas e, em particular, Merkel e Sarkozy, têm optado por centrar as atenções do G20 em torno do problema dos bónus e dos salários auferidos pelos banqueiros.
Lei de Bruxelas pode afastar hedge funds
As regras propostas pela União Europeia (UE) para os hedge funds e para as empresas de private equity podem custar até 1,9 mil milhões de euros no primeiro ano e 985 milhões de euros anualmente a partir daí, afirma um estudo da indústria.A Directiva sobre Gestores de Fundos de Investimento Alternativos visa regular e impor requisitos de capital sobre os fundos com mais de 100 milhões de euros sob gestão. Caso sejam implementadas, as medidas propostas podem subir os custos de conformidade em cerca de um terço, de acordo com um inquérito realizado junto de 121 gestores de hedge funds e de 41 gestores de private equity que gerem uma verba combinada de 550 mil milhões de dólares (374 mil milhões de euros), indica a Open Europe, uma empresa de estudos com sede em Londres. Os autores do trabalho concluem que a capital britânica, onde se encontram pelo menos 80% dos 400 mil milhões de dólares (272 mil milhões de euros) de activos de hedge funds europeus e cerca de 60% das empresas de private equity da Europa, pode sofrer efeitos sérios se os fundos decidirem que sair é mais fácil do que respeitar os novos regulamentos. "Milhares de empregos e milhões de libras em receitas fiscais podem estar em risco", defende um relatório elaborado por Mats Persson, director da Open Europe. "Restariam poucos incentivos para os gestores de fundos permanecerem na UE", conclui Persson, citado pela agência financeira Bloomberg.
Regulador único no centro da discórdia nos EUA
O plano do presidente do Comité da Banca do Senado norte-americano, Christopher Dodd, para a criação de um regulador bancário único pode desencadear um conflito com o seu homólogo da Câmara dos Representantes, Barney Frank, e com a administração de Barack Obama, atrasando a revisão das normas financeiras.Dodd vai sugerir a combinação da Reserva Federal (Fed), da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), do Office of Thrift Supervision (OTS) e do Office of the Comptroller of the Currency (OCC) numa única agência. A proposta de Christopher Dodd vai mais longe do que as recomendações de Barack Obama, que são apoiadas por Frank, presidente do Comité de Serviços Financeiros da Câmara dos Representantes, órgão que retoma as audiências sobre o assunto esta semana. As divergências têm que ser resolvidas antes de as regras se tornarem lei. Recorde-se que Obama recomendou em Junho a junção do OCC, regulador de bancos nacionais como o Citigroup, com o OTS, que regula savings and loans, incluindo o Hudson City Bancorp.
A iniciativa da Casa Branca deixa intactos os poderes de supervisão atribuídos à Fed e à FDIC.O sistema de múltiplas agências produziu "alguns custos reais, desde ineficiências e redundâncias a falta de responsabilização e negligência regulatória", declarou Christopher Dodd, que acrescentou ainda que os EUA estão a pagar "um preço muito alto devido a essas deficiências". Os responsáveis máximos da FDIC, Sheila Bair, e do OCC, John Dugan, apoiam a proposta de Barack Obama.
OJE-Por Pedro Fonseca de Castro

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